Bolsonaro cortou 93% do orçamento da Secretaria de Juventude e acabou com políticas públicas
Levantamento mostra que, no ano passado, apenas 2% da verba destinada aos jovens brasileiros foi utilizada pelo governo
O orçamento da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) chegou ao menor patamar da história no último ano do mandato do presidente Jair Bolsonaro (PL). Em 2022, a verba destinada ao órgão do governo federal responsável por articular as políticas públicas de juventude no país, caiu 93,5% em relação à média dos anos anteriores.
Um levantamento obtido pelo Brasil de Fato por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), com base em dados do Sistema Tesouro Gerencial, de 2013 a 2022, aponta que o valor empenhado neste ano para a SNJ é de R$ 1,5 milhão. No governo da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), em média, foi de R$ 27 milhões.
Os números apontam que, em termos de execução orçamentária, o cenário é ainda mais devastador. Em 2019, 27% do orçamento dedicado à SNJ foi utilizado. Em 2020, o valor efetivamente gasto foi de apenas 0,5% do previsto orçamento anual. No ano passado, apenas 2% da verba foi usada pelo órgão.
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Juventude “some” do PPA
Em conversa com o Brasil de Fato, a socióloga e especialista em políticas para a juventude, Helena Wendel Abramo, lembrou que a juventude não aparece mais no Plano Plurianual (PPA) do governo federal, instrumento de planejamento de médio prazo, previsto no artigo 165 da Constituição Federal.
“O importante não é pensar apenas no orçamento, mas também o PPA. Em 2011, conseguimos a inclusão de um programa específico para a juventude. No de 2016, ainda existiam recursos e programas. Nesse último período, não há programas orçamentários específicos de juventude no PPA”, diz Abramo.
“A juventude perde importância estratégica no PPA. Desde o golpe [contra a ex-presidenta Dilma Rousseff], há uma quebra, uma mudança de orientação. No governo Bolsonaro, o orçamento afunda e o governo faz um redirecionamento”, questiona, citando o Relatório de Evidências Sobre as Políticas Federais de Juventude no Brasil, publicado pelo Conselho Nacional de Juventude (Conjuve).
O documento lista conclusões ao analisar o orçamento federal para as políticas públicas de juventude. Entre elas, estão “a percepção de que a área de política de juventude vem perdendo espaço estratégico e orçamentário no governo” e que há um “abandono dos avanços construídos ao longo dos anos 2000 em termos de institucionalização e execução de uma política voltada aos jovens do Brasil”.
Projovem: queda radical no Orçamento
A antropóloga Regina Novaes, atualmente professora visitante do Programa de Pós-Graduação em Educação e Juventude da UNIRIO, lembrou que a maior queda no orçamento da SNJ foi quando o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem) migrou para o Ministério da Educação, a partir de 2012.
“O Projovem concentrava o maior investimento no momento criação da SNJ e do Conjuve. A SNJ tinha um papel de executora, mas depois essa atribuição vai para ao Ministério da Educacao. Isso é importante porque era um programa feito na perspectiva da juventude, voltado a jovens que não tinham terminado o ensino fundamental”, lembra Regina Novaes, em entrevista ao Brasil de Fato.
“Se você faz um olhar histórico, nos primeiros anos, de 2005 a 2011, o volume de recursos era mais expressivo, por causa do Projovem. Quando o Projovem vai pro MEC, a curva despenca. O Projovem teve importância em várias dimensões. Em primeiro lugar, por ser uma política de educação centrada especificamente na juventude”, explica Novaes.
Desmanche de políticas públicas
A redução orçamentária se refletiu no desmanche de diversas políticas e programas que eram coordenados pela SNJ. Entre eles, estão o Juventude Viva, programa que articulava ações de combate à violência contra a juventude negra, e as Estações Juventude, equipamentos públicos destinados a jovens em territórios vulneráveis.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o ex-secretário nacional de Juventude, Gabriel Medina, disse que “essa análise orçamentária mostra o quanto o governo Bolsonaro coloca a educação e a juventude como uma não-prioridade”. Segundo ele, “é notável que a capacidade da SNJ de articular as políticas transversais e de construir políticas próprias foi completamente desmontada no governo Bolsonaro”.
“Isso vem articulado com o desmonte do investimento em educação, com o corte das verbas das universidades, com a fragilização de políticas sociais importantes, que também atendem a juventude”, declarou Medina, que esteve no comando da secretaria de janeiro de 2015 a março de 2019.
