Conversamos com um psicólogo e ouvimos histórias reais para entender os impactos da irritação no cotidiano e seus perigos no convívio em sociedade
Parece que a sociedade anda por um fio. Estamos cada vez mais irritados, e os impactos desse nervosismo são sentidos em nosso cotidiano.
Brigas no trânsito se tornam tragédias, o velho “bom-dia” deu lugar aos xingamentos nas ruas e os conflitos em caixas de comentários nas redes sociais nunca foram tão comuns.
Basta uma faísca e, pronto, a explosão pode ganhar enormes proporções.
Diferentes explicações justificam a nossa irritabilidade, como o mal-estar físico, o sono, a fome, algumas preocupações e pendências a serem resolvidas ou até mesmo o sentimento de impotência diante das atrocidades do mundo.
Mas até que ponto se sentir irritado a maior parte do tempo é normal?
“A irritabilidade é uma característica dos seres vivos. Cada espécie expressa irritação da sua maneira e, entre os humanos, existem variações de indivíduo para indivíduo”, explica Antônio Carlos Amador, professor de psicologia na PUC e autor do livro Viver Pode ser Mais Fácil - Os Desafios dos Relacionamentos ao Longo da Vida.
Aqui, é importante ressaltar que, embora tendo relação, a irritação e o estresse são coisas diferentes.
“No senso comum, criamos o hábito de falar que uma pessoa está estressada quando na verdade ela está cansada, farta e esgotada, mas isso não necessariamente é estresse”, explica o professor.
Isso porque, enquanto a irritação é um estado de humor identificado quando uma pessoa reage a uma situação de desconforto, o estresse se caracteriza pelo excesso de mudanças e a necessidade de adaptação a elas.
“O estresse pode ser uma situação crônica. Existem níveis, mas a questão é que quando os estressores são constantes e intensos, cria-se uma situação em que a pessoa não tem tempo para se recuperar”, completa.
Mas alguns detalhes no estilo de vida das pessoas têm potencial para influenciar na forma com que cada um lida com o estresse ao seu redor. Morar em grandes centros urbanos, por exemplo, é um gatilho para a irritação excessiva.
“Pessoas que vivem no campo, em cidades menores e lugares mais tranquilos são, em sua maioria, menos irritadas. Acontece de serem estressadas, porque é uma característica humana, mas socialmente elas estão submetidas a menos estresse”, explica o professor.
Estressores e válvulas de escape
São chamados de estressores os fatores que provocam exaustão física e psicológica. Em uma cidade como São Paulo, por exemplo, a quantidade de estressores é intensa. Ela varia desde as horas gastas no trânsito até a sensação permanente de insegurança.
“Sou mineira, mas moro em São Paulo há mais de 20 anos. Até hoje não me acostumei com a superlotação de tudo na cidade. Não tenho paciência de ficar em filas e lugares cheios, me irrito facilmente em situações assim”, conta Eli Sousa, de 46 anos, em entrevista ao HuffPost Brasil.
É fato: as pessoas estão a todo tempo indo a algum lugar, elas têm sempre algum compromisso e alguma necessidade imediata. Some-se a isso a dificuldade de viver o presente, o aqui e o agora, e toda a ansiedade em relação ao futuro. Essa parece ser uma combinação poderosa para a nossa irritação.
Se, por um lado, algumas pessoas conseguem lidar com os fatores estressores (ou simplesmente ignorá-los), muitas outras procuram válvulas para escapar da irritação sem de fato lidar, com o problema.
No entanto, quando crônica, a irritação pode criar problemas físicos e psicológicos.
“Hoje a medicina vê isso com outros olhos e caracteriza a baixa imunidade, por exemplo, como um efeito da irritabilidade”, explica o especialista.
As irritações de todos os dias
Aos 27 anos, Letícia Gomes afirma que fica irritada com as pequenas coisas do cotidiano.
“Se alguém anda devagar na minha frente, se perco o ônibus ou o metrô, já era. Fico muito estressada. Perco ainda mais a paciência quando sinto que não tenho controle sobre a minha filha, de 5 anos”, diz.
Para Gomes, é um ciclo com o qual já está acostumada a lidar: se irritar, brigar com as pessoas, tratá-las mal e depois se arrepender.
“Na hora da raiva digo coisas horríveis, mas, por sorte, quem me conhece ignora, deixa passar e depois tira sarro da situação. Enquanto eu não puder gritar, eu não me acalmo”, explica.
Para Victor Dantas, de 22 anos, o que o deixa mais irritado é ser contrariado. “Gosto das coisas da minha maneira e isso é um problema. Sempre que pensam muito diferente do que acho certo ou quando me dão broncas e conselhos repetitivos, me estresso”, explica o jovem.
Mas, como nem sempre a gente tem razão, Dantas conta que gosta de fazer caminhadas e exercícios de respiração para lidar com sua irritação.
Respirar fundo, aproveitar o silêncio e a solidão também são atitudes que ajudam Bruna Pegozzi, de 27 anos, a manter a calma.
“Fico irritada com frequência quando alguém fura com o combinado, não segue o que foi planejado, pergunta muito uma mesma coisa ou quando mentem para mim. Quando isso acontece, tento ficar mais sozinha. A minha família sabe que logo volto ao normal, mas no meu namoro ainda tentamos conversar. Quando não resolvido, preciso de alguns minutos longe”, conta.
O que fazer para manter o controle
Voltar a ter o controle da situação em momentos de irritação não é um exercício fácil. Para o professor de psicologia, quando os períodos irritados são seguidos de intensa tristeza, pode ser necessária uma avaliação psicológica.
“Vale lembrar que cada pessoa reage ao estresse com sua bagagem genética e emocional, com sua história e a sua educação. Não podemos ditar regras que são para todos. Há situações em que a pessoa fica doente por estresse e há situações em que a própria doença produz uma irritação aguda”, diz Amador.
E sabe o clichê de que rir pode ser o melhor remédio? Bem, em alguns casos, ele é real. O humor, segundo Amador, também pode ser um grande aliado.
“Às vezes mostrar a pessoa o lado engraçado da situação pode ser benéfico. A terapia do riso, muito praticada no Oiente, é muito interessante pois mostra mudanças reais quando se consegue fazer com que o outro sorria.”
Ainda assim, se rir for impossível, existem pequenas atitudes que podem aliviar a tensão e fazer a irritabilidade sumir.
Fazer algo de que se gosta, por exemplo, é uma delas. Por isso, tire um tempo para relaxar. Se a irritação aparecer, tenha sempre por perto algo que te faz bem e feliz - o que pode ser até mesmo acessar um vídeo do seu pet no celular.
Encontrar uma distração é sempre um bom caminho para não manter foco total no problema. Leia, tome água, coma algo e caminhe.
Busque ter calma para lidar com as situações e, se puder, escreva sobre elas. Além de ganhar tempo para analisar a situação, refletir pode ajudar a tomar decisões com mais sabedoria.
Fonte: huffpostbrasi