Joe Biden e Kamala Harris assumem o cargo em 21 de janeiro de 2020, confrontando o conjunto mais significativo de crises sobrepostas desde a Grande Depressão, começando com a explosão da pandemia de COVID-19, e a crise econômica, desigualdade e a crise ambiental. Apenas soluções em larga escala e intervenção governamental podem começar a resolver essas crises.

Consolidar a vitória da eleição e abordar essas crises ocorre sob circunstâncias complexas e alteradas. O movimento popular democrático de massas instrumental em expulsar Trump tem um aliado na administração de Biden, definindo a agenda. Simultaneamente, a ameaça à democracia e ao meio ambiente, e obstrução pelo Partido Republicano e a extrema direita estão muito vivas.

 

 

Muitos milhões vivem em um mundo de mídia que cria uma narrativa que vira a realidade de cabeça para baixo. Assim que uma ideia progressista aparece e ganha popularidade, a mídia de direita trabalha demonizando seus apoiadores e dividindo a inicialmente ampla variedade de apoiadores da ideia uns contra os outros.

 

O Novo Acordo Verde é retratado como uma imposição de controle socialista com o objetivo de tirar tudo, de carros a hamburgers. O “Medicare for All” é retratado como controle do governo da vida de todos. Ideias que começam unindo a esquerda, liberais, Democratas de centro e até alguns Republicanos acabam com alguns desses grupos abandonando ou enfraquecendo seu apoio. A “Fox News”, novas iterações dela e mídias sociais de direita trabalham em horas extras fazendo isso.

 

Nós vivemos em um país [os EUA] grande, complicado e diverso. Avançar uma agenda popular progressista requer o emprego contínuo do que os marxistas chamam de táticas de “frente popular” ou “coalizão de todas as pessoas”, sob circunstâncias alteradas nas quais a administração Biden vai ocupar a Casa Branca, os Democratas controlam a Câmara e possivelmente o Senado, dependendo do resultado de 5 de janeiro da recontagem na Georgia.

 

Táticas de frentes populares exigem construir e ativar a racialmente diversa coalizão trabalhista, popular, democrática e religiosa, mudar a opinião pública e mobilizar as pessoas na ação. A coalizão trabalhista e popular agem ambas independentemente e trabalham ao lado do Partido Democrata.

 

Simultaneamente, a aliança deve conquistar tantos eleitores brancos quanto possível que, sob a influência do racismo e da ideologia de direita, votaram contra seus interesses de classe e apoiaram Trump e o Partido Republicano.

 

Conquistar uma agenda popular progressista e erodir o poder do Partido Republicano, especialmente em estados e distritos onde eles dominam, pode apenas ser alcançado através de uma unidade mais significativa multirracial da classe trabalhadora e do povo. O movimento deve abordar o racismo, a misoginia e outras ideias de direita de frente.

 

Lutar pela diferença, manter a unidade

 

A ampla aliança político eleitoral compartilha muitos objetivos no geral, como cuidados de saúde universais, um meio ambiente sustentável, e justiça racial e econômica. Mas diferenças e tensões frequentemente surgem sobre como conquistar esses objetivos e devido a contradições de classe internas.

 

Tensões se derramaram em um encontro pós eleições dos Democratas da Câmara para avaliar a perda de vários lugares conquistados em 2018 em distritos republicanos falsificados. Enquanto alguns moderados, como a republicana Abigail Spanberger, culparam os progressistas pelas perdas, a verdadeira razão pode estar na capacidade de Trump de estimular o retorno de seus apoiadores.

 

Progressistas vão continuar a lutar por um Novo Acordo Verde e pelo “Medicare for All”, total igualdade racial, de gênero e LGBTQ, e outras necessárias soluções avançadas. Contudo, o conjunto incrivelmente diverso de parceiros da coalisão vai precisar trabalhar as diferenças de maneira que fortaleça, não enfraqueça, a ampla aliança contra a extrema direita, apesar das contradições subjacentes.

 

As diferenças políticas refletem a variedade dos distritos que os Democratas representam. Elas também sinalizam que trabalhistas, progressistas, e outras forças democráticas têm um caminho a percorrer para construir coalisões e blocos de votação capazes de corroer o poder e resistência dos Republicanos e eleger candidatos Democratas e mais progressistas.

