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Líder indígena foi assassinado em emboscada feita por madeireiros na região da Terra Indígena de Arariboia, no Maranhão.

De um lado, madeireiros agindo de forma ilegal em uma área protegida e em que tribos indígenas vivem. Do outro, líderes indígenas autodenominados “guardiões da floresta” agem por conta própria para proteger seu povo devido à ausência do Estado. Neste contexto, o líder indígena Paulo Paulino Guajajara, um destes guardiões, foi assassinado na sexta-feira (1º) em uma emboscada feita por madeireiros na Terra Indígena Arariboia, no Maranhão. 

A morte do “guardião da floresta”, que teve repercussão internacional, provocou manifestações de organizações não-governamentais ligadas ao meio-ambiente e aos direitos humanos, e também de lideranças indígenas. Ambas lamentaram o ocorrido e cobraram posição das autoridades brasileiras. 

A Polícia Federal está à frente das investigações e o Ministério Público Federal do Maranhão afirmou estar acompanhando o caso. Até o momento, ninguém foi preso. Abaixo, o HuffPost Brasil compilou o que se sabe até agora.

Como o líder indígena Paulo Guajajara foi assassinado?

 

Paulo Paulino Guajajara, apelidado de “Lobo Mau”, foi morto com um tiro no rosto em emboscada feita por madeireiros na Terra Indígena Arariboia, na região de Bom Jesus das Selvas, entre as Aldeias Lagoa Comprida e Jenipapono, no Maranhão. Etnias Ka’apor, Guajajaras e Awá-Guajás vivem no local, que faz parte da Amazônia Legal. O crime aconteceu na sexta-feira, 1º de novembro.

Conhecido como Kwahu Tenetehar, ele era integrante de um grupo de agentes florestais indígenas autodenominados “Guardiões da Floresta” que, desde 2012, vem monitorando por conta própria o desmatamento, as invasões nas terras indígenas no estado e as ações criminosas de grileiros e madeireiros.

Na ação que vitimou Paulo, outro líder indígena, Laércio Guajajara, conhecido como Tainaky Tenetehar, que também é um “Guardião da Floresta”, foi baleado, mas sobreviveu ― ele levou tiros nas costas e nos braços. Um madeireiro identificado como Márcio Greykue Moreira Pereira também morreu na ação.

De acordo com informações do governo do Maranhão, Laércio já recebeu alta hospitalar e está sob acompanhamento do Programa de Proteção de Defensores dos Direitos Humanos.

Em nota, o governo também aponta que Paulino e Laércio “haviam se afastado da aldeia para buscar água, quando foram cercados por pelo menos cinco homens armados, que de início já dispararam dois tiros contra os indígenas”.

Guajajara, que tinha em torno de vinte anos e deixa um filho, disse à Reuters em entrevista na reserva em setembro que proteger a floresta dos intrusos havia se tornado uma tarefa perigosa, mas seu povo não podia ceder ao medo.

“Às vezes, tenho medo, mas temos que levantar a cabeça e agir. Estamos aqui lutando”, disse, enquanto ele e outros guerreiros se preparavam para atravessar a floresta em direção a um campo de corte de madeira.

“Estamos protegendo nossa terra e a vida nela, os animais, os pássaros e até os Awá [pessoas] que também estão aqui”, disse à época. 

O povo Guajajara tem cerca de 20 mil habitantes e é considerado um dos maiores grupos indígenas do Brasil. Eles criaram os “Guardiões da Floresta” para patrulhar uma vasta reserva no Maranhão, na área da Amazônia Legal, 

A região é tão vasta que uma tribo pequena e ameaçada de extinção, os chamados Awá Guajá, vive nas profundezas da floresta sem nenhum contato com o mundo exterior. 

O que dizem as autoridades?

 

A morte do líder indígena foi confirmada na sexta-feira pelo governo do Maranhão, por meio da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular. No sábado (2), o governo local enviou equipes para apurar o caso, junto com a Secretaria de Segurança Pública. 

No dia seguinte, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, afirmou, em sua conta no Twitter, que a Polícia Federal vai apurar o assassinato. 

“Não pouparemos esforços para levar os responsáveis por este crime grave à Justiça”, disse Moro. Segundo a assessoria de imprensa do ministério, equipe da PF está se preparando para ir ao local onde ocorreu o crime.

Já o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), disse, também pelo Twitter, no mesmo dia, que a “competência para apurar crimes contra direitos indígenas, em face de suas terras, é federal”. E informou que “a Polícia do Maranhão está colaborando com investigações sobre crimes na TI Arariboia”.

No domingo (3), Dino informou que assinou um decreto para criar uma força-tarefa de proteção da vida indígena na região. 

