Desemprego na família e sufoco para pagar contas fazem parte da nova rotina
Com dois meses e meio de vigência, a MP 936, que suspende contratos e corta jornadas e salários, já atingiu quase 11 milhões de trabalhadores no país, segundo dados do Ministério da Economia.
Para o governo, a medida é uma forma de preservar empregos, já que os patrões se comprometem a não demitir seus funcionários por um período. Mas, para trabalhadores, o corte do salário ou a suspensão de contrato de forma inesperada em meio a uma pandemia transformou suas vidas financeiras de um dia para o outro.
A reportagem do Agora alterou os nomes para contar as histórias desses profissionais, que preferiram não se identificar.
Para muitos, a nova renda reduzida passou a ser a segurança da família, diante de demissões e da brusca queda de ganhos de quem vive na informalidade.
Foi o que aconteceu com Diana, 36 anos, professora de um colégio particular. Com o corte de 70% no salário, ela ainda teve que lidar com o desemprego do marido.
“Tivemos que mudar toda a nossa vida familiar. Reestruturamos tudo e pedimos descontos em todas as contas. Tiramos nossas filhas da escola particular e enxugamos os gastos. Foi um abalo muito grande, totalmente inesperado", relata.
"Sem o salário do meu marido, contamos com a complementação do BEm [Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda], mas ele tem um calendário próprio e não cai no dia em que minhas contas vencem, como acontece com meu salário. Estamos equilibrando pratos e contando cada centavo, o que é difícil quando se tem duas crianças em casa”, afirma a professora, que está trabalhando com jornada reduzida e dando aulas de casa, em regime de home office.
Maurício, 43, auxiliar de serviços de uma construtora, teve redução de 25% no salário e se transformou no único com renda garantida em sua casa: todos os outros familiares são autônomos e não estão conseguindo ter ganhos durante a pandemia.
“Está tudo bem apertado mesmo. Estou fazendo de tudo para não ter que pegar um dinheiro emprestado com o banco. Continuo trabalhando nas obras e, mesmo com a jornada reduzida, tenho medo de andar pelas ruas e ficar doente", diz.
"A falta de dinheiro pesa muito, principalmente no emocional. Sou a única pessoa com dinheiro mensal certo, mesmo que reduzido, em casa. Vejo meus familiares tentando de tudo para fazer uma grana, mas se está difícil para gente com CLT, imagina para quem não tem. Todos estamos abalados e tristes. Só me resta esperar os 90 dias da redução e, depois, segurar esse emprego”, relata o auxiliar de serviços.
Contrato suspenso
Já Carlos, 40, trabalhava como terceirizado em uma montadora e teve o contrato suspenso por dois meses. Na volta ao trabalho, foi mandado embora, mesmo com a garantia de estabilidade provisória prevista na MP.
“Fique dois meses recebendo quase nada e aguardando voltar ao trabalho para ter rotina financeira normal, quando foi surpreendido com a demissão. Como a MP garantia estabilidade e isso não foi cumprido, entrei com uma ação trabalhista, espero conseguir retornar ao meu trabalho", afirma.
"Com a suspensão, já estava complicado financeiramente aqui em casa, agora, ficou pior. Eu era o único assalariado. Não sei como vamos fazer para nos mantermos e pagar as contas, ficar desempregado neste momento é aterrorizante. Estou tentando fazer alguns bicos, mas espero que a Justiça me devolva o meu trabalho. Era o meu ganha-pão, mas também era algo que eu fazia com gosto", conta Carlos.
Pedro, 50, também teve o contrato suspenso. Ele, que trabalha em uma construtora civil, aguarda que, daqui 30 dias, seja reintegrado à empresa.
"A gente conta com o nosso salário, aquele que ficamos sabendo que vamos ganhar ao sermos contratados e fazemos nossa vida em cima disso. Por isso, foi inesperado e terrível ter que revisar todas as contas de casa quando tive o contrato suspenso. Consegui alguns descontos quando provei que estou dentro da MP, mas, mesmo assim, a conta não fecha", diz ele.
"Espero que a empresa garanta mesmo a estabilidade e que, depois disso, as coisas já estejam melhores. Não quero deixar minha família na mão. Na minha idade, já fica mais complicado conseguir um emprego que sustente mesmo a gente", afirma ele.
Prorrogação da medida foi aprovada
Os senadores aprovaram na terça-feira (16) texto enviado ao Congresso pelo Ministério da Economia que permite que o governo prorrogue a MP 936 até o fim do ano, enquanto durar a vigência do estado de calamidade pública causado pela pandemia do novo coronavírus.
A proposta prevê que o prazo máximo para a suspensão integral de contratos seja ampliado dos atuais dois meses para quatro meses. Já a redução proporcional de salário e jornada passaria de três meses para até quatro meses.
Pela proposta, seria possível combinar períodos de suspensão do contrato com redução de jornada. Agora o texto foi encaminhado para sanção do presidente da República Jair Bolsonaro.
A vendedora Mariana, 30, acredita que, se o projeto for sancionado, sua empresa ira aderir na hora. Ela sofreu um corte de 50% no salário e, além disso, a loja em que trabalha cortou o pagamento das comissões das vendas feitas por ela.
Mesmo recebendo uma parte seu salário de volta por meio do BEm, ela teve que pedir ajuda para a mãe aposentada na hora de pagar as contas mensais de sua casa.
“Na ponta do lápis, com a redução e o fim das comissões, tive um corte de 75% no meu salário, algo desesperador. Infelizmente, tive que pedir ajuda financeira da minha mãe ou não conseguiria pagar tudo. Meu horário de trabalho foi reduzido, mas continuo sendo cobrada como antes", conta ela.
"Tenho um filho pequeno e morro de medo de me locomover até a loja em que trabalho, mas não tem outro jeito. É isso ou ficar sem emprego, por seis meses estou garantida na vaga, espero que depois também. Tenho certeza que eles ampliariam a redução dos salários por mais quantos meses se fosse permitido. Para os patrões essa MP está sendo ótima, mas para nós, trabalhadores, um desafio muito dolorido", completa.
Garantia de emprego
A medida criada durante a crise econômica provocada pelo coronavírus autoriza, via acordos coletivos ou individuais, que empregadores reduzam jornada de trabalho e salário por até 90 dias ou suspendam contratos de trabalho por até 60 dias.
Em contrapartida, os trabalhadores impactados recebem uma renda do governo, o BEm. Também há garantia de estabilidade durante o período da redução ou de suspensão e, após ele, por período equivalente. Se demitir, a empresa deve pagar indenização ao trabalhador.
Fonte: Agora SP