Crise do emprego vai além do meio da década; não há plano nem para atenuar miséria
A taxa de desemprego deve ficar perto de 14% até 2023, dizem os chutes informados dos economistas em geral mais atilados neste tipo de previsão. Em fevereiro, estava em 14,5%. No pior momento antes da epidemia, 2017, esteve em 12,7%, na média do ano —o desemprego voltaria a esse nível já muito horrível apenas em 2025, por aí. A economia do Brasil, o PIB, deve voltar ao mesmo nível médio de renda ou produção de 2019 apenas em algum momento de 2022, afora novos desastres.
Em um país empobrecido e com desemprego alto, é razoável supor que pobreza e miséria devam ficar também em níveis mais altos do que os vistos no já triste e pobre 2019. De onde poderia sair o dinheiro para atenuar a miséria? Não se sabe. Onde estão os planos oficiais de emprego para os mais pobres em especial? Não há.
Antes de continuar a conversa: “taxa de desemprego” é a parcela das pessoas que estão na força de trabalho, disponíveis para trabalhar e que tentam encontrar emprego, mas não conseguem. Força de trabalho é a soma dessas pessoas com aquelas que estão trabalhando, ocupadas. Logo, é possível que o número de pessoas ocupadas aumente e a taxa de desemprego continue a mesma ou até suba.
De qualquer modo, o número de pessoas ocupadas em fevereiro era ainda 7,6 milhões menor que em fevereiro de 2020 (8,1% menor). As contas são dos economistas Maria Lameiras e Marcos Hecksher, do Ipea, que destrincham os dados trimestrais do IBGE em dados mensais. Difícil zerar ao menos esta conta antes de 2023 acabar.
A confusão, a imprevisibilidade e a ruína causadas pela epidemia dificultam ainda mais qualquer prognóstico sobre a quantidade de emprego que pode ser criada. Não sabemos como e quanto as pessoas com algum dinheiro vão gastar em um mundo pós-pandemia, esse futuro abstrato. Não sabemos como será a vida nas cidades, o comércio das ruas, a construção civil, o consumo de serviços: salões de beleza, oficinas, pequenas obras, ambulantes, bares e restaurantes. Disso tudo depende o emprego informal, mundo em que vivem os mais pobres (os miseráveis, nem nesse).
Descontada a transferência do dinheiro do Bolsa Família, o auxílio emergencial deve gastar neste ano uns R$ 36 bilhões em quatro parcelas. O orçamento do Bolsa Família para este ano é de uns R$ 35 bilhões. Com o dinheiro do auxílio, seria, pois, possível dobrar o Bolsa Família.
Não existe lugar para este dinheiro no Orçamento —o auxílio emergencial é pago “por fora”, além do teto de gastos. Pobreza e miséria devem cair um tico com uma eventual retomada econômica, mas o dinheiro do Bolsa Família já era obviamente insuficiente antes da epidemia, no Brasil da depressão que começou em 2014.
Seria possível também pensar programas quaisquer que incentivassem o emprego dos mais pobres. Até agora, o governo “estuda” uma espécie de programa de bolsa-emprego para jovens, uma complementação do salário de estágio que seria pago pela empresa contratante, com o que se gastariam uns R$ 4 bilhões. Melhor do que nada, embora não se possa confiar na competência dessa gente que ora ocupa o governo. Difícil que saia qualquer coisa relevante e impacto antes de este governo acabar oficialmente. O mais é um deserto de planos concretos.
Para manter na mente o tamanho do problema, é preciso guardar estes números: 1) o que será de um país com desemprego de 14% por anos, a perder de vista, e que seria reduzida apenas ao nível do pior do pré-epidemia apenas em 2025?; 2) como arrumar uns R$ 40 bilhões extras por ano para ao menos evitar a fome? É o básico do básico da crise social.
Fonte: Folha de SP