Para refletir sobre a importância do Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil (12 de junho), a Associação Juízes para a Democracia (AJD) lançou na segunda-feira (8), por suas redes sociais, uma campanha permanente contra o trabalho infantil. Principalmente “contra o perverso trabalho imposto às nossas crianças em favor do narcotráfico, que as impede de viver a infância com um mínimo de qualidade e as coloca na linha de tiro do Estado repressor”, afirma Valdete Souto Severo, presidenta da AJD, em entrevista ao Portal CTB.

 

Além de presidir a AJD, Valdete é juíza do trabalho, professora universitária e escritora. Para ela, “Não podemos continuar nesse caminho e o Estado deve cumprir a Constituição para assegurar o desenvolvimento pleno desses seres em formação para se tornarem cidadãos e cidadãs conscientes e felizes”.

 

A campanha está disponível na página do Facebook da AJD, do Instagram e do Twitter.

 

Confira a entrevista com a juiza Valdete Souto Severo

 

O aliciamento de crianças pelo no tráfico de drogas encurta as suas possibilidades de vida. O que a campanha da AJD pretende?

 

Valdete Souto Severo: É necessário enfrentar sem preconceito o tráfico de drogas. Mas não com repressão porque essas crianças que começam a sua vida laboral muito cedo como os chamados “aviõezinhos”, vendendo drogas na esquina, são vítimas da ausência de políticas públicas que lhes garanta escola e a possibilidade de vida digna e segura.

 

Enquanto continuarmos agindo como se o uso de drogas no Brasil fosse possível às classes média e alta, que alimenta o tráfico que explora o trabalho infantil, estaremos fugindo da solução do problema. Precisamos encarar a hipocrisia da criminalização do uso de drogas e o quanto isso tem ligação direta com a colocação dessas crianças não apenas em situação de trabalho infantil, mas também na sequência em situação de encarceramento.

 

Como isso se reflete no futuro delas e do país?

 

Essas crianças são alijadas de uma possibilidade de vida digna e não vamos resolver esse problema sem um enfrentamento sério do tráfico de drogas. Precisamos agir contra o perverso trabalho imposto às nossas crianças em favor do narcotráfico, que as impede de viver a infância com um mínimo de qualidade e as coloca na linha de tiro do Estado repressor.

 

A pandemia mostrou mais de 62 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade no Brasil. Com o isolamento social a situação piora?

 

Essas pessoas já estavam vulneráveis antes da pandemia e dependiam de uma lógica de Estado social que já havia sido abandonada em nosso país e o marco desse abandono é a Emenda Constitucional (EC) 95 (de 2016). Somente na área de saúde, resultou m perdas de R$ 20 bilhões, apenas no ano passado. Portanto, já tínhamos uma situação de completo desamparo.

 

O quadro se agrava com as crianças sem aulas e muitas delas sem a merenda. Ficam mais expostas à violência?

 

Já tínhamos milhares de crianças fora da escola. Agora estão sem aula e sem merenda e sem dúvida nenhuma expostas a mais violência dentro de casa. Mas a causa disso não está no isolamento, mas principalmente na precarização das condições de vida. Porque quando uma pessoa fica sem saber se vai conseguir dinheiro para pagar o supermercado, com a possibilidade de ter o salário reduzido e com a incerteza de poder honrar o pagamento de suas contas, acaba ficando refém de uma instabilidade emocional, que no âmbito das famílias já com um quadro de violência resulta ainda mais violência, sobretudo as mulheres e as crianças, que são as mais atingidas.

 

O que fazer?

 

Para romper esse ciclo de violência é necessário a adoção de medidas de distribuição efetiva de renda para muito além daquilo que está proposto, porque esse auxílio de R$ 600, por exemplo, que inclusive não chegou ainda para as mãos de muitas pessoas necessitadas, não é compatível com uma sobrevivência com dignidade.

 

Neste momento de crise sanitária, o Estado deve garantir salários integrais e o emprego das pessoas e assegurar renda para o grande número de informais que estão sem a chance de trabalhar e ganhar o sustento da família neste momento.

 

A exploração do trabalho infantil ainda atinge mais de 2 milhões de crianças e adolescentes no Brasil, isso não atrapalha o nosso desenvolvimento?

 

Claro que sim. Não podemos continuar nesse caminho e o Estado deve cumprir a Constituição para assegurar o desenvolvimento pleno desses seres em formação para se tornarem cidadãos e cidadãs conscientes e felizes.

 

Há um trabalho muito importante feito pelo Ministério Público do Trabalho e de outras instituições da sociedade civil na tentativa de coibir o trabalho infantil. Mas essa exploração está diretamente ligada à miséria, que deve ser extinta para que as crianças possam ter melhores condições de vida e os pais sonharem com um futuro melhor para os seus filhos.

 

Enquanto as pessoas estiverem na miséria e dependerem de que todos na casa trabalhem para complementar a renda que permita comer e morar com mais dignidade, fica complicado acabar com a exploração do trabalho infantil.

 

Por que?

 

Porque o país tem uma das maiores concentrações de renda do mundo. A situação de vida das famílias precisa melhorar com uma política de salário mínimo mais condizente com as necessidades das pessoas sem que as crianças precisam ajudar no orçamento doméstico.

 

O combate ao trabalho infantil passa justamente por esse diálogo social e pela exigência de políticas públicas que promovam uma maior distribuição de renda e invista numa educação pública de período integral, que funcione de verdade, garantindo alimentação, estrutura e profissionais bem remunerados, além de aulas de esporte, cultura, inclusão digital e tudo o que uma escola precisa para ser agradável aos estudantes.

 

 

 

Que futuro esperar a continuar no caminho que o Brasil está?

 

Enquanto o Brasil estiver no topo da lista dos países com maior desigualdade social, fica muito difícil vislumbrar um futuro com mais qualidade de vida. Existem algumas pessoas que vão trabalhar de helicóptero e milhares que vivem amontoados sem saneamento básico, com uma renda menor do que R$ 800 por mês como mostra a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do quarto trimestre de 2019.

 

Ou nos conscientizamos da necessidade de promover o bem-estar social onde todas as pessoas tenham as suas necessidades básicas resolvidas e fortes investimentos do Estado em educação, saúde pública, com a promoção de espaços de encontro e de diálogo, lazer e cultura, que envolva toda a sociedade num amplo debate sobre as questões das crianças e adolescentes para que tenham o respeito que merecem e tudo o que necessitam para ampliarem seus horizontes e perspectivas de vida, ou é a barbárie, prometida pelo atual governo.

 

Fonte: Rádio Peão Brasil