Ambientalistas enfrentam ameaças e tentativas de assassinato por atuarem pela preservação da natureza e de comunidades tradicionais

Os assassinatos da Irmã Dorothy e de Chico Mendes são os mais conhecidos internacionalmente quando se aborda a violência contra ativistas ambientais no Brasil, revelando um histórico de ataques que apenas cresce.

De acordo com o levantamento anual da organização da sociedade civil Global Witness, 164 ativistas ambientais foram assassinados no mundo em 2018, o equivalente a três mortes por semana. Ao todo, 20 dessas mortes ocorreram no Brasil, que ficou com a quarta posição no ranking.

A organização ainda revelou que entre 2002 e 2018 ocorreram 653 execuções de ambientalistas e ativistas no Brasil. O dado coloca o país entre os mais perigosos para defensores neste século.

O relatório ‘As Máfias da Floresta Tropical‘, da organização não governamental Human Rights Watch (HRW), apontou a tendência para a impunidade destes crimes. Entre os 300 defensores da Amazônia brasileira que foram assassinados na última década, apenas 14 casos chegaram ao tribunal.

A realidade de quem luta

Desde que começou a atuar como defensora da comunidade Jaci-Paraná, em Rondônia, a servidora pública e técnica de enfermagem Ana Flávia do Nascimento, 46, tem que lidar com ameaças e ataques.

Residente da região, Ana Flávia e outros membros da comunidade se opuseram às construções das usinas hidroelétricas de Jirau e Santo Antônio, do Complexo da Madeira.

Uma de suas primeiras ações foi com moradores da região que fecharam uma BR próxima da comunidade por 13 horas em protesto.

“Como moradora, eu me vi na obrigação de fazer algo. O impacto veio quando a comunidade também abraçou a causa. Era um gesto de desespero nosso. Precisávamos ser ouvidos”.

As ameaças, relembra, começaram em 2016, ano em que as usinas foram inauguradas na capital do estado, Porto Velho.

“Eu estava indo para Porto Velho de moto para trocar informações com outras comunidades quando uma caminhonete veio na minha direção. Literalmente ia bater de frente comigo. Percebi que não era por acidente”.

Ana Flávia desviou para o acostamento. Até pensou em ir atrás da caminhonete e anotar a placa, mas optou por seguir até a cidade.

“À noite, já em Porto Velho, estava andando quando reconheci a mesma caminhonete que tentou me atropelar. O motorista parou perto de mim e da janela disse: ‘Da próxima você não passa’”.

Outras situações de ameaça se seguiram. A defensora já teve sua residência invadida, móveis e objetos vandalizados, além de deixarem facas, enxadas e preservativos em sua cama.

Ainda assim, o apoio que recebe do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) lhe dá forças. “Foi através do MAB que entrei de vez nesta luta. Eles me trazem certa proteção, principalmente na hora de fazer denúncias”.

O MAB existe há 20 anos como um movimento popular brasileiro que atua na defesa dos direitos dos atingidos por construções de barragens em todo o território nacional. Por oferecerem apoio aos ativistas, membros do movimento acabam sendo alvos desta violência.

Em março de 2019, uma das coordenadoras do MAB, Dilma Ferreira da Silva, foi assassinada em Tucuruí, no Pará. As investigações revelaram que o mandante do crime era um vizinho do assentamento em que os ativistas do movimento viviam e que queria expulsá-los.

“Ser defensor é complicado. Tem que ter muita determinação para atuar contra a violação de direitos”, desabafa Ana Flávia.

Quem apoia o defensor?

A organização Justiça Global atua há 20 anos na proteção dos direitos humanos e, através de parceiros, acompanha ativistas ameaçados. Para Daniele Duarte, pesquisadora da Justiça Global,  o trabalho do defensor é alvo de críticas que legitimam a violência.

“A visibilidade da maioria dos casos traz uma conotação negativa que faz a sociedade criticar a atuação do defensor. Estamos enfrentando um período complexo para a garantia de direitos”.

Questões ligadas ao gênero também são observadas ao acompanhar os casos dos ativistas. Daniele ressalta que a mulher defensora está ainda mais vulnerável.

“As mulheres assumem a luta por suas comunidades, e além de serem ameaçadas acabam sendo vítimas de abusos e estupros como uma forma de intimidá-las”.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) é uma das principais organizações do país que atuam para denunciar e compilar dados sobre as violações ao direito à terra e ao território.

Para Isolete Wichinieski, membro da coordenação nacional da CPT, quando se trata da violência contra ativistas e representantes de comunidades tradicionais, os poderes público e privado agem em conjunto.

“As comunidades tradicionais são as mais atingidas. Recebem ataques de madeireiros e fazendeiros de um lado e encaram a violência policial – principalmente na reintegração de posse – do outro”.

A coordenadora aponta para as consequências do uso do discurso “precisamos progredir” contra as populações tradicionais.

“Colocam as comunidades como empecilhos para o desenvolvimento do Brasil. Esse tipo de discurso, amplamente divulgado, apenas alimenta um ódio contra as comunidades e quem as defende”.

Fonte: Observatório do Terceiro Setor