Para analistas, edtechs terão contração após pandemia, mas tecnologia veio para ficar

 

Depois de um ano difícil que alternou períodos de ensino remoto e períodos de ensino presencial nas escolas, muitos estudantes, professores e suas famílias se sentem esgotados, diante dos métodos de ensino que a pandemia impôs. Mas empresas que vendem sistemas de aprendizado digital a escolas estão desfrutando de lucros inesperados por conta do coronavírus.

 

O dinheiro levantado junto ao segmento de capital para empreendimentos e do segmento de capital privado por startups de tecnologia de ensino mais que dobrou, atingindo a marca de US$ 12,58 bilhões em todo o mundo em 2020, ante US$ 4,81 bilhões em 2019, de acordo com um relatório da CB Insights, uma empresa que acompanha o setor de capital para empreendimentos e as startups.

 

Durante o período, o número de laptops e tablets entregues a escolas primárias e secundárias nos Estados Unidos quase dobrou, para 26,7 milhões de unidades ante 14 milhões no ano precedente, de acordo com dados da Futuresource Consulting, uma empresa de pesquisa de mercado britânica.

 

“Vimos uma verdadeira explosão na demanda”, disse Michael Boreham, analista sênior de mercado na Futuresource. “Foi uma mudança imensa e revolucionária, que aconteceu por necessidade”.

 

Mas à medida que mais distritos escolares retomam as aulas presenciais, os bilhões de dólares que as escolas e as empresas de capital para empreendimentos investiram em tecnologia para a educação estão a ponto de ser submetidos a um teste. Alguns serviços de aprendizado remoto, como os de videoconferência, podem passar por uma forte queda de sua audiência estudantil.

 

“Com certeza vai acontecer uma reacomodação, ao longo dos próximos 12 meses”, disse Matthew Gross, presidente-executivo da Newsela, que criou um popular app de ensino de leitura para escolas. “Eu defino a situação como a possibilidade de uma grande contração no segmento de tecnologia educacional”.

 

Mas mesmo que o mercado de tecnologia educacional venha mesmo a se contrair no final do processo, executivos do setor dizem que as mudanças chegaram para ficar. A pandemia acelerou a difusão de laptops e de apps de aprendizado nas escolas, eles dizem, e tornou o uso de recursos digitais de educação comum para milhões de professores, alunos e suas famílias.

 

“Isso acelerou a adoção da tecnologia em cinco a 10 anos, facilmente, no ramo de educação”, disse Michael Chasen, um veterano empreendedor da tecnologia educacional que em 1997 foi um dos fundadores da Blackboard, hoje um dos maiores sistemas de gestão de aprendizado em uso em escolas e universidades. “Não se pode treinar centenas de milhares de professores e milhões de estudantes no uso da educação online sem esperar que isso venha a ter efeitos profundos”.

 

Os proponentes da tecnologia previam há muito tempo que os computadores transformariam a educação. O futuro do aprendizado, muitos deles prometeram, envolveria apps acionados por inteligência artificial que ajustariam as lições à capacidade das crianças de maneira mais rápida e mais precisa do que os professores humanos seriam capazes.

 

A revolução do ensino robotizado demorou a surgir, em parte porque poucos dos apps de aprendizado demonstraram capacidade de melhorar significativamente os resultados obtidos pelos estudantes.

 

Em lugar disso, durante a pandemia muitas escolas simplesmente se voltaram a recursos digitais como as videoconferências, a fim de transferir para a internet práticas e cronogramas tradicionais da educação. Os críticos afirmam que o esforço de reproduzir um dia escolar comum, para alunos que estavam estudando de casa, só exacerbou as disparidades, no caso de muitas crianças que enfrentavam desafios criados pela pandemia em suas casas.

 

“Nunca mais, em nossas vidas, veremos uma demonstração tão poderosa do conservadorismo de nossos sistemas educacionais”, disse Justin Reich, professor assistente do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) que pesquisa sobre o aprendizado online e recentemente escreveu o livro “Failure to Disrupt: Why Technology Alone Can’t Transform Education” [incapaz de desordenar: porque não basta a tecnologia para transformar a educação].

 

Apps que permitem interações online entre professores e estudantes vêm reportando crescimento extraordinário, e os investidores estão atentos.

 

Entre as maiores transações registradas, segundo a CB Insight, estão os US$ 2,35 bilhões em capital obtidos pela Zuoyebang, uma gigante chinesa da tecnologia educacional que oferece aulas online ao vivo e ajuda nas tarefas de casa para estudantes do jardim da infância à quarta série do segundo grau. A companha atraiu investimentos de grupos poderosos como o Alibaba e a Sequoia Capital China.

 

A Yuanfudao, outra startup chinesa de ensino, obteve US$ 3,5 bilhões de investidores como a Tencent. E o Kahoot, um app norueguês de conhecimentos gerais usado por milhões de professores, recentemente obteve US$ 215 milhões em capital do SoftBank.

Nos Estados Unidos, algumas das transações mais recentes no segmento de tecnologia educacional envolveram startups que ajudam educadores a distribuir tarefas e dar notas aos alunos por elas, a conduzir sessões de estudo, ou a realizar discussões de classe online. Entre elas estão a Newsela e a Nearpod, que produz um app usado por muitos professores para criar aulas interativas em vídeo ao vivo, ou para conduzir os estudantes em visitas virtuais a ambientes fora da escola.

 

“Especialmente no ensino primário e secundário, boa parte do aprendizado é gerado pelo diálogo entre professores e alunos”, disse Jennifer Carolan, sócia da Reach Capital, uma companhia de capital para empreendimentos cujo foco é a educação, e que investiu na Nearpod e Newsela. “Estamos empolgados com esses produtos, que estão de fato ampliando as capacidades dos professores nas salas de aula”.