“Não há nenhuma preocupação em constituir equipamentos de juventude, como as Estações Juventude; em articular uma política de segurança pública e de proteção das vidas dos jovens negros, como o Juventude Viva; e de ouvir a juventude brasileira com a conferência nacional, que já era para ter sido realizada”, lamentou.
As Estações Juventude, mencionadas por Medina, ganharam nova roupagem sob Bolsonaro, e são chamadas de Estação Juventude 2.0. A iniciativa, uma das poucas que restou na SNJ, caminha a passos lentos. No quarto ano de gestão, apenas 16 cidades brasileiras contam com o equipamento, de acordo com o site da secretaria.
Conferência Nacional de Juventude: governo fechado à participação
A não-realização da 4ª Conferência Nacional de Juventude é enxergada com preocupação por Medina, já que o processo faz parte de uma das razões de existência da SNJ: a escuta da juventude brasileira. “Certamente, Bolsonaro finalizará o governo sem qualquer processo de consulta pública e de participação popular dos jovens”, concluiu.
Em março de 2020, o governo federal chegou a publicar uma portaria convocando a 4ª Conferência Nacional de Juventude. Com a pandemia, no entanto, a realização foi adiada e, até o momento, não houve reagendamento ou posicionamentos públicos em relação ao processo participativo.
A conferência é um fórum nacional para debater os desafios e construir políticas públicas voltadas para o jovem. Convocada pela SNJ, reúne jovens de todo o país para debater metas e diretrizes que possam potencializar as iniciativas públicas direcionadas à população brasileira que tem entre 15 e 29 anos.
A última edição foi feita em dezembro de 2015, nos últimos meses do governo Dilma Rousseff (PT). A etapa nacional teve a presença de 2 mil delegados, além da própria presidenta, do rapper Emicida, do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, e de outras artistas e lideranças. Desde então, no entanto, o governo se fechou à participação juvenil. As duas primeiras edições ocorreram em 2008 e 2011.
Plano Juventude Viva: fim do combate ao genocídio da juventude negra
O Plano Juventude Viva foi lançado no governo Dilma para reduzir a vulnerabilidade dos jovens em situações de violência física e simbólica. A iniciativa priorizava 142 municípios com os maiores índices de homicídios de jovens, criando oportunidades de inclusão e autonomia, por meio da oferta de serviços públicos nos territórios mais vulneráveis à violência.
A ação buscava também aprimorar a atuação do Estado no enfrentamento ao racismo institucional e na sensibilização dos agentes públicos. Apesar de limitada, tratava-se de uma iniciativa inédita para o enfrentamento à violência no país, feito a partir da promoção de direitos da juventude, em especial, a juventude negra.
O Juventude Viva foi encerrado no governo de Jair Bolsonaro. Mas, antes disso, a SNJ chegou a endossar a barbárie policial. Bruno Júlio, secretário nacional de Juventude na gestão Temer, chegou dizer, após dois massacres policiais em presídios do país, que a polícia “tinha era que matar mais” e que “tinha que fazer uma chacina por semana”. Ele foi demitido do cargo após reações negativas.
SNJ nas mãos de Damares
Criada em 2005 como uma secretaria vinculada à Presidência da República, a SNJ hoje integra a estrutura administrativa do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, chefiado de 2019 até abril deste ano por Damares Alves. A ex-ministra manteve, nos dois primeiros anos de gestão, a advogada Jayanne Nicaretta da Silva como secretária de Juventude.
Do início de 2021 a abril deste ano, quem ocupou o cargo foi a advogada Emilly Rayanne Coelho. O atual secretário é Luiz Franscisção. Todos eles são ligados à Damares Alves.
“As políticas públicas de juventude foram sendo construídas a partir do governo Lula e vinham se fortalecendo, justamente para atender a maior parcela de jovens da história brasileira, que precisam de políticas específicas, que precisam considerar direitos previstos no Estatuto da Juventude que ainda não tinham sido garantidos pelo ECA”, explicou Medina.
“Isso constituiu uma ideia do jovem como um sujeito de direitos para além dos 18 anos e com uma ideia muito mais centrada na autonomia, na emancipação e não na tutela”, apontou o ex-secretário nacional de Juventude, fazendo críticas à visão de Damares sobre a juventude brasileira.
Fonte: Brasil de Fato