Se algo está fora do equilíbrio, somos tachados de fracos. A cobrança é externa, mas também interna.
Não raro nos deparamos com pensamentos depreciativos e sabotadores — e eles não dão trégua nem quando parece estar tudo bem. Os jovens não são os únicos vulneráveis à ansiedade, mas somos cada vez mais atingidos em cheio por essa ruminação mental.
Lembro com clareza de uma cena que vivi quando ainda estava no Ensino Médio. Fui prestar a prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e me cobrava para ter um desempenho exemplar. Mas a realidade me quebrou por completo quando entendi que não estava preparado, apesar do meu esforço.
Tenho deficiência visual e precisei do apoio de uma pessoa para ler as perguntas e preencher o gabarito da prova. Pela minha falta de experiência, não consegui finalizar o caderno de questões e me senti o maior fracassado.
Afinal, as perguntas eram de múltipla-escolha e era inconcebível, para mim, que um ser humano não conseguisse nem ao menos chutar as respostas antes de que o tempo chegasse ao limite.
O Enem passou e hoje eu sou jornalista. Mas a sensação de fracasso que senti naquele dia é uma espécie de lembrete para mim mesmo: o sentimento de impotência frente a determinadas situações pode surgir a qualquer instante.
O que a sociedade nos cobra é que sejamos perfeitos. Tenhamos sucesso. E, em boa medida, todos nós colaboramos para enraizar ainda mais essa crença do “força, foco e fé”.
Em contrapartida, vivemos a era dos limites, do burnout, da depressão. Não precisamos ir muito longe no diagnóstico, contudo. Sabe aqueles momentos em que tudo parece estar sob controle, mas surgem os pensamentos como: “Eu não vou conseguir”, “Eu sou uma farsa”, “Não tenho competência para isso”, “Será mesmo que eu mereço isso?”.
Isso tem nome: É a síndrome do impostor.
“A síndrome em questão ocorre com pessoas que desempenham suas atividades normalmente, possuem o reconhecimento de outras pessoas e, mesmo assim, duvidam do mérito de suas ações. Por isso, constantemente, se questionam: como as coisas estão dando certo? Por que isso está acontecendo comigo?”, me explicou Sabrina Ferrer, psicóloga-chefe da plataforma FalaFreud, app de aconselhamento psicológico.
A luta por padrões inalcançáveis
A nossa angústia pode estar muito relacionada com o desejo de atingir um sucesso que, muitas vezes, não é real, mas idealizado.
Naim Akel, professor do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), explica que, com as redes sociais, estamos sempre em contato com a face mais glamourosa e bem-sucedida das pessoas. E isso tem induzido a gente a tentar seguir padrões difíceis de serem alcançados.
“Não está fácil se sentir confiante e realizado nesta sociedade supercompetitiva do TER (sempre tem alguém que tem mais) e do APARENTAR (sempre os outros aparentam ter mais) em detrimento do SER”, comparou o professor.
Não à toa estamos lidando cada vez mas com problemas de saúde mental. De acordo com o professor, vivemos uma era da perfeição inatingível e, com isso, desaprendemos a lidar com a frustração.
Mas como reconhecer se esses pensamentos sabotadores, associados a uma sensação de deslocamento, vão além do que somos capazes de elaborar e é hora de buscar ajuda profissional?
“As preocupações podem ser naturais quando se referem a coisas corriqueiras, do dia a dia. Tornam-se um problema de saúde mental quando há excessos: de ansiedade, de medo, de tristeza. Quando, principalmente, há muita instabilidade emocional”, esclareceu a psicóloga Sabrina Ferrer.
As redes sociais mostram que os verbos predominantes entre os que se seguem são "ter" e "aparentar".
As redes sociais mostram que os verbos predominantes entre os que se seguem são "ter" e "aparentar".
Equilíbrio emocional perfeito não existe
Se precisamos desconstruir a ilusão de padrões inalcançáveis em nossos corpos, em nossa conta bancária e até em nosso currículo, também precisamos fazer o mesmo com o desejo de se ter um completo equilíbrio emocional.
“Está tudo bem se não estiver tudo bem.”
“Esperar do jovem um domínio completo de estratégias de enfrentamento e controle emocional é desconhecer as características desta fase da vida. Ele está em um momento de muitas dúvidas e inquietações; de construção de sua identidade e busca de autonomia em que o tal equilíbrio não é predominante”, tranquiliza o professor Naim Akel.
Há, no entanto, algumas práticas e atitudes capazes de mitigar as cobranças sociais e os pensamentos sabotadores. Os psicólogos são unânimes em dizer que a chave para essas questões é o autoconhecimento.
“Conhecer-se profundamente, não sendo, portanto, influenciável pelos outros e estabelecer relações cooperativas com quem nos cerca, afastando-se daqueles com quem mantemos competição, é o segredo de viver bem”, diz Akel.
Ferrer concorda com o professor. “Tudo começa no nosso cérebro. E aí, o que fazemos? Externalizamos isso por meio de palavras e atitudes. Então, precisamos aprender a nos conhecer e a frequentar uma terapia para nos ajudar nesse processo”, completa a psicóloga.
A tarefa de casa, então, é identificar nossos padrões de autossabotagem. Ou seja, identificar aqueles mecanismos negativos que a gente desenvolve ao longo da vida e que vêm para nos boicotar, impedindo a nossa evolução.
Para isso, é preciso fazer um mergulho profundo em nossos pensamentos, mas de forma positiva, a fim de reparar melhor naquilo que sentimos.
Ao identificarmos esses mecanismos, precisamos nos livrar dos gatilhos dos pensamentos ruins, dos relacionamentos tóxicos e manter os que nos fazem avançar, ir para frente e melhorar como seres humanos — para o mundo e para nós mesmos.
Fonte: huffpostbrasil