 

Táticas de frentes populares durante o governo

 

Muitos anteciparam que os Republicanos colocarão a “máquina de obstrução” em movimento contra a administração de Biden. Na visão de McConnell, “Washington”, em outras palavras, Biden vai ser culpado pelo impasse, e os Republicanos vão recuperar a presidência em 2024.

 

A obstrução dos Republicanos esconde o fato de que eles não têm soluções para essas crises exceto o capitalismo de livre mercado, transferência de riqueza para cima, eliminação de proteções trabalhistas e ambientais, desmantelar o governo e a democracia, e austeridade. Mas a inação dos Republicanos pode significar calamidade econômica, uma preocupação compartilhada por trabalhistas, outros movimentos democráticos, mas seções do capital também.

 

Biden disse que a sua vai ser uma “presidência de crise”, reminiscente de Franklin D. Roosevelt, e vai propor uma resposta de emergência de larga escala para a COVID-19 e a crise econômica. O plano de emergência exige a extensão do seguro desemprego com benefícios aprimorados, impedindo cidades e estados de irem à falência, um corpo de empregos de saúde pública, e o uso da Lei de Produção de Defesa para fazer equipamentos essenciais.

 

Esse programa deve ressonar em muitos eleitores de Trump, abordando questões que cruzam comunidades, estados e regiões. Milhões de eleitores de Biden e de Trump igualmente estão ficando sem o seguro desemprego. Eles estão fazendo fila em despensas de alimentos, em perigo de perder o pagamento da hipoteca ou aluguel, e arriscando despejo.

 

“Eu não tenho certeza de que eles podem sustentar a posição de que nós não estamos fazendo nada para ajudar as circunstâncias de manter os negócios abertos, tendo certeza que nós podemos abrir nossas escolas seguramente”, Biden disse ao colunista do “New York Times”, Tom Friedman. “É meio difícil ir para casa” se você é um senador Republicano que diz, “deixe os estados irem à falência”. Republicanos vivem naqueles estados, também.

 

Estados e cidades estão enfrentando a pior perspectiva fiscal desde a Grande Depressão. Os cortes podem resultar em demissões para oficiais de polícia, bombeiros, técnicos de emergência médica, cortando vacinações da primeira infância, e fechando livrarias, parques e centros de tratamento de drogas. Os sistemas de trânsito enfrentam cortes devastadores. Os cortes ameaçam fechar um terço de todas as instituições culturais. Afro-americanos, latinos, outras pessoas de cor e mulheres podem ser significativamente afetados pelas demissões no setor público.

 

Esses cortes estão vindo no topo de décadas de desfinanciamento do setor público, educação, saúde pública, sistemas de trânsito e infraestrutura física, e nível de desemprego de depressão, em comunidades negras e de cor.

 

Não importa em quem eles votaram, a maioria dos americanos apoia o financiamento de empregos verdes massivos e projetos de infraestrutura e cuidados de saúde acessíveis com a opção pública. As maiorias também apoiam um salário mínimo de 15 dólares, licença familiar garantida, taxar os ricos, ação no clima, reformar o sistema de justiça criminal, controle de armas e cancelar os débitos estudantis.

 

A administração de Biden pode usar ações executivas e o púlpito valentão para abordar a desigualdade racial estrutural, direitos trabalhistas e civis e proteções ambientais, impactando vidas em comunidades negras, de cor e brancas. Essas ações podem afetar pessoas vivendo em estados e regiões dominados pelos Republicanos, incluindo áreas rurais onde o acesso a cuidados de saúde, banda larga rural, empregos e desenvolvimento econômico, uso da terra e meio ambiente e insegurança alimentar são questões significativas.

 

Construir unidade multirracial

 

Expandir o espaço político necessário para a administração de Biden ser uma “presidência de crise” é uma tarefa central para a esquerda, progressistas, e movimentos democráticos multirraciais. Construir um movimento mais vital, mais unido multirracial, trabalhista e popular democrático de massa e expandir sua capacidade para mobilizar e influenciar a opinião pública vai ajudar a determinar conquistas no próximo período.

 

E entre suas tarefas centrais está quebrar a obstrução dos Republicanos, desafiando sua influência, e especialmente abordando o impacto da supremacia branca e misoginia em americanos brancos.

 

Batalhar contra esses venenos é uma luta diária e de longo prazo, abrangendo múltiplos ciclos eleitorais e organizando em torno de questões entre esses.