 

Diversas startups de tecnologia educacional que reportaram crescimento recorde já contavam com audiências escolares consideráveis antes da pandemia. E no segundo trimestre do ano passado, quando os distritos escolares dos Estados Unidos decidiram adotar o ensino remoto, muitos apps de educação optaram pela mesma estratégia para promover o crescimento durante a pandemia: passaram a oferecer seus serviços “premium” gratuitamente aos professores, pelo restante do ano letivo.

 

“O que surgiu disso foi uma adoção em escala maciça”, disse Tory Patterson, diretor executivo da Owl Ventures, uma companhia de capital para empreendimentos que investe em startups de educação como a Newsela.

 

Quando o ano letivo chegou ao fim, ele disse, as startups de tecnologia para a educação começaram a tentar converter os distritos educacionais em clientes pagantes, e “vimos uma aceitação bastante ampla dessas ofertas”.

 

Pelo final de dezembro, escolas estavam pagando por 11 milhões de contas de estudantes na Newsela, uma elevação de cerca de 87% ante o total de contas de 2019. No mês passado, a startup anunciou ter levantado US$ 100 milhões em capital. Agora a companhia tem valor de mercado avaliado em US$ 1 bilhão, um marco que costuma ser mais comum em apps voltados a consumidores, como o Instacart e o Deliveroo, mas continua relativamente raro entre apps de educação dirigidos às escolas públicas dos Estados Unidos.

 

A Nearpod também reportou crescimento exponencial. Depois de passar a fornecer de graça seu app para aulas em vídeo, a startup viu sua base de usuários disparar para 1,2 milhão de professores, no final do ano passado – crescimento de 500% ante 2019. No mês passado, a Nearpod anunciou que havia aceitado uma oferta de aquisição do grupo Renaissance, que vende software de avaliação de desempenho acadêmico a escolas, por US$ 650 milhões.

 

Alguns gigantes da tecnologia que ofereciam serviços gratuitos a escolas também colheram recompensas, ganhando audiência e acostumando milhões de estudantes ao uso de seus produtos.

 

Por exemplo, a audiência mundial do Google Classroom, o app de distribuição de tarefas e de avaliação de trabalhos escolares e provas criado pelo Google, disparou, para mais de 150 milhões de estudantes e educadores em todo o mundo, ante 40 milhões no começo do ano passado. E a Zoom Video Communications afirma que forneceu serviços gratuitos durante a pandemia a mais de 125 mil escolas, em 25 países.

 

Mas determinar se os recursos em que os professores se acostumaram a confiar serão capazes de manter sua popularidade dependerá da utilidade que esses apps vierem a demonstrar nas salas de aula.

 

A Newsela, por exemplo, conquistou uma audiência dedicada entre os educadores, por sua flexibilidade. O app permite que eles escolham artigos sobre notícias do momento ou contos, para discussão pelos alunos, com versões diferentes do texto a depender da capacidade de leitura do estudante. Gross, o presidente-executivo da Newsela, disse que o app também oferece feedback rápido aos professores sobre o progresso de cada criança, alertando-os quanto a estudantes que possam precisar de mais atenção, quer no ensino presencial, quer no ensino remoto.

 

“Os professores começam a perceber quais foram os recursos desenvolvidos para uso tanto em sala de aula quanto no ensino remoto”, disse Gross, “e quais deles funcionam igualmente bem em ambos os ambientes”.

 

A Nearpod, cujo app oferece aulas em vídeo, também antecipa manter a presença que conquistou nas escolas, disse seu presidente-executivo, Pep Carrera. Durante a pandemia, educadores como Nesi Harold, professora de ciências na oitava série de um colégio da região de Houston, usaram os recursos do app para consultar seus alunos sobre preferências, criar testes rápidos ou recorrer a um recurso de desenho que permitia rascunhar o Sistema Solar – ferramentas digitais que funcionam na sala de aula convencional e para instrução remota.

 

“O app me permite transmitir a lição a todos os estudantes, não importa onde estejam”, disse Harold, que leciona para alunos presentes na classe e alunos remotos ao mesmo tempo.

 

Sua única queixa: ela não pode armazenar mais que algumas aulas por vez no Nearpod, porque sua escola não adquiriu uma licença.

 

“O preço continua alto”, ela disse.

 

O futuro no segmento de educação é menos claro para serviços corporativos como o Zoom, projetados para uso empresarial e adotados pelas escolas em função das necessidades criadas pela pandemia.

 

Em um email, Kelly Steckelberg, vice-presidente de finanças do Zoom, disse antecipar que as instituições educacionais invistam “em novas maneiras de comunicação virtual”, além do ensino remoto – como por exemplo o uso do Zoom para reuniões entre pais e professores, reuniões de conselhos escolares e reuniões de associações de pais de alunos.

 

Chasen, o empreendedor de tecnologia educacional, está contando com isso. Ele recentemente fundou a Class Technologies, uma startup que oferece recursos de gestão de cursos online – como listas de presença e sistemas de classificação de trabalhos escolares – para educadores e departamentos de treinamento corporativo que deem aulas ao vivo via Zoom. A empresa levantou US$ 46 milhões de investidores como Bill Tai, um dos primeiros a apostar no Zoom.

 

“Não estou propondo uma metodologia de inteligência artificial nova e avançada”, disse Chasen, sobre seu novo app para salas de aula remotas. “Você quer saber de que os professores precisavam? Precisavam da capacidade de distribuir tarefas aos alunos, aplicar provas e dar notas a elas e aos trabalhos”.

 

Fonte: Folha de SP