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Câmara corre para aprovar projeto de lei, mas resposta do governo ao derramamento de óleo no Nordeste não foi resultado de falha na legislação atual.

 

A repercussão do derramamento de óleo no Nordeste que se espalhou em mais de dois quilômetros da costa brasileira e superou a marca de mil toneladas pode levar a Câmara dos Deputados a aprovar nos próximos dias a chamada Lei do Mar. Em debate no Legislativo desde 2013, o projeto de lei 6969/13 cria a Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro (PNCMar).

 

O texto prevê a criação de indicadores de qualidade ambiental do mar, determina a preservação de pelo menos 10% de áreas marinhas e costeiras e incentiva o uso de tecnologias com menor impacto ambiental.

A proposta também regula o monitoramento de processos erosivos e de possíveis poluentes decorrentes do uso da terra nas imediações marinhas, da emissão de substâncias e de população de espécies invasoras, algumas transportadas pela água de lastro dos navios.

Uma das responsáveis pela elaboração do texto, Leandra Gonçalves, pesquisadora do Instituto Oceanográfico da USP (Universidade de São Paulo), afirma que a proposta promove a integração de políticas públicas na área. De acordo com ela, a principal inovação é a instituição do planejamento espacial marinho, um instrumento para compatibilizar o uso do mar com sua conservação. 

 

“[A lei] Vai olhar para zona costeira marinha brasileira, ver quais são sua aptidões, características e organizar os usos. Hoje a gente sente que tem conflito. Qual área deveria ser voltada para exploração de petróleo e gás? Qual área deveria ser para unidade de conservação?”, exemplificou Gonçalves.

Se for aprovada, a Lei do Mar determina investimento com fundos públicos e privado; criação de metas de conservação, recuperação e uso sustentável; planos nacionais e regionais; e elaboração de relatórios nacionais de produção pesqueira e de monitoramento da qualidade ambiental marinha.

De acordo com Gonçalves, o Brasil não tem atualmente um programa contínuo de monitoramento estatístico da atividade pesqueira e a nova lei fortaleceria instrumentos como relatórios de qualidade ambiental e o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro. “Não é um texto que vá proibir certas atividades ou liberar outras atividades. Ele vem para resolver um problema histórico na questão política para região costeira e marinha que é a fragmentação das políticas. Hoje a gente tem uma política para pesca, outra para gás e óleo, outra para unidade de conservação, e essas políticas não conversam entre si”, afirmou.

 

Apresentada pelo então deputado Sarney Filho (PV-MA) em 2013, a proposta começou a ser discutida por especialistas no final de 2011. O ex-parlamentar foi ministro do Meio Ambiente no governo de Michel Temer. Neste ano, o projeto de lei passou a tramitar em regime de urgência e houve uma tentativa de votação no primeiro semestre, como parte de um pacote da bancada ambientalista após o rompimento da barragem de Brumadinho, em janeiro.

Derramamento de óleo no Nordeste 

O derramamento de óleo no Nordeste reacendeu o debate sobre proteção ambiental, e a proposta voltou à pauta da Câmara. Em viagem a Londres na semana passada, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu a aprovação do texto. “Temos que focar no que o governo fez: se está certo, se o governo errou, onde errou, onde o governo pode melhorar sua estrutura. O Parlamento pode fazer parte disso na aprovação do orçamento dos ministérios que têm relação com essa área. E podemos pensar em leis, como a Lei do Mar e a legislação que estimule o carro elétrico para o futuro”, disse.

Na semana passada, foi apresentado um pedido de criação de uma CPI (comissão parlamentar de inquérito) sobre o vazamento de óleo. De acordo com o autor do requerimento, deputado João Campos (PSB-PE), o objetivo é ”investigar a origem das manchas, avaliar as medidas que estão sendo tomadas pelos responsáveis, produzir inovações jurídicas para que não venham a acontecer novos desastres como esse, além de melhorar a capacidade de ações mitigatórias do Estado brasileiro”. Também foi criada uma comissão externa na Câmara para acompanhar o caso.

Apesar da movimentação política ter sido motivada pelo desastre no Nordeste, caso já estivesse em vigor, a Lei do Mar não necessariamente garantiria uma resposta diferente devido a falhas do Executivo. “No caso desse vazamento, em que a fonte é incerta, o Plano Nacional de Contingência seria o melhor instrumento a ter sido ativado no exato momento em que foram identificadas as primeiras manchas de óleo. Não é uma questão de falta de instrumento e sim de falta de celeridade ou articulação política para exercer o que já está previsto na lei”, afirmou a pesquisadora da USP.

A gente pode ter hoje uma lei como essa, porém se na regulamentação determinar que o Ministério do Meio Ambiente é o responsável por fazer e ele não executar, é uma falha de implementação da lei.Leandra Gonçalves, pesquisadora do Instituto Oceanográfico da USP

A demora do Ministério do Meio Ambiente em acionar o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água é crítica unânime entre os ambientalistas. Previsto em decreto desde 2013, o plano é um tipo de guia de como atuar em situações como a que está em curso no Nordeste. O documento articula a atuação de diferentes esferas, estabelecendo, por exemplo, quais são os ecossistemas mais vulneráveis que deveriam ser priorizados para evitar que fossem atingidos pelo óleo.

De acordo com o substitutivo do deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) à proposta da Lei do Mar, aprovado pela Comissão do Meio Ambiente da Câmara em 2017, “o planejamento espacial marinho nacional e o planejamento regional devem conter ações de monitoramento, avaliação e controle da qualidade ambiental dos ecossistemas e recursos marinhos e dos impactos sobre eles decorrentes das principais atividades econômicas com impactos nos biomas costeiro e marinho”, incluindo derramamento de petróleo.

Segurança jurídica na proteção ambiental

Na avaliação de Letícia Yumi Marques, especialista em direito ambiental do escritório Peixoto & Cury Advogados, uma legislação específica pode fortalecer o cumprimento de medidas de preservação ambiental. ”Às vezes, no Direito, é preciso escrever o óbvio. Pela maneira como o nosso sistema jurídico foi concebido, alguns atos só podem ser executados pela administração quando existe um mandamento legal expresso”, afirmou.

De acordo com Marques, hoje a obrigação de conservar o meio ambiente marinho está inserida na Constituição Federal, mas não detalhada em lei. “A partir do momento em que a legislação traz determinações expressas, que não vão depender do juízo discricionário de quem estiver no comando dessas instituições [de fiscalização ambiental], colocar essa obrigatoriedade para trás numa escala de prioridade é um pouco mais difícil. Não vai haver uma  justificativa que possa ser construída para que se deixe de cumprir um mandamento legal”, completou.

A especialista cita como exemplo o fortalecimento da segurança jurídica de decisões de órgãos responsáveis pela liberação do licenciamento ambiental em áreas de atividades portuárias.  “Por exemplo, a proteção de tartarugas na região de portos que sofrem colisões com embarcações e podem chegar a óbito porque têm o casco rachado”, destacou Marques. 

Hoje o órgão já pode estabelecer critérios para minimizar os impactos ambientais desse tipo de atividade, mas com previsão legal expressa, questionamentos jurídicos seriam reduzidos. “Hoje algumas medidas podem ser objeto de questionamento porque no nosso ordenamento jurídico a obrigatoriedade de atender determinações tem de decorrer de lei. O que o fiscal estipula como condição para proteção do meio ambiente dentro do licenciamento pode não necessariamente decorrer de lei. Pode ser análise discricionária que ele fez, baseada da sua experiência e formação técnica”, afirmou Marques.

 

FONTE: https://www.huffpostbrasil.com/

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