“Diante da evidente dificuldade dos órgãos federais em proteger as terras indígenas, vamos tentar ajudar ainda mais os servidores federais e os índios guardiões da floresta”, escreveu em suas redes sociais.

Como o crime aconteceu em uma Terra Indígena, é de jurisdição federal. No último sábado, após repercussão do caso, a Polícia Federal anunciou que irá investigar a morte do líder indígena “com o objetivo de apurar todas as circunstâncias do fato”.

Porém, tanto o governador Flávio Dino quanto o secretário de Estado dos Direitos Humanos do Maranhão, Francisco Gonçalves, reclamaram da falta de diálogo com o governo federal e cobraram providências sobre o caso.

O Ministério Público Federal do Maranhão (MPF-MA), por meio de nota, informou que acompanha a investigação e que está aguardando o resultado das investigações da PF para tomar as medidas judiciais cabíveis. 

“MPF/MA acompanha investigação do assassinato de liderança indígena na Reserva Arariboia. O MPF no Maranhão supervisiona as investigações do assassinato da liderança indígena, na Reserva Arariboia, na região de Bom Jesus das Selvas (MA). O MPF aguarda o resultado das investigações da Polícia Federal para tomar as medidas judiciais cabíveis”, diz nota do MPF.

Ninguém foi preso até o momento. A investigação parte do princípio de o que vitimou o líder Guajajara foi uma emboscada preparada por madeireiros que atuam de forma ilegal na região. 

Qual o posicionamento da Funai e de ONGs?

 

Em nota, a Funai (Fundação Nacional do Índio) informou que “lamenta profundamente o ocorrido” e já mobilizou sua assessoria técnica especial para acompanhar o caso. Segundo o órgão, a preocupação imediata é “solucionar o quanto antes o conflito e ficar à disposição para o que for necessário”.

O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) também em nota repudiou o crime e “acusa e responsabiliza o Estado e o governo brasileiro pelo covarde assassinato”, além de exigir apuração e investigação dos fatos.

“O Cimi vem denunciando o aumento das invasões dos territórios indígenas, fruto do incentivo dos agentes públicos e privados que se somam contra a regularização dos territórios concebidos pela Constituição Federal. Hoje não é exagero dizer que os indígenas não podem mais circular em seus territórios com segurança”, diz o conselho, em comunicado.

Para a Apib (Associação dos Povos Indígenas no Brasil), o “governo Bolsonaro tem sangue indígena em suas mãos”. Também por meio de nota, a associação acusa o atual governo de negligência e lamenta o assassinato do líder indígena.

“O aumento da violência em territórios indígenas é resultado direto de seus discursos odiosos e medidas tomadas contra nosso povo”, afirmou a organização, em comunicado enviado à imprensa, ao citar o presidente.

A organização ainda destaca que os povos indígenas “são responsáveis por preservar 80% da biodiversidade, bem como por combater a crise climática, que é um dos maiores problemas enfrentados pela humanidade no século XXI”.

“Onde há povos indígenas, há florestas. Portanto, um ataque aos nossos povos representa um ataque a todas as sociedades e ao futuro das próximas gerações. Precisamos parar a escalada dessa política genocida contra nossos povos indígenas no Brasil”, pede a organização.

A coordenadora executiva da Apib, Sonia Guajajara, também por meio de nota, afirmou que o governo está desmantelando agências ambientais e indígenas e deixando tribos para se defender da invasão de suas terras.

“Mais um de nossos guerreiros perde a vida em defesa do Território. Não queremos mais ser estatística. Queremos providências do Poder Público”,disse a ex-candidata a vice-presidência da República pelo Psol. ”É hora de dar um basta nesse genocídio institucionalizado. Parem de autorizar o derramamento de sangue de nosso povo.”

Atualmente, oito líderes indígenas da Apib, entre eles as líderes indígenas Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, estão em viagem pela Europa para denunciar a grave crise de direitos humanos enfrentada pelos povos indígenas do Brasil.

Intitulada “Sangue indígena: nem uma gota a mais”, a campanha pede às autoridades e líderes empresariais da Europa que respondam à crescente violência e devastação ambiental na Amazônia e em todo o país.

″É fundamental que as autoridades realizem uma investigação completa e independente sobre o ataque, e haja punição dos responsáveis, além de proteção imediata ao povo Tenetehara”, apontou a Human Rights Watch, organização em defesa dos direitos humanos sobre o caso. 

