INDÚSTRIA AMERICANA: ASSISTI-VOS!!!
por: Marcísio Moura
Fosse pelas criticas sociais de seus participantes, onde em seus discursos pautaram temas tão caros a nossa sociedade dita “moderna”, ressaltando questões de gênero, raça e até o abate indiscriminado de animais - nas palavras emocionadas de Joaquim Phoenix - a Cerimônia de premiação do Oscar 2020 já teria sido memorável.
Digo, fosse, porque em meio a toda pompa da premiação, que no glamour hollywoodano o ser vale menos do que o ter, o Mundo do Trabalho esteve muito bem representado.
Indústria Americana (American Factory), o grande vencedor da noite na categoria de melhor documentário da premiação, é apresentado numa plataforma de streaming como um conflito cultural, que se apresenta na relação de trabalho entre norte-americanos e chineses.
Mas ao se aventurar nos 110 minutos de duração da película o espectador mais atento reconhece uma crítica à precarização das relações de trabalho, que começa a ser percebido dentro desse dito “conflito cultural”, indo muito mais além.
Afinal, funcionários americanos que trabalham numa empresa chinesa, instalada na cidade de Ohio (EUA), supervisionado por chineses para a produção de vidros automotivos, só poderia dar, no mínimo, num “conflito cultural” realmente.
Mas o conflito se amplia para além da forma do trabalho, perpassando pelos direitos, pelas leis e pelas remunerações praticadas por um bilionário chinês, que se aproveita de uma antiga fábrica abandonada pela General Motors e cria a empresa no local, com a intenção de realizar uma mudança no cenário norte-americano trazendo a "forma" e o “comprometimento” chinês para a linha de produção americana, com funcionários norte-americanos.
Na prática o antagonismo nas ações leva ao conflito das jornadas excessivas, da produção desenfreada, do controle exacerbado do tempo, dentre várias outras formas de controle na produção, intensificando a exploração e levando os trabalhadores e trabalhadoras, inclusive, a exigir a presença do sindicato na empresa, algo tão abominado e criticado tanto pelo CEO, quanto pelos funcionários de alto escalão da Fuyao Glass America.
No domingo de premiação do Oscar a codiretora do documentário vencedor Julia Reichert em seu discurso deixou um recado entusiasmante aos que sobrevivem de sua força de trabalho, "nosso filme é de Ohio, mas também da China, e poderia ser de qualquer lugar onde as pessoas vestem um uniforme e vão trabalhar para trazer uma vida melhor para sua família. Trabalhadores e operários têm uma vida cada vez mais difícil. E nós acreditamos que a vida vai melhorar quando os trabalhadores do mundo se unirem", concluiu no palco da cerimônia.
Fruto de uma parceria entre a Netflix e a produtora Higher Ground, do ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama e sua esposa, Michelle, Indústria Americana rende um documentário bem interessante e desperta alguns pontos que em nosso país estão em ebulição.
Além disso, o convite a contemplá-lo já valeria pelo fato de ter superado outra crítica política em formato cinematográfico, a produção brasileira Democracia em Vertigem, mas a película tem conteúdo e desperta o senso crítico.
Confesso que não havia assistido o documentário até o final do dia da premiação, pois deixei para fazer uma maratona dos principais indicados, e documentários sempre acabam ficando pro final da lista, porém, se ainda fosse hoje não hesitaria em ecoar: "trabalhadores e trabalhadoras de todo o mundo, assisti-vos!!!"
*Marcisio Moura - Diretor de Comunicação e Imprensa UGT-SP e Sintratel-SP