 

Quando trabalhadores brancos votam na identidade racial branca sobre seus interesses de classe, eles atiram em seus próprios pés e enfraquecem a luta geral para melhorar a vida para toda a nossa classe trabalhadora multirracial e povo. Contudo, dispensar todos aqueles que votaram em Trump e nos Republicanos significa desistir da unidade da classe trabalhadora multirracial e da possibilidade daqueles influenciados pelo racismo mudarem. Pior, significa abandona-los para a direita e um potencial movimento fascista de massa. Isso, também, é autodestrutivo.

 

Construir uma maioria antirracista

 

Contudo, o ponto de partida para construir uma maioria antirracista é a ampla coalisão multirracial e os diversos blocos votantes que elegeram Biden e Harris. Enquanto eleitores afro-americanos, latinos, indígenas e asiáticos americanos foram decisivos para a vitória de Biden nos estados de campo de batalha, também houve mudanças entre os eleitores brancos. Os brancos fizeram 53% dos votos de Biden, parte do eleitorado inclusivo e diverso que o impulsionou para a vitória.

 

90% de afro-americanos e povos indígenas, 70% de latinos e asiáticos americanos e 41% de brancos compuseram os blocos votantes que levaram Biden e Harris para a vitória. Aqueles brancos que votaram em Biden e Harris refletem o antirracismo e o abraço de uma democracia multirracial. Muitos têm família, amigos e colegas de trabalho que votaram em Trump.

 

Outro ponto de partida é a crença de que as pessoas podem mudar, e nem todos os apoiadores de Trump estão entrincheirados como supremacistas, xenófobos, homofóbicos e misóginos. Enquanto uma ou mais dessas toxinas pode influenciar muitos brancos, elas também refletem ansiedade sobre mudanças demográficas, os avanços em igualdade, e desenvolvimentos econômicos transformativos, toda a insegurança fervente que os republicanos estão explorando.

 

Como a maioria das coisas na vida, as pessoas são de múltiplas mentes sobre raças, racismo e discriminação. Os eventos da vida, desenvolvimentos políticos mais amplos, movimentos e novas informações podem impactar o pensamento. Os protestos do “Black Lives Matter”, as marchas lideradas por mulheres contra a misoginia, as ações dos “Dreamers” para sair das sombras, ou dos da comunidade LGTBQ para sair do armário paras suas famílias tiveram todos profundos impactos em como as pessoas pensam.

 

Os desafios são muitos, incluindo:

 

Primeiro, explorar a indignação moral contra o racismo. Mas, aqueles brancos que agem apenas com base na moralidade não são suficientes.

 

Segundo, aumentar a consciência sobre o impacto do racismo sistêmico e da desigualdade e seu pedágio em pessoas de cor e na sociedade. Muitos brancos compram a narrativa da direita de que o racismo é uma coisa do passado ou uma desculpa de suas vítimas. O reconhecimento de sua existência é o primeiro passo em superar sua influência perniciosa.

 

Terceiro, convencer trabalhadores brancos de que enquanto os afro-americanos e outras pessoas de cor forem alvos do racismo, isso também os prejudica, e eles têm um interesse direto na luta por justiça social. O racismo opõe trabalhador contra trabalhador e enfraquece a classe trabalhadora multirracial e a habilidade do povo de lutar por suas necessidades coletivas. A qualidade de vida erode para todos, apenas enriquecendo a classe capitalista e mantendo o poder político para os Republicanos.

 

E mais, demonstrar a intersecção de justiça racial, de gênero e econômica; que os interesses das pessoas brancas em geral, e homens brancos, em particular, estão alinhados com os das pessoas de cor, mulheres, imigrantes e a comunidade LGTBQ. Seu futuro e o futuro de suas famílias sobem ou descem com a diversidade e a classe multirracial e o povo como um todo.

 

O desafio diante do movimento democrático trabalhista e do povo clama por ajustar as táticas para servirem no novo terreno político, construindo as estruturas de engajar, influenciar e mobilizar a classe trabalhadora multirracial e os movimentos do povo para um futuro compartilhado, nas ruas, online e nas urnas.

 

John Bachtell é presidente da “Long View Publishing Co.”, editora da “People’s World”. Ele foi presidente nacional do Partido Comunista dos EUA, de 2014 a 2019. 

 

O texto é o segundo em uma série de três partes explorando os desafios encarando a coalisão democrática de trabalhadores multirraciais que foi instrumental em expulsar Trump. A parte um apareceu previamente na “People’s World”.

 

Fonte: People´s World

 

Tradução: Luciana Cristina Ruy