Mobilização ganha força e deve ter adeptos na Argentina, Paraguai e Uruguai
Entregadores de aplicativos organizam uma paralisação nacional para a quarta-feira (1º). A mobilização começa a ganhar forca, até em capitais de outros países da América Latina.
Reunidos em dezenas de grupos de WhatsApp, trabalhadores compartilham depoimentos de entregadores que devem aderir ao movimento na Argentina, no Uruguai e no Paraguai.
Numa onda de insatisfação que reúne queda de remuneração durante a pandemia, pouca ajuda no fornecimento de itens básicos de higiene e bloqueios injustificados por aplicativos, grande parte da força de trabalho do delivery decidiu não entregar comida e outros produtos na quarta.
Pelas redes sociais, também convocam a população para não realizar pedidos. Buscam adesão de clientes com hashtags como #BrequedosApps e #SomosImportantes.
A manifestação não inclui vínculo empregatício na pauta (empresas como Uber, iFood e Rappi não têm relações trabalhistas com os profissionais). O pleito central é a melhora na remuneração, que sofreu baixa mesmo com o aumento da demanda, impulsionada pelo consumo da classe média confinada em casa.
O “breque” conta com lideranças regionais, envolve vários estados, mas não vislumbra um grande protesto nas ruas, já que muitos convivem com pessoas no grupo de risco da Covid-19 em suas casas.
Em São Paulo, um dos pontos de reunião deve ser no Masp, na avenida Paulista.
“Temos mais de dez grupos lotados [cada grupo de WhatsApp pode ter 256 pessoas] para falar sobre a paralisação, mais os grupos nacionais de entregadores, que estão comentando o assunto, que passam de cem”, diz Edgar da Silva, presidente da Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil. Ele diz que a capital paulista tem de 50 mil a 70 mil entregadores.
O ato não agrega só motoristas de apps. O SindimotoSP, sindicato de mensageiros motociclistas, ciclistas e mototaxistas do estado, convocou trabalhadores em regime CLT e autônomos para se unirem aos informais da entrega, chamados pela categoria de “explorados”.
“Trabalhadores de todo o segmento de motofrete estão indignados. Estamos com quatro dissídios de greve travados porque os patronais não querem negociar por causa da Covid. Vamos sair, essas três categorias, e vamos para a porta do Tribunal Regional do Trabalho, na [avenida] Consolação”, diz o presidente Gilberto Almeida dos Santos.
A pandemia elevou a demanda por delivery, mas não refletiu em maior renda aos motoristas. A colombiana Rappi, por exemplo, já declarou aumento de 30% na América Latina.
Do outro lado, 59% de motoristas dizem que passaram a ganhar menos com as plataformas em relação ao período pré-Covid. A conclusão é de um recente estudo elaborado por pesquisadores da Unicamp, Unifesp, UFJF, UFPR e MPT que integram a Remir (Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista).
A rede coletou relatos de 298 motoristas de 29 cidades. Vinte e nove por cento disseram que a remuneração foi mantida e apenas 10% afirmaram que os ganhos cresceram.
“Antes da pandemia, a remuneração já era baixa: 47,4% dos entregadores afirmaram receber até R$ 520 por semana, sem os descontos dos gastos que eles têm para poderem trabalhar com a manutenção de suas motos e bicicletas, combustível, refeição e internet”, afirmam os pesquisadores Ana Claudia Cardoso, professora da Universidade de Juiz de Fora, e Renan Kalil, procurador do trabalho.
A pesquisa identificou aumento do número de entregadores em todas as faixas de rendimento mais baixas (até R$ 520 por semana). No rendimento acima deste valor, todas as faixas apresentaram redução de trabalhadores.
O aumento de jornada não resultou em maior rendimento: 52% dos motoboys que passaram a trabalhar mais horas tiveram queda nos ganhos. Entre os que mantiveram a carga horária, a maioria (54%) passou a receber menos.
