No Roda Viva, vereadora do Psol em São Paulo Erika Hilton comenta ataques sofridos por parlamentares travestis e adverte que a “violência política contra mulheres negras e LGBTs é contra a democracia”

 

"Quando vemos o que aconteceu com Marielle, o que está acontecendo conosco nesse momento, nós entendemos a gravidade do que está acontecendo no nosso país", alerta

 

O programa Roda Viva, da TV Cultura, trouxe ao centro do debate nesta segunda-feira (1º) a vereadora Erika Hilton (Psol-SP). A parlamentar mais bem votada em 2020, com 50 mil votos, é também a primeira mulher trans e negra a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal de São Paulo. No tradicional programa de entrevistas, a vereadora disse que os ataques sofridos por parlamentares travestis, enquanto uma “violência política contra mulheres negras, LGBTs, é uma violência não da esquerda ou direita, mas uma violência contra a democracia”.

 

Os últimos dias foram marcados pela escalada de casos de violência contra vereadoras travestis. Erika comentou os fatos como algo “extremamente lamentável, preocupante e que acende um alerta principalmente para o Psol”. A entrevista se realizou poucos dias depois do Dia Nacional da Visibilidade Trans, em 29 de janeiro.

 

Episódios de ataques tornaram-se públicos no dia 26 de janeiro, quando a vereadora precisou registrar um boletim de ocorrência após se sentir perseguida por um homem identificado como “garçom reaça” dentro da Casa Legislativa. No início do mandato, a parlamentar já havia feito queixas semelhantes por conta de intimidações transfóbicas, racistas e machistas online, publicadas contra ela. Na mesma data, a covereadora Carolina Iara, da Bancada Feminista do Psol em São Paulo, travesti e intersexo, denunciou à Polícia um atentado político. Sua casa foi alvejada por dois tiros disparados durante a madrugada da terça-feira (26). 

 

Em menos de uma semana dos dois casos, a covereadora integrante do mandato coletivo Quilombo Periférico, Samara Sosthenes, também do Psol em São Paulo, foi a nova vítima do que pode ser mais um caso de violência política. Um homem em um motocicleta efetuou disparo de arma de fogo em frente à sua casa no domingo (31). Apesar das ligações, tanto o caso de Carolina como o de Samara foram abertos como ocorrência por “disparo de arma de fogo” e “dano”, nenhum por ameaça. Mas seguem sendo investigados pela política. 

 

Investigação dos casos

Para Erika, ainda é cedo para dizer qualquer coisa sobre a possibilidade desses ataques políticos serem direcionados ao partido que representam. Ou se eles estão relacionados ao fato das três vereadoras serem travestis e periféricas. 

 

“Estamos em um momento em que precisamos garantir a segurança das nossas parlamentares e coparlamentares, para que possamos fazer política. Eu sou uma mulher eleita democraticamente, preciso exercer meu mandato, fazer história na cidade de São Paulo e implementar políticas públicas. Não posso me sentir coagida, ameaçada e intimidada, porque isso acaba inibindo a minha atuação. Esse é o momento em que precisamos desvendar quais são as respostas para o que vem ocorrendo”, ressaltou na entrevista. 

 

“Nós precisamos que as autoridades investiguem, que deem respostas à altura do que está acontecendo. Não podemos permitir que não haja sérias investigações acerca do que aconteceu”, completou. 

 

Prevenção à violência é o método 

A escritora Helena Vieira, no entanto, questionou se para além da cobrança por investigação e punição, como o Brasil pode atuar para construir medidas de prevenção à violência política de gênero. Ela advertiu, a partir de um recorte histórico, que o país está no topo do ranking de morte de ativistas pelos direitos humanos. 

 

Em 2017, foram registrados assassinatos de 67 ativistas. Em seguida, em 2018, o Brasil vitimou outras 23 pessoas. Incluindo a vereadora Marielle Franco (Psol-RJ), morta em 14 de março em um crime político que ainda não respondeu sobre quem são os mandantes. Um ano depois, mais 23 ativistas foram executados, colocando o país na 4ª posição dos mais violentos para quem atua na defesa das garantias fundamentais. Todos os dados fazem parte do relatório anual da organização Front Line Defenders. 

