Pré-candidato a prefeito, Orlando Silva quer usar luta racial para dialogar com periferia e se diferenciar de adversários

 

O deputado federal Orlando Silva será o primeiro candidato na história do PCdoB à Prefeitura de São Paulo. Para ele, emprego é, atualmente, a principal reivindicação da população paulistana. “Vou apresentar um programa emergencial para a geração de vagas nos próximos dois anos”, diz Orlando, em entrevista à Folha de S.Paulo, publicada nesta quarta-feira (12).

Ex-ministro do Esporte (2006-2011) e ex-vereador na capital paulista (2003-2005), o pré-candidato comunista a prefeito diz admitir a adoção de incentivos financeiros para enfrentar o desemprego. “A cidade terá que renegociar os grandes contratos para garantir um espaço fiscal e dar fôlego aos pequenos comerciantes e às pequenas empresas.”

Confira os principais trechos da entrevista.

Folha de S.Paulo: Pretende fazer uma campanha voltada a questões locais ou mais nacionalizada, com ênfase na oposição ao presidente Jair Bolsonaro?

Orlando Silva: São Paulo é uma cidade-estado, o maior colégio eleitoral do País, o que faz com que o interesse nacional repercuta sobre a vida do município, e vice-versa. Isso dá dimensão nacional à disputa, mas há que se fazer um enfrentamento levando em conta a realidade local.

Folha: E o que a realidade local apresenta?

Orlando: Decidi que meu partido deveria ter candidato no segundo turno da eleição de 2018, quando vi Mano Brown falar que, se [um partido] deixou de entender o povão, já era. Se não falar a língua do povo, vai perder de novo. Ali passei a refletir: Temos que aprender com o povo. A esquerda precisa ser mais humilde. Perceber que derrotas, quando nós as sofremos, deixam lições. É preciso se reconectar com o povão.

Folha: Como se reconectar?

Orlando: Desde 2016 se fala que a sociedade está polarizada, mas a impressão que tenho é que é mais militante de um lado e do outro, enquanto o povão mesmo fica olhando o cenário. Daí a necessidade de estruturar um projeto político popular renovador para a cidade de São Paulo.

Folha: O sr. vai dialogar com os eleitores de Bolsonaro e buscar os votos deles?

Orlando: As pesquisas mostram que bolsonaristas são 15%, no máximo 20% do eleitorado. Mas tem gente que ainda observa Bolsonaro com simpatia porque não vê alternativas e, ao mesmo tempo, não quer voltar ao passado. A esquerda tem que pisar no barro, ouvir o povo, reelaborar programa e, com muita humildade, trilhar um caminho novo. Temos que voltar a fazer trabalho de base, preocupar menos com lacração na internet e mais com a organização do povo. Comunidades religiosas pentecostais e neopentecostais, com grande penetração na periferia, têm a ver com respostas a problemas. Em vez de atacá-las, deveríamos aprender com elas e resgatar o que foram marcas dos movimentos progressistas, como mutirões, iniciativas populares de saúde e de creche.

Folha: Essa será a proposta da sua campanha?

Orlando: Falo em tirar energia e criatividade da periferia porque é de onde eu vim. Precisamos olhar para ela como o lugar da potência, não da carência. Nasci num bairro periférico de Salvador, estudei em escola pública, usei unidade básica de saúde. Quero levar para a campanha a indignação de quem conhece os problemas do povo de viver, não de ouvir dizer.

Folha: Como essas pautas podem se converter também em apoio da classe média, da elite?

Orlando: Em estratos médios e mesmo nos altos, quem tem capacidade crítica se comove com o drama da realidade na periferia e se mobiliza para apoiar um projeto que coloque foco em ajudar primeiro quem mais precisa.

Folha: É um discurso próximo do de Jilmar Tatto (PT) e Guilherme Boulos (PSOL), ambos do campo da esquerda.

Orlando: O Tatto e o Boulos são amigos [meus]. Pode haver identidades porque compomos o mesmo campo. Mas uma liderança política negra enfrentar o racismo estrutural é diferente de uma que ouve dizer o que é o racismo.

Folha: Como pretende se diferenciar dos dois?

Orlando: Vou, com a minha experiência de vida e pessoal, valorizar a minha condição de negro e debater a representatividade na política. Não serão os brancos que vão romper com o racismo estrutural.

Folha: Que medidas efetivas um prefeito pode adotar para combater o racismo no âmbito municipal?

