Ganhador será revelado nesta sexta-feira (9); em duas semanas, petição na internet reuniu 65 mil assinaturas em apoio ao nome do líder indígena.

Uma campanha em prol da indicação do cacique kayapó Raoni Metuktire ao Prêmio Nobel da Paz ganhou o reforço de uma mobilização internacional. Uma petição, aberta na plataforma Change.org pela Fundação Darcy Ribeiro, reúne suporte em forma de assinaturas em quatro países: Brasil, França, Alemanha e Estados Unidos. Mais de 65 mil pessoas já se juntaram ao abaixo-assinado em apoio ao nome do líder indígena à premiação. 

Raoni concorre em uma lista composta por 318 candidatos - sendo 211 indivíduos e 107 organizações. Entre os nomes tidos como favoritos estão a ativista sueca pelo meio ambiente Greta Thunberg e, devido à pandemia da covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS). O vencedor do ano passado foi o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed Ali. 

As premiações começaram na segunda-feira (5) com a entrega da láurea de Medicina a Harvey Alter, dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH), Michael Houghton, da Universidade de Alberta, e Charles Rice, da Universidade Rockefeller, pela descoberta do vírus da Hepatite C. As entregas terminarão na próxima segunda, dia 12, com o Nobel de Economia.

Para o administrador e indigenista Toni Lotar, vice-presidente da Fundação Darcy Ribeiro, instituição que articulou a indicação, Raoni está muito bem qualificado ao prêmio por ter dedicado toda a sua vida “a buscar o diálogo, o consenso e a boa convivência entre todos os povos do mundo”. Ele define o cacique como a liderança indígena mais representativa, respeitada e atuante no Brasil hoje, além de ser uma personalidade de renome internacional. 

Raoni é internacionalmente reconhecido por sua luta em defesa dos povos indígenas, da Amazônia e do meio ambiente. Ele tem notoriedade especialmente na França, onde, no ano passado, foi recebido pelo presidente Emmanuel Macron para uma conversa sobre biodiversidade. No país, 22 mil pessoas assinaram a petição em apoio ao nome dele ao Nobel. 

“O cacique Raoni Metuktire dedicou sua vida à proteção da Amazônia e dos povos originários do Brasil. Aos 90 anos, Raoni é um símbolo vivo da luta pela proteção da natureza, pelos direitos dos povos indígenas e pela paz e boa convivência entre todos os povos”, destaca o abaixo-assinado. A petição ressalta, ainda, que desde os anos 80 o cacique constrói pontes de diálogo com lideranças mundiais para a proteção da floresta amazônica e de seus povos.  

Lotar conta que todos os segmentos da sociedade que tem afinidade com a questão indígena e ambiental aderiram à campanha. Segundo ele, além das lideranças e dos povos indígenas, o apoio também tem vindo da classe artística e de organizações não apenas brasileiras, mas também do exterior. Ele pontua que essa preocupação mundial resulta da situação brasileira relacionada à gestão do meio ambiente e aos direitos dos povos indígenas. 

“A oportunidade de Raoni ser laureado em 2020 com o Prêmio Nobel da Paz é extremamente pertinente, porque provavelmente este é o momento da história do Brasil - onde tantos males, tantas agressões foram feitas contra nossos povos indígenas -, provavelmente este é o período, ou é o governo, que mais tem ameaçado e violentado tanto o meio ambiente do Brasil quanto os direitos dos povos indígenas”, aponta o indigenista. 

Caso vença a indicação, o cacique Raoni, que é da etnia kayapó do Mato Grosso, se tornará o primeiro brasileiro a ser homenageado com o Prêmio Nobel da Paz. 

Embate político e pandemia  

Desde o ano passado, Raoni tem sido alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro, que o acusa de ser manipulado e de não representar os povos indígenas do país. “Muitas vezes alguns desses líderes, como o cacique Raoni, são usados como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia”, disparou Bolsonaro em discurso na Organização das Nações Unidas (ONU). 

O embate ocorre em meio a críticas internacionais que o governo vem sofrendo por sua política ambiental e de proteção aos povos nativos. Esse contexto político é citado em um vídeo produzido pela campanha #RaoniNoNobelDaPaz. “No momento crítico em que a gente vive, do atual cenário político, a gente precisa apoiar a luta dos povos indígenas e o cacique Raoni é a maior referência para todos nós”, declara a indígena Kanaiaku Kamayurá no vídeo. 

Indígenas de diferentes etnias participam do vídeo e dão depoimentos sobre o por que acreditam que Raoni merece ganhar o Nobel. Todos destacam sua atuação como importante liderança indígena e defensor da floresta. Narubia Karajá atribui ao cacique a existência de sua geração, com terras demarcadas, perspectiva de cultura e costumes respeitados. 

REPRODUÇÃO
Vídeo em apoio à indicação do cacique foi produzido pela Fundação Darcy Ribeiro.

Outros referem-se ao cacique como “símbolo da paz”. A capacidade de dialogar, mesmo sob ataque, e de levar uma mensagem de respeito e união é apresentada como uma de suas marcas. Em 2019, o líder indígena se encontrou com o Papa Francisco, no Vaticano. Na ocasião, falou sobre a devastação da Amazônia, que registra altas no desmatamento. 

“E não é só pelos povos indígenas que ele faz isso, ele faz isso pelo mundo inteiro”, enfatiza Anna Terra Yawalapiti, no vídeo da campanha, sobre a longa história de luta de Raoni. “Ele é uma pessoa que sempre defendeu a proteção do nosso planeta”, completa. O vídeo termina com uma fala do cacique: “Nós devemos respeitar uns aos outros para viver em paz”. 

Com idade estimada em 90 anos, Raoni também foi símbolo da mobilização indígena na Assembleia Constituinte de 1988 e de oposição à construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Recentemente, sofreu alguns revezes fora da seara ativista. Em junho, perdeu a companheira Bekwyjkà Metuktire em decorrência de um infarto, o que o deixou deprimido. 

Nos meses seguintes, passou por duas internações, uma delas para o tratamento de duas úlceras gástricas e infecção intestinal e a outra devido a um quadro de pneumonia. Neste meio-tempo, surgiu a confirmação de que ele também já tinha contraído covid-19. Recuperado, o cacique segue em luta deixando mais uma de suas características evidente: a resiliência. 

“Dentro desse cenário, a indicação e a eventual premiação do cacique Raoni vai significar muito mais do que um reconhecimento de um mérito de uma liderança”, afirma o vice-presidente da Fundação Darcy Ribeiro. “Vai ser o reconhecimento do mundo inteiro à importância do nosso meio ambiente, à importância da luta de cinco séculos dos nossos povos indígenas, que atuam como verdadeiros guardiões da natureza”, finaliza Lotar. 

Fonte: https://www.huffpostbrasil.com