 

O risco é que essa escalada de violência e perseguição contra parlamentares, que são mulheres trans e negras, possa afastar a candidatura desses grupos no próximo pleito.

 

“Quando vemos o que aconteceu com Marielle, o que está acontecendo conosco nesse momento, nós entendemos a gravidade do que está acontecendo no nosso país. E prevenir é a melhor metodologia”, aposta Erika Hilton. 

 

Violência contra a democracia

Para a vereadora, é prezar pela prevenção tanto quanto potencializar e fortalecer iniciativas da sociedade civil, como o Instituto Marielle Franco, e as comissões da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). São elas, segundo Erika, que advertem como “a violência política contra as mulheres negras, LGBTs, é uma violência não da esquerda ou da direita, é uma violência contra a democracia, contra a liberdade de expressão, que atinge a sociedade como um todo”. 

 

“São outras esferas da sociedade, institutos, que vão garantir isso quando a política quiser ‘fazer a louca’ e fechar os olhos para a brutalidade do que está acontecendo. Mas a sociedade poderá enxergar e ouvir (o que está acontecendo). E nós não tenhamos mais medo de ocupar um lugar que deve ser nosso e que é nosso. Porque a democracia é sobre a pluralidade e quando nós não estamos na política não há democracia”, declarou a vereadora do Psol. 

 

Eleição da Câmara: Lira

Erika também opinou sobre a eleição do deputado federal Arthur Lira (PP-AL), eleito presidente da Câmara, enquanto o programa era transmitido. Logo no começo do Roda Viva, a parlamentar havia admitido que o impeachment do presidente Jair Bolsonaro era o “único caminho para a retomada de um diálogo democrático na sociedade”. Com a chegada de Lira ao comando da Casa, com 302 votos, em primeiro turno, a análise de Erika é que a pauta do impeachment seja dificultada, uma vez também que o deputado é aliado e foi apoiado por Bolsonaro para ser eleito. 

 

Um cenário “perigoso”, conforme descreve a vereadora. Mas que também “serve de alerta”. “O impeachment pode ser a saída mais rápida, constitucional e legítima para a situação que estamos vendo no Brasil. Mas precisamos também de um acordar da sociedade, de um levante popular. De fortalecer os trabalhadores e trabalhadoras, as periferias, a juventude para que se sintam e se vejam dentro da política e sejam a linha de frente do combate”, propôs.

 

Entre avanços e retrocessos, ela comentou que a própria esquerda, embora minoritária nas Casas Legislativos, não deve refutar o papel de defender uma agenda também propositiva. “Estamos sim em um momento crítico, avassalador da história da política, um retrocesso absurdo. Mas teremos sim que avançar, encontrar estratégias, buscar respostas para avançar. Não podemos ficar numa agenda que só vai fazer obstruções. Esse é o momento de obstruções, de segurar o que temos, mas precisamos avançar”. 

 

Programa histórico

A parlamentar também falou das cicatrizes e do afeto, que marcaram sua história de ascensão na política. Assim como ressaltou que a legitimidade da vida “travestigênere” – termo cunhado por ela e a ativista Indianara Siqueira – passa para além da violência e está na exposição das conquistas e talentos dessa população. O programa desta segunda foi considerado “histórico”. Em mais de 30 anos de exibição, essa foi apenas a segunda vez que uma mulher transexual esteve no centro da roda de entrevista, que já contou com a participação da cartunista Laerte Coutinho. Além disso, pela primeira vez o Roda Viva teve em sua bancada um jornalista trans, o repórter Caê Vasconcelos, da Ponte Jornalismo, e a escritora Helena Vieira, mulher trans, que também fez parte do time de entrevistadores. 

 

Fonte: Rede Brasil Atual

 

 

 

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