Orlando: Temos que fazer cumprir plenamente as leis que obrigam o ensino nas escolas da história da África e da cultura afro-brasileira. A prefeitura também pode liderar movimentos que coloquem mais peso em políticas públicas, com o cumprimento da política de cotas na administração, e em mobilização do setor privado, engajando empresas para gerar oportunidades para a população negra.

Folha: Qual é a maior demanda do paulistano, principalmente pós-pandemia?

Orlando: Emprego. Vou apresentar um programa emergencial para a geração de vagas nos próximos dois anos. A cidade terá que renegociar os grandes contratos para garantir um espaço fiscal e dar fôlego aos pequenos comerciantes e às pequenas empresas.

Folha: Com isenção de impostos?

Orlando: A cidade pode suspender a cobrança de determinados tributos durante um período. E aí vem a pergunta: mas como vamos pagar a conta? Você negocia uma moratória nos grandes contratos e abre um espaço fiscal para dar suporte aos micro e pequenos empresários. Um momento excepcional pede medidas excepcionais.

Folha: Nesses grandes contratos, o sr. inclui os de transporte público, que demandam subsídio da prefeitura?

Orlando: A meu ver, o subsídio é uma caixa-preta. É necessário auditar. Não dá para manter no nível de hoje. O tema da mobilidade é um dos que exigem aliança de São Paulo com outros entes da Federação, para ampliar o transporte de alta capacidade, com expansão das malhas metroviária e ferroviária. E inclusive envolver captações internacionais. Deveríamos abrir diálogo com a China, um país que tem feito muitos investimentos em infraestrutura.

Folha: Como avalia o governo de Bruno Covas (PSDB), pré-candidato que hoje lidera as pesquisas?

Orlando: A gestão João Doria/Bruno Covas passará à história como uma gestão nula para a cidade de São Paulo. Quantas políticas inovadoras foram feitas? Nenhuma. Que iniciativa estruturante para o futuro foi feita? Nenhuma.A gestão da Covid-19 foi marcada por vacilações, com repercussão na vida das pessoas: o rodízio, que jogou grande parte dos trabalhadores no transporte público, a falta de descentralização dos hospitais de campanha e os sinais contraditórios no debate sobre a volta às aulas.

Folha: O sr. vai se licenciar para fazer a campanha?

Orlando: Não. O exercício do meu mandato também é parte da estratégia de campanha, com medidas prioritárias como o auxílio emergencial, a medida provisória para manter os empregos e a regulação do combate às fake news. Durante a campanha, vou falar do que fiz na crise da Covid-19.

Folha: Como será fazer campanha por um partido que tem no nome o comunismo, demonizado por Bolsonaro e a direita?

Orlando: Olha, pelo Bolsonaro, 80% do Brasil é formado por comunista. A minha perspectiva sempre foi a de construir uma sociedade justa, com igualdade de oportunidades e comunhão. Um governo comunista é como o do Maranhão, que o Flávio Dino faz. Quero governar São Paulo inspirado em Flávio Dino.

Folha: O sr. também cita a China, outro “bicho-papão”.

Orlando: A China, que é um país onde estive três vezes, é uma experiência comunista, com muito desenvolvimento, e que pode ser um local de muitas parcerias para a nossa gestão.

Folha: Existe chance de retirada da sua candidatura?

Orlando: Nenhuma.

Folha: A inédita ausência do PT em uma campanha do PCdoB na capital enfraquece ou fortalece seu nome?

Orlando: Apresentar um projeto para a cidade é o nosso desafio. Tenho muitos amigos no Partido dos Trabalhadores, o Lula foi um extraordinário presidente, mas nós temos que olhar para a frente.

Folha: O que motivou a cisão?

Orlando: Nós, do PCdoB, entendemos que é necessário estruturar um projeto político para a cidade de São Paulo que não será feito à sombra do PT e que precisa de um líder. Foi-se o tempo em que São Paulo melhor seria governada por um gerente. Aliás, tem gente que se agarrou a esse conceito de ser gerente e teve um péssimo resultado, inclusive eleitoral [referindo-se a João Doria, do PSDB].

Folha: O PCdoB terá baixo tempo de TV e poucos recursos do fundo eleitoral. Como driblar isso?

Orlando: Vamos fazer o que estiver ao nosso alcance. Vou apostar muito nos debates na TV, na militância e na força das ideias para atrair o voto progressista e ocupar um espaço. Quem sabe nós não chegamos ao segundo turno?

 

Fonte? Folha de SP