Estudo da USP analisa a dinâmica corporativa de pessoas gays e lésbicas, e mostra que profissionais precisam apresentar maior rendimento como compensação à orientação sexual
Empresas que estimulam atividades pautadas na diversidade podem ser beneficiadas com a imagem de inclusivas e justas. Porém, pessoas LGBTQIAPN+ ainda enfrentam muitos preconceitos para desenvolver suas carreiras no quadro corporativo, sobretudo em cargos de liderança. É o que mostra a tese de doutorado de Felipe Carvalhal, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP.
Feito entre 2021 e 2023, o estudo recebeu o título de Liderança LGBTQIA+: carreira e atuação de líderes gays e lésbicas nas organizações. A pesquisa teve a orientação da professora Tania Casado, da FEA, e co-orientação do professor Sigmar Malvezzi, do Instituto de Psicologia (IP) da USP. Felipe analisou iniciativas de diversidade em organizações, considerando dinâmicas e desafios na trajetória de lideranças gays e lésbicas.
O pesquisador realizou 20 entrevistas, sendo 15 com líderes autodeclarados gays e 5 lésbicas. A diferença na quantidade dos entrevistados se deve a uma das conclusões de Felipe na pesquisa: o perfil profissional é majoritariamente masculino, característica que facilita o alcance de homens a cargos de liderança.
De acordo com o estudo, além de enfrentarem preconceito e discriminação, líderes homossexuais precisam mostrar alta performance em suas atividades, como forma de compensação por integrarem a sigla LGBTQIAPN+. Eles ainda acumulam a responsabilidade de ser exemplo e ponto de conhecimento.
Em sua pesquisa, Felipe ressalta a importância de analisar a liderança considerando seu contexto social e organizacional. “Estruturas mais diversas e inclusivas contribuem para lideranças autênticas e influenciam o modo como as pessoas expõem sua sexualidade e suas relações com outros colaboradores”, afirma o pesquisador. Entre as esferas sociais que interferem na carreira de lideranças LGBTQIAPN+, está a educação escolar.
Desigualdade nas instituições
A princípio, Felipe pôde observar um perfil profissional da liderança LGBTQIAPN+. “A liderança ainda é feita por homens cis, héteros e brancos, ou seja, o modelo ‘super-homem’”, brinca o pesquisador.
Ele explica que isso se relaciona com uma “alta passabilidade hétero”, termo usado pelo autor para definir as pessoas que apresentam diversidade em sua orientação sexual, mas que não a deixam transparecer para a sociedade. “Trata-se de homens gays que se encaixam nos padrões masculinos estabelecidos pela sociedade, aproximando-se do perfil de homens héteros”, explica ele. “O machismo e a heteronormatividade nas empresas favorecem essas pessoas, para além de suas capacidades e qualificações”, complementa ele.
Em uma de suas entrevistas, um homem gay disse a Felipe que já precisou convidar uma companhia feminina para frequentar festas de sua empresa. “Era final dos anos 1990, e ele não sabia como lidar com essa situação. Falar que era gay não era uma opção, ele não se sentia seguro o suficiente, com medo de ser prejudicado”, conta o pesquisador.
Em outro momento, alguns entrevistados destacaram a necessidade de provar sua competência profissional em níveis mais altos, em comparação com pessoas heterossexuais. “Essa postura pode estar relacionada à teoria da compensação, na qual o estigma associado à sexualidade precisa ser compensado com um desempenho superior, levando em conta os estereótipos negativos que cercam essa população”, afirma Felipe em sua tese.
Orgulho no pertencimento
Por outro lado, Felipe recebeu líderes que utilizavam a pauta LGBTQIAPN+ como fortalecimento pessoal dentro de suas organizações. “Era como se a militância fizesse parte da atuação profissional dela. As questões que envolvem sua liderança possuem a perspectiva da diversidade, e ela vai colocar isso em suas ações”, afirma o pesquisador. Esses profissionais foram responsáveis por mudanças em seu cenário de trabalho, como equilibrar a quantidade de homens e mulheres e trazer mais pessoas LGBTQIAPN+ para integrar o quadro de colaboradores.
Ao Jornal da USP, Felipe elenca meios de facilitar o alcance a cargos de liderança para pessoas de diversas orientações sexuais. “Começamos pela própria cultura da organização. Em ambientes abertos à pauta LGBTQIA+, as pessoas pertencentes a este grupo podem se sentir livres para se expressar e, inclusive, trabalhar melhor”, afirma ele.
O pesquisador acredita que lideranças diversas servem como inspiração para aqueles que são recém-chegados às empresas. “A pessoa pode dizer ‘eu posso pensar grande, porque vejo pessoas iguais a mim em posições hierarquicamente superiores’”, exemplifica Felipe.
De acordo com a pesquisa, startups e ONGs apresentam maiores preocupações com pautas LGBTQIAPN+ e possuem uma equipe mais diversa. Felipe acredita que esses locais de atuação estão mais relacionados com as questões atuais da sociedade. “Trata-se de pessoas que discutem esse tema há mais tempo e convivem melhor com assuntos de diversidade”, afirma ele.
Raízes na educação
Felipe conta que a maioria dos líderes da pesquisa apresentava uma relação em comum com a educação. Alguns iniciavam sua vida laboral muito jovens, por questões financeiras, mas sem deixar os estudos de lado.
“Um dos entrevistados me contou que seus familiares costumavam repetir a seguinte frase: ‘nós podemos passar fome, mas você não vai deixar de estudar’”, relata o pesquisador. “A educação para a família dessas pessoas sempre foi um ponto muito marcante”, complementa Felipe. Em seu estudo, a maioria dos entrevistados alcançou o ensino superior.
Fonte: Jornal da USP