Ambientalistas, empresários e governos criticam projeto que pode impulsionar desmatamento e travar acordo Mercosul-UE

 

Cresce uma frente forte de oposição contra o chamado “PL da grilagem”, projeto de lei que facilita a regularização fundiária de terras ocupadas no Brasil, incluindo áreas de florestas que foram ilegalmente desmatadas na região amazônica.

 

A pressão contra o PLS 510/2021 começou com ambientalistas e ganhou a adesão de empresários brasileiros. Nesta semana, grandes redes varejistas da Europa também se pronunciaram contra o projeto, ameaçando, em carta a parlamentares do Brasil, boicotar produtos brasileiros caso ele seja aprovado.

 

Agora, essa pressão chegou ao Parlamento Europeu e coloca em risco o acordo do bloco com o Mercosul.

 

A grilagem de terras é um dos principais motores do desmatamento na Amazônia, já que a derrubada das árvores é usada por invasores para demarcar a posse do terreno. Como essa ocupação geralmente é consolidada através da criação de gado, a imagem do agronegócio brasileira fica implicada em possíveis elos com a grilagem e o desmatamento.

 

A expansão do desmatamento no Brasil durante o governo Jair Bolsonaro (sem partido) tornou o país alvo de pressão na esfera internacional para a adoção de medidas mais rígidas de fiscalização e combate ao problema, em um cenário de crescente preocupação com o meio ambiente liderada pelo novo presidente americano, Joe Biden.

 

Diante da reação negativa, o projeto, que seria votado no Senado no último dia 28, foi retirado de pauta pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

 

Os pontos de maior preocupação de ambientalistas sobre o texto são a mudança do marco temporal das ocupações passíveis de regularização e a possibilidade de regulamentação sem vistoria.

 

“Essa lógica de constante flexibilização do marco temporal e do tamanho dos imóveis a serem titulados acaba por legitimar práticas de grilagem e estimular novas ocupações ilegais, aumentando a pressão sobre as florestas públicas”, afirmou em nota a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que reúne 280 entidades ambientalistas e do agronegócio.

 

Fontes ouvidas pela reportagem entre o empresariado brasileiro afirmam que essas terras devem ser regularizadas, mas temem que isso seja feito durante o governo Bolsonaro, dado o risco de que a gestão aproveite a iniciativa para "passar a boiada".

 

“Se o projeto de lei for aprovado, enviará um sinal à União Europeia de que o Brasil não está comprometido com o combate verdadeiro e efetivo do desmatamento, e isso tornaria impossível para o Parlamento Europeu ratificar o acordo com o Mercosul”, disse à Folha a eurodeputada Anna Cavazzini, vice-presidente da delegação para relações com o Brasil e membra do partido Verde alemão.

 

Para os europeus, o projeto aumenta um alerta que já existia. “Nós já temos várias preocupações sobre os impactos que o acordo comercial poderia ter para o desmatamento, e a aprovação dessa nova legislação exacerba ainda mais nossa preocupação”, afirmou.

 

O acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul está parado no Parlamento Europeu por conta da preocupação de que os incentivos comerciais sem condicionantes ambientais possam acelerar a conversão da floresta amazônica em terras que visem à produção e exportação de commodities.

 

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Mercosul e União Europeia fecham acordo após 19 anos de negociação; entenda

 

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Segundo dados da Trase, iniciativa que rastreia cadeias produtivas, a exposição ao risco de desmatamento da soja importada pela União Europeia foi em média de 1,5 hectare para cada mil toneladas de soja importada do Brasil entre 2009 e 2018.

 

A Comissão Europeia também prepara uma medida para evitar importações associadas a desmatamento e deve apresentar em junho uma proposta legislativa para obrigar empresas importadoras e operadores financeiros a se responsabilizar pelas conexões das suas cadeias com o desmatamento nos países exportadores.

