Em meio a cancelamentos de obras culturais que teriam apoio do governo federal, incluindo espetáculos, seminário e festival de cinema em unidades da Caixa Cultural e do CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), o presidente Jair Bolsonaro negou que as medidas sejam um tipo de censura.
“A gente não vai perseguir ninguém, mas o Brasil mudou. Com dinheiro público não veremos mais certo tipo de obra por aí. Isso não é censura, isso é preservar os valores cristãos, é tratar com respeito a nossa juventude, reconhecer a família”, disse neste sábado (5) ao participar, por videoconferência, de um simpósio conservador realizado em Ribeirão Preto. A transmissão foi feita do Palácio da Alvorada, em Brasília.
Sem detalhar, o presidente também voltou a prometer mudanças na área cultura, citando a Funarte (Fundação Nacional de Artes) a Ancine ( Agência Nacional do Cinema).
Em agosto, o governo suspendeu edital da Ancine envolvendo séries com temáticas de “diversidade de gênero” e “sexualidade”. “Fomos garimpar na Ancine filmes que estavam prontos para captar recursos no mercado. E outra, provavelmente esses filmes não têm audiência, não têm plateia, tem meia dúzia ali, mas o dinheiro é gasto”, disse. Na época, o presidente também negou que a ação fosse censura.
O episódio levou à demissão de Henrique Pires, então secretário especial de Cultura do Ministério da Cidadania. “Eu não vou fazer apologia a filtros culturais”, disse, na época. “Para mim, isso tem nome: é censura. Se eu estiver nesse cargo e me calar, vou consentir com a censura. Não vou bater palma para este tipo de coisa. Eu estou desempregado. Para ficar e bater palma pra censura, eu prefiro cair fora”, completou.
Reportagem da Folha de S. Paulo publicada nesta semana, por sua vez, revelou que a Caixa Econômica Federal criou um sistema de censura prévia a projetos culturais realizados em seus espaços. Neste ano passou a ser exigido que constem nos relatórios internos detalhes do posicionamento político dos artistas, o comportamento deles nas redes sociais e pontos que poderiam ser considero polêmicos sobre as obras.
O documento recomenda a descrição de “possíveis riscos de atuação contra as regras dos espaços culturais, manifestações contra a Caixa e contra governo e quaisquer outros pontos que podem impactar”.
Os relatórios são analisados pela superintendência da empresa em Brasília e pela Secretaria de Comunicação (Secom) do Governo Federal, segundo relatos de funcionários da Caixa à Folha. Ainda de acordo com a reportagem também há, de forma mais explicita, restrições a imagens ou cenas de nudez e que já foi dito explicitamente que pautas LGBT e sobre a ditadura militar devem ser evitadas.
Ao menos três espetáculos teatrais foram suspensos pela Caixa, além de uma série de palestras e uma mostra de cinema. Todos eventos cancelados abordavam questões e imagens sobre sexualidade ou sobre democracias e sistemas autoritários.
A peça “Caranguejo overdrive”, do grupo Aquela Cia de Teatro também foi excluída de evento no CCBB do Rio de Janeiro após ser considerada “imprópria”. “ É uma peça consagrada, que já passou por quase todos os estados do Brasil e pelo exterior. O texto traz uma contestação política, mas não é nada direcionado. Em cinco anos nunca passamos por esse tipo de problema”, disse Pedro Kosovski, fundador do grupo, ao Globo.
De acordo com o jornal, o Tribunal de Contas da União (TCU) irá apurar tanto os fatos ligados à Caixa quanto ao CCBB. “A se confirmar essas informações (...) configura-se uma situação de, a meu ver, extrema gravidade, visto que podem resvalar para uma situação de censura cultural flagrantemente inconstitucional, com potencial de se fazer incidir sobre essa conduta irregular as sanções cabíveis no âmbito do controle externo”, escreveu o subprocurador-geral do TCU, Lucas Furtado.
Em resposta, a Caixa afirmou, em nota, que “para a definição dos projetos foram considerados aspectos técnicos quanto à qualidade, contrapartidas oferecidas ao patrocínio e características como inclusão social, desenvolvimento humano, valores nacionais, democratização, pluralidade, inovação e interatividade”. De acordo com a estatal, as ações foram executadas “no estrito rigor da lei e das normas da empresa”.