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Se até o final desta década o Brasil não conseguir eliminar o desmatamento ilegal, não há viabilidade técnica e realista para zerar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2050, como prevê compromisso nacional no Acordo de Paris (tratado internacional para combater o aquecimento global, aprovado em dezembro de 2015 durante a COP21).

A conclusão é de um estudo inédito sobre os desafios da transição energética brasileira, feito em parceria entre o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Centro de Economia Energética e Ambiental (Cenergia), da Coppe/UFRJ.

A despeito do fato do Brasil ter avançado na questão da transição energética e na adoção de novas tecnologias, sem uma profunda mudança nas emissões decorrentes das dinâmicas do uso da terra e do desmatamento, o País não terá como alcançar a ambição climática de neutralidade líquida em GEE em menos de três décadas.

O relatório “Programa de Transição Energética” – que reúne nove propostas que abrangem compromissos públicos e privados e reforçam a meta brasileira de contribuir decisivamente para o objetivo global de reduzir as emissões de GEE e limitar o aquecimento global – apresenta três contextos distintos de transição energética para o País até 2050: “Transição Brasil”, “Transição Alternativa” e “Transição Global.

 

Os efeitos da mudança climática pelo mundo

Os três cenários de descarbonização levam em consideração as mudanças estruturais para os setores de oferta e demanda de energia, bem como de uso da terra (agropecuária e florestas) necessárias para alcançar a neutralidade climática. Para os cenários TB e TA seriam evitadas cerca de 30 bilhões de toneladas equivalentes de dióxido de carbono (CO2). Já para o cenário TG, o esforço de mitigação de emissões é ainda maior, alçando aproximadamente 40 bilhões de toneladas.

Para que a neutralidade em GEE seja alcançada até 2050 seria necessário haver emissões negativas de CO2 (o principal gás de efeito estufa) nos anos de 2035 a 2040, ou seja, uma década antes da meta estipulada em Paris. Nos três cenários de descarbonização, as emissões de dióxido de carbono se tornam negativas em torno de 500 milhões de toneladas, o que dá uma medida do tamanho do desafio que o Brasil tem pela frente.

 

Desafios

Os resultados do estudo apontam uma série de desafios para o País atingir a neutralidade em carbono até 2050: tendência de crescimento na demanda por energia, a necessidade de se atualizar e até criar marcos regulatórios para a transição energética e o fato de novas tecnologias e infraestrutura ainda demandarem desenvolvimento, escala e competitividade.

Caso não consiga eliminar o desmatamento ilegal nesta década, o que inviabiliza a conquista da neutralidade de carbono, o País terá que compensar suas emissões, se tornando um comprador (e não um vendedor) de créditos de carbono – instrumento que permite remunerar iniciativas de descarbonização da economia, como a preservação de matas nativas, reflorestamento, práticas agropecuárias de baixo impacto e projetos de energias renováveis.

Acabar com o desmatamento ilegal significa evitar o lançamento na atmosfera de 21 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa até 2050. Se essa meta não for alcançada, o Brasil terá que arcar com um custo de compensação de até US$ 3,4 trilhões para atingir os compromissos assumidos por sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), considerando as perspectivas mais elevadas de preços de carbono no longo prazo.

O estudo aponta que o segmento de uso da terra dispõe de opções para remoção natural de carbono (chamadas soluções baseadas na natureza – NBS), que além de remover carbono geram um conjunto de benefícios socioambientais. Segundo a senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, Rafaela Guedes, o Brasil detém 20% das melhores possibilidades de soluções baseadas na natureza, ou seja, oportunidades custo-eficientes. “Na década de 2020 a 2030, deve ser uma das prioridades aproveitar este potencial, conciliando a agenda climática e social e gerando valor a partir da floresta em pé”, destaca a pesquisadora que integra o núcleo de energia do Cebri.

No caso brasileiro, é possível conciliar objetivos alimentares, energéticos e ambientais, por meio da conversão de 60 a 85 milhões de hectares de pastagens degradadas em florestas nativas, agropecuária sustentável e florestas energéticas plantadas, utilizadas para evitar a pressão do desmatamento sobre as florestas naturais e que contribuem também para o fornecimento de biomassa florestal, lenha e carvão de origem vegetal.

O documento mostra que é bastante relevante o papel redutor de emissões procedente das mudanças positivas no uso da terra, com destaque para o reflorestamento e a restauração de florestas. E nesta vertente, o estudo destaca a questão da oferta de energia e projeta, por exemplo, um incremento estimado de 3 e 6 milhões de hectares de florestas plantadas (eucalipto e pinus) em áreas degradadas para atender à demanda por biomassa para a produção de biocombustíveis celulósicos em substituição aos combustíveis fósseis.

O Brasil pode se posicionar como um hub energético global, liderando uma transição energética justa, inclusiva e eficiente, reforça o estudo. Para isso, no entanto, será necessário aprimorar e criar marcos legais e regulatórios adequados e mobilizar grandes investimentos. O perfil de emissões no País é completamente diferente do global. No mundo, o setor energético representa 76% das emissões totais líquidas de gases de efeito estufa, enquanto que no Brasil, com quase metade da matriz renovável, representa apenas 31% das emissões líquidas e 18% das emissões brutas.

Até 2050, a tendência é que o consumo de derivados de petróleo no Brasil apresente forte queda. Entretanto, a produção brasileira de óleo e gás poderá continuar sendo relevante para o País se manter como um potencial exportador de petróleo e atender à demanda remanescente em 2050. Como o relatório destaca, o petróleo nacional apresenta tripla resiliência (técnica, econômica e ambiental) e tem uma das menores intensidades de carbono no mercado internacional.

“Com um petróleo de baixa intensidade de carbono e baixo custo, a riqueza gerada pela indústria de O&G contribuirá para financiar a transição energética e as inovações necessárias para a neutralidade de carbono no Brasil até 2050”, comenta Jorge Camargo, vice-presidente do Cebri e coordenador do núcleo Energia.

Os setores de transportes, industrial e residencial respondem por mais ¾ das emissões totais decorrentes do uso de energia. Os cenários desenhados pelo relatório indicam que a descarbonização desses segmentos enfrenta ao menos três grandes desafios: a tendência esperada de crescimento na demanda por serviços energéticos, refletindo o crescimento populacional e econômico.

Assim, o maior desafio destes setores será conciliar essa tendência de crescimento na demanda com a sustentabilidade; para algumas aplicações, as soluções tecnológicas para mitigar emissões ainda precisam de desenvolvimento e escala; e seus custos de implantação ainda são elevados e mecanismos de financiamento e incentivo se mostram incipientes.

 

Fonte: O Globo

www.contec.org.br

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