 

“A colocação de commodities com risco de desmatamento no mercado da União Europeia só será possível quando o operador for capaz de demonstrar que os produtos não se originam de terras obtidas por meio da conversão de florestas naturais ou outros ecossistemas submetidos a degradação e que não são vinculados à violação dos direitos humanos”, diz o relatório do Parlamento Europeu sobre a proposta.

 

No Reino Unido também tramita uma legislação semelhante para obrigar as importadoras do país a se responsabilizar pelo rastreamento das cadeias e garantia de origens desvinculadas de desmatamento.

 

Os três maiores bancos privados brasileiros também estudam maneiras de atuar com o crédito na Amazônia sem se vincular à grilagem e ao desmatamento.

 

Santander, Bradesco e Itaú estão investigando conjuntamente estratégias para implantar um sistema informatizado de registro de regularização fundiária, como parte do plano Amazônia, lançado pelos três bancos no ano passado.

 

“A regularização fundiária é um tema complexo e no qual ainda não há uma solução de consenso. É natural e saudável que exista esse debate, pois demonstra o quanto a questão ambiental, em especial na Amazônia, vem recebendo a atenção que merece, no Brasil e no mundo”, afirmou em nota o Itaú.

 

A Folha procurou ouvir as empresas que figuram entre as maiores exportadoras de soja, carne e celulose do Brasil. No entanto, Bunge, ADM, Cargill, JBS, Marfrig, Minerva, Klabin e Suzano responderam que não devem comentar sobre o projeto de lei.

 

A maior parte das empresas citadas, com exceção de Minerva e Bunge, compõe a Coalizão que repudiou o projeto.

 

“A carta dos supermercados [ameaçando boicote a produtos brasileiros] foi despropositada. Com certeza não conhecem como funciona o processo legislativo nacional. Talvez se tivessem nos procurado teriam uma visão mais holística dos processos em andamento”, afirmou à Folha o empresário Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e cofacilitador da Coalizão.

 

Para Brito, o momento das audiências públicas é para negociação do texto e, por isso, “posicionar-se sobre algo que não é definitivo a nosso ver não é contributivo”, afirmou.

 

O PLS 510/2021 passará por audiência pública na Comissão de Meio Ambiente do Senado na próxima segunda-feira (10) e tem recebido emendas, mas ainda não há prazo para um novo relatório.

 

Na Câmara, também tramita um projeto semelhante, de autoria do deputado Zé Silva (SD-MG) e resultante da Medida Provisória 910, que chegou a ser pautada para votação em maio do ano passado, mas foi barrada após forte pressão ambientalista, que na época mobilizou celebridades, gerou manifestações no Twitter e provocou um racha entre os deputados ligados ao agronegócio.

 

ENTENDA O PLS 510, ACUSADO DE PROMOVER GRILAGEM

Projeto altera novamente a data-limite de ocupação de terra pública federal, permitindo a regularização de áreas ocupadas até 2014 (o limite atual é 2011)

Prevê licitação facilitada para obtenção de terras ocupadas a qualquer tempo, inclusive futuramente

Dispensa vistoria para titulação de imóveis de qualquer tamanho (atualmente a dispensa é limitada para imóveis de pequeno porte, até 4 módulos fiscais)

Permite obtenção de título de terras desmatadas ilegalmente até 2014, com exigência de regularização ambiental apenas para casos autuados ou embargados

Permite novo título para quem já obteve e vendeu o imóvel há mais de 15 anos

Permite nova renegociação de inadimplentes para títulos emitidos até 2019 (o prazo atual é 2016)

Amplia os benefícios financeiros para regularização de imóveis de até 2.500 hectares (atualmente eles são restritos a imóveis de pequeno porte)

Amplia a aplicação da regularização por venda a projetos de assentamento que venham a ser desafetados do Programa Nacional de Reforma Agrária (a lei atual só permite a extinção de assentamentos anteriores a 1985)

 

Fonte: Folha de SP