Famílias sem terra do Paraná dão exemplos de cooperativismo, produção orgânica e solidariedade em meio à pandemia
Enquanto o agronegócio avança e busca hegemonizar a economia rural no Brasil, é a produção agroecológica nos assentamentos e acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que vem alimentando a população mais vulnerável.
Neste período de pandemia, a solidariedade acompanha a rotina e a vida das comunidades camponesas, mesmo ela sempre ter sido sempre um princípio da luta do MST. Em todo o país, as famílias sem-terra chegaram a mais de 2,3 mil toneladas de alimentos doados.
Deste total, 237 toneladas vieram de ações solidárias realizadas no Paraná – a última delas, ocorreu no sábado (27), para famílias que vivem nas periferias de Maringá e Sarandina, na região noroeste. A quantidade expressiva de produtos doados no estado sulista vem do cultivo realizado em 70 acampamentos e 369 assentamentos da Reforma Agrária Popular.
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No acampamento Emiliano Zapata, em Ponta Grossa, as famílias sem-terra se fortaleceram a partir da criação da Cooperativa Camponesa de Produção Agroecológica da Economia Solidária (Cooperas), em 2011. Hoje, elas se preparam para ganhar ainda mais estrutura, já que caminham para serem assentadas.
“Com satisfação que nós estamos ajudando o povo da cidade a comer, e comida saudável, sem um veneno, sem nada. Às vezes vai uma verdurinha com os bichinhos, mas entre um bichinho e um veneno, aquele bichinho defende o meio ambiente, por isso que ele está ali”, conta a agricultora Helena Jula Taques, que integra a comunidade desde a ocupação da área, há 17 anos.
Assim como Taques, as outras famílias que vivem no espaço também compartilham uma horta coletiva para comercializar na Feira Verde de Ponta Grossa e para a distribuição em outros pontos de venda no município. A produção, agroecológica e diversificada, também é voltada para o auto-sustento.
Estamos ajudando o povo da cidade a comer, e comida saudável, sem um veneno, sem nada.
Cooperativismo para fortalecer a agricultura familiar
“A gente sempre defendeu a alimentação saudável como um dos princípios básicos. Entendemos que todo esse pacote convencional é a destruição do planeta, que vem cada dia aumentando, o desequilíbrio, a falta de chuvas. A agroecologia é uma alternativa para a gente fazer enfrentamento a esse modelo. Nós já somos a prova de que é possível viver de outras maneiras”, afirma Marcelo Ishimaru, um dos dirigentes da cooperativa criada no local.
Foi a partir da criação da Cooperas, em 2011, que as famílias do Zapata passaram a entregar alimentos para escolas da região, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e também a participar do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Ishimaru relata que a manutenção de programas institucionais são fundamentais para a sobrevivência da agricultura familiar.
Nós já somos a prova de que é possível viver de outras maneiras
“Esses programas eles têm sido uma ferramenta importantíssima para que a gente resista no campo, e para que a gente tenha uma função social. Porque ainda não conseguimos ter um aprendizado para lidar com outros mercados. A agricultura familiar não tem capital de giro sobrando para se manter. O mercado institucional dá a garantia”, revela a liderança do pré-assentamento.
Durante a crise econômica imposta pelo novo coronavírus, os programas institucionais voltados a compra de alimentos da agricultura familiar vem passando por desmontes no governo de Jair Bolsonaro.
Já no acampamento Maria Rosa do Contestado, no município de Castro, a 170km de Curitiba, a opção pela agroecologia acompanha a rotina da comunidade desde sua criação, em 2015. Atualmente, a produção é 100% orgânica, com selo de certificação pela Rede Ecovida, e feita a partir de uma variedade de 57 tipos de sementes crioulas.
"Aqui é rodeado de fazenda do agronegócio, e a gente aqui no meio deles está produzindo de forma alternativa, uma pesquisa bem mais barata, e em parceria com o meio ambiente", revela Célio Meira, um dos coordenadores do acampamento.
No local, as 150 famílias transformaram uma área pública da União, usada ilegalmente para testes de fertilizantes e insumos pela Fundação ABC – instituição privada ligada a cooperativas do agronegócio –, em lugar de moradia e cultivo sem veneno.
A comunidade também está integrada a projetos da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Por meio do Laboratório de Mecanização Agrícola da UEPG (Lama), as famílias recebem formação e capacitação técnica em produção agroecológica desde o início da ocupação.
"Da mesma maneira que a gente luta pela terra, que a gente quer conquistar, a gente poder ajudar os companheiros que estão passando por dificuldades, isso é muito gratificante. Você pegar e dividir o que produz aqui, e um produto orgânico, né", conta José Luiz Schmidt, que cultiva mandioca, abóbora, batata doce, milho, arroz, amendoim e hortaliças em sua área.
As doações às famílias em situação de vulnerabilidade no Paraná começaram no início de abril a partir do Maria Rosa do Contestado e de outro acampamento do MST situado em Castro, o Padre Roque Zimmerman. Na época, os produtos foram destinados aos Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) do município.
Garanto que a reforma agrária resolveria boa parte dos problemas sociais desse país.
“A gente que deu o pontapé inicial, e o estado todo achou importante, deu uma visibilidade. Assim todas as regiões do Paraná se motivaram a estarem fazendo essas doações", conta Celío Meira, que também é da direção estadual do MST no Paraná.
O Maria Rosa, mesmo com sua importância, é um dos 25 que enfrentam o risco do despejo no estado. Em 2019, o governo de Ratinho Júnior autorizou nove reintegrações de posse. Pelo menos 7 mil famílias vivem em acampamentos do MST no Paraná, e outras 24 mil são assentadas.
“Quando se cria um assentamento, a sociedade urbana é beneficiada, ganha com isso. Eu reafirmo, garanto que a reforma agrária resolveria boa parte dos problemas sociais desse país, a fome, o desemprego, a moradia, a educação”, finaliza Meira.
Fonte: Brasil de Fato