Das pessoas que trabalham mais de 15 horas por dia, 64,3% registraram queda remuneratória. Além disso, 57,7% dos entregadores dizem não ter recebido apoio das empresas para diminuir os riscos de contágio durante o trabalho.
Os motoboys e ciclistas atribuem a baixa nos ganhos pelo aumento da mão de obra nos aplicativos, o que distribuiu as entregas. Também há registro de redução de períodos com tarifas dinâmicas, redução de oferta de prêmios e, segundo a Remir, da bonificação.
Motoristas também relatam mudança em um esquema de pontuação individual, especificamente na Rappi. Antes, o entregador era notificado sobre um pedido baseado em sua proximidade.
“Eles querem que você fique logado o máximo de tempo possível, o que tira espaço para trabalhar em vários apps, porque você perde nota [e, assim, chamadas]. A pandemia diminuiu o valor de todos os aplicativos. Os novatos pegam tudo, isso deixa muita gente com poucos pedidos”, diz Ralf Elisario, um dos líderes no Rio, onde o protesto será na Candelária.
O movimento, diz Elisario, não quer levantar bandeira política, embora receba apoio de grupos que defendem abertamente o antifascismo.
Motoristas também alegam ser alvos de bloqueios injustificados. Trabalhadores credenciados à Loggi entraram com ação coletiva na Justiça, como antecipou a Folha, após serem descredenciados. Eles participaram de protesto no Rio no dia 10 de junho para reivindicar melhores condições de trabalho.
O Ministério Público do Trabalho já moveu ações civis públicas contra sete aplicativos de entrega durante a pandemia: iFood, Rappi, Uber Eats, Lala Move, Uber, Cabify e 99.
Todas têm o mesmo teor: exigir que forneçam máscaras e álcool em gel em quantidade suficiente (comprovando mediante nota fiscal), mostrar quantos cadastrados há nas plataformas, assegurar auxílio nesse período, providenciar espaços para a higienização dos veículos, bags, capacetes e jaquetas, além de garantir orientações sobre as medidas sanitárias a serem adotadas.
"Paralelamente, as empresas impetraram mandado e conseguem suspensão dos efeitos. Então, não podemos exigir", diz Tadeu Henrique Lopes da Cunha, da Conafret (Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho).
A Uber Eats diz que disponibiliza de forma transparente cada taxa e valor correspondente. “Não houve diminuição nos valores pagos”, diz.
O iFood, que tem 170 mil cadastrados ativos, afirma que recebeu mais de 175 mil solicitações de cadastro em março, alta de 100% em relação a fevereiro. Ressalta que “não significa que todas essas pessoas estão aptas a serem ativadas”. A empresa não opera com pontuação.
A Lalamove diz que entender que os motoristas parceiros têm direito de reivindicar o que consideram melhor para a sua categoria. "Informamos também que a Lalamove não tem ações diferenciadas programadas para o dia 1° de julho."
A Rappi destaca que oferece seguro para acidente pessoal, invalidez permanente e morte acidental. “Dados mostram que 75% deles ganha mais de R$ 18 por hora, quando ativos em entregas, e quase metade dos parceiros passam menos de 1 hora por dia conectados no app”, disse em nota.
A empresa diz que de fevereiro a junho, identificou um aumento de 238% no valor médio das gorjetas.
Em nota, o Cabify diz que a categoria de entrega possui as mesmas regras do serviço privado de mobilidade de passageiros e que o critério de seleção é por distância e avaliação do condutor. "Além disso, a empresa afirma que não realizou ações especiais em sua plataforma devido à paralisação prevista de entregadores."
A 99Food esclarece que "respeita o direito à liberdade de expressão e manifestação dentro dos limites legais" e que não está oferecendo nenhum tipo de incentivo extra, além daqueles já praticados pela plataforma", para evitar paralisações no dia.
Fonte: Folha de SP