Temendo retrocesso no direito da união civil homoafetiva no governo Bolsonaro, casais se mobilizam para fazer a cerimônia ainda em 2018
Os votos do matrimônio representam um momento marcante na vida de um casal. De qualquer casal. E quando essa data especial é realizada, ao mesmo tempo, para cinco casais, e numa cerimônia em que garçons, músicos, DJ, fotógrafo, equipe de filmagem e decoradora são todos voluntários, o evento ganha ares de uma solidariedade pouco comum. E se os cinco casais são todos da comunidade LGBTI+, então, o casamento coletivo é também um gesto político de afirmação, após a eleição de Jair Bolsonaro, o futuro Presidente da República, famoso por opiniões homofóbicas.
“A ficha não caiu ainda. Foi muito lindo, uma energia muito positiva. Um sopro de esperança que precisava para terminar esses últimos meses tão difíceis”, afirma o designer Victor Paredes, de 23 anos, desde domingo (16) oficialmente casado com Hugo Rodrigues Lima, auxiliar administrativo, de 20 anos.
O jovem casal não pretendia se casar agora. Com um apartamento recém comprado, o plano era realizar a cerimônia, que costuma ser sempre um evento caro, mais para a frente, daqui a dois ou três anos. Porém, o movimento de casamentos ainda em 2018, como forma de se antecipar a possíveis retrocessos do governo de Bolsonaro, fez com que Victor e Hugo apressassem o plano.
“Foi um momento de carinho por um propósito maior, de um amor justo, igualitário. É um ato político muito importante. Ainda há esperança”, analisa Victor Paredes. Assim como o casamento coletivo realizado na Casa das Caldeiras, que também cedeu o espaço gratuitamente, outros 100 casamentos homoafetivos estão previstos em São Paulo até o fim do ano.
A razão para a pressa deve-se ao temor de que a Resolução 175, publicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2013, e que permite a união civil homoafetiva, possa ser alterada por Bolsonaro.
“A gente não sabe se esse direito vai continuar. Demorou tanto para conseguir isso. E como ele (Bolsonaro) se comprometeu a lutar pelo matrimônio apenas entre homem e mulher, deixou a comunidade com muito medo”, explica o designer. “Então está todo mundo correndo para garantir.”
Além da resolução do CNJ, há também uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2011, reconhecendo a legalidade da união homoafetiva. No entanto, ambas não têm força de lei. O alerta para a situação foi dado recentemente por Rachel Rocha, vice-presidente da Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
“Essas duas medidas jurídicas de reconhecimento de direitos dessa população não têm força de lei. Não são leis aprovadas pelo Congresso Nacional, o que seria o ideal. Em contrapartida, tanto a Constituição Federal quanto o Código Civil não proíbem o casamento entre pessoas do mesmo sexo”, explica Rachel Rocha.
Victor Paredes diz ter se assumido como homossexual aos 16 anos. Desde o início da adolescência percebia que não tinha os mesmos gostos e desejos dos amigos, porém, não se aceitava, achava que estava errado. Durante anos, a situação lhe causou sofrimento. A mudança aconteceu justamente com o apoio da família, que neste domingo (16) estava presente na festa.
“Eles me ajudaram a me aceitar. Para mim, o mais difícil foi aceitar quem eu era. Toda vez que tinha esse sentimento, me culpava muito. Quando eles me acolheram, vi que eu não estava errado”, recorda Victor.
Desde que houve as decisões do STF e do CNJ, o número de união civil homoafetiva tem aumentado anualmente. Segundo a pesquisa Estatística do Registro Civil, do IBGE, foram realizados 5.354 casamentos homoafetivos em 2016. Em 2017, houve aumento de 10%, alcançando 5.887 casamentos.
Solidariedade
Caique Paz é produtor de eventos, mas até o último domingo jamais tinha organizado um casamento. Nos últimos meses percebeu um movimento de casais LGBTI+ querendo oficializar a relação perante o registro civil, porém, tendo dificuldade em produzir a cerimônia. Decidiu então ajudar. Acostumado a lidar com fornecedores, convites e toda a logística de um evento, concluiu que não seria difícil.
“Nós, LGBT, vivemos nesses últimos meses uma angústia muito grande devido ao cenário político, não só com o presidente eleito, mas com as pessoas que passaram a nos atacar nas ruas. Tudo isso criou uma união grande na comunidade e mais ainda depois da eleição do Bolsonaro”, reflete Caique Paz. “Já passamos a vida inteira lutando, então foi uma forma de ajudar.”
Os voluntários no dia do evento foram amigos próximos e pessoas que se dispuseram a colaborar após saberem do casamento coletivo por meio de uma página em rede social. E assim apareceram músicos, DJs, garçons, equipe de filmagem, o empréstimo dos equipamentos de som, a Casa das Caldeiras etc. Só houve custo com a alimentação e o mobiliário, sendo que o último ainda com desconto de 40%.
“Foi uma festa linda, todos se ajudando por um bem maior. Eu não imaginava que seria tudo o que foi. Me emocionei demais. Por onde você olhava, você via amor. Foi lindo demais”, afirma o produtor de eventos que, a partir de agora, começa a pensar em colocar as festas de casamento no seu rol de atividade.
Fonte: Brasil Atual