Segundo a HRW, o nome de Paulo Guajajara se soma a uma longa lista de mais de 300 indígenas assassinados durante a última década no contexto de conflitos pelo uso da terra e de recursos naturais na Amazônia – muitas delas por pessoas envolvidas na extração ilegal de madeira – de acordo com dados compilados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Em nota, o Greepeace disse repudiar a violência frequente contra povos indígenas no Brasil e aponta que ações como estas são resultado “de um Estado que se recusa a cumprir o que determina a Constituição.”

“Diante da omissão do Estado em proteger os territórios indígenas, os ‘Guardiões da Floresta’ têm assumido este papel para si, e todos os riscos associados a ele”, aponta o Greenpeace. “Invadidas por grileiros e madeireiros, as terras indígenas do Maranhão têm sido palco de uma luta assimétrica, onde pequenos grupos de Guardiões optam por defender, muitas vezes com a própria vida, a integridade de seus territórios.”

 

Em que contexto o assassinato do líder indígena aconteceu?

 

Nos últimos anos, o Maranhão tem sido palco de vários conflitos entre indígenas e madeireiros. A morte do líder indígena ocorre em meio a um aumento destas invasões em reservas por madeireiros e grileiros ilegais desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência e prometeu abrir terras indígenas protegidas para o desenvolvimento econômico, relatam entidades.

Segundo o G1, ainda em setembro, a pedido de lideranças das etnias que vivem na região, o governo do Maranhão solicitou à Funai e ao Ministério da Justiça proteção da Terra Indígena Governador, localizada na mesma área onde o líder indígena foi morto, além de apresentar denúncia de que as tribos estavam sendo alvo de ameaças por parte de madeireiros na região.

Nesta mesma época, os “Guardiões da Floresta” realizaram a apreensão de quatro caminhões, duas motos e uma motoserra que estavam sendo utilizados na extração ilegal de madeira das terras indígenas. Após o episódio, indígenas relataram que as ameaças aumentaram.

“Ele era uma pessoa guerreira mesmo, mas vinha sendo ameaçado há muito tempo, já. Ele andava de colete, não andava desprotegido“, disse o cacique Antônio Wilson Guajajara, à coluna do jornalista Matheus Leitão, do G1.

“Nossa amizade era muito grande. Conheci muito ele e sua luta, em prol de todo mundo. Uma boa pessoa. Não media esforços para fazer a sua atividade. Fazia o trabalho de vigilância dentro de sua terra de coração, defendia o seu povo mesmo, com gosto”, lamentou o cacique Guajajara em entrevista.

Segundo o Cimi, a região soma 413.000 hectares e abriga 14.000 indígenas da tribo guajajara, além dos 60 índios da aldeia Awá Guajá, que vivem isolados. Há anos, o local é alvo invasões constantes.

Em 2007, o indígena Tomé Guajajara foi assassinado no mesmo local. No ano seguinte, em 2008, madeireiros invadiram a aldeia Cabeceira, atirando contra os indígenas. Em 2015, um agente do Ibama foi atacado na região, mas sobreviveu. Em 2018, o cacique Jorginho Guajajara também foi morto.

Segundo o G1, lideranças indígenas protestaram na manhã desta segunda-feira (4) na Câmara Municipal do município de Imperatriz, localizado a 629 km de São Luís, no Maranhão. Eles alegam que após a morte do guardião da floresta, o clima de tensão e medo, que já existia na região, se intensificou.

 

Quais são os números da violência contra indígenas no Brasil?

 

Segundo o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2017, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), no último ano foram registrados 109 casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio”, enquanto em 2017 haviam sido registrados 96 casos. De acordo com o Cimi, nos nove primeiros meses de 2019, foram contabilizados 160 casos do tipo em terras indígenas do Brasil.

Também houve um aumento no número de assassinatos registrados (135) em 2018, sendo que os estados com maior número de casos foram Roraima (62) e Mato Grosso do Sul (38). Em 2017, haviam sido registrados 110 casos.

Além dos dados, ações recentes do governo federal têm colocado essa questão em pauta. Recentemente, o STF (Supremo Tribunal Federal) manteve a suspensão da medida provisória que transferiu a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura. Assim, voltou a ser atribuição da Funai (Fundação Nacional do Índio), ligada ao Ministério da Justiça.

As denúncias de invasão de territórios indígenas têm sido recorrentes desde o início do ano. Em julho, antes do assassinato de Paulo Guajajara, o conselho da etnia Waiãpi denunciou a invasão da Terra Indígena Waiãpi, no oeste do Amapá, e o assassinato do cacique Emyra Waiãpi no local.

Até o momento, agentes da Polícia Federal e da Secretaria de Segurança Pública não encontraram a presença de garimpeiros e invasores na região.

 

FONTE: https://www.huffpostbrasil.com/

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