Alta da inflação, fim do auxílio emergencial e evolução da pandemia prejudicam setor

 

As vendas no varejo devem continuar fracas neste início de ano com a corrosão na renda das famílias provocadas pela alta da inflação e pelo fim do auxílio emergencial. Mesmo que o benefício assistencial seja renovado, a expectativa é que seja um programa mais restrito.

 

Pesam também o ritmo do programa de vacinação e o recrudescimento da pandemia e das medidas de distanciamento social, voluntárias ou não.

 

Entre economistas, há a avaliação de que o aumento do crédito, o desembolso de parte do dinheiro poupado durante a pandemia e o avanço do programa de imunização possam amenizar esse cenário negativo.

 

O varejo brasileiro terminou 2020 com crescimento de 1,2% nas vendas, mesmo com o impacto da Covid-19, informou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta quarta-feira (10).

 

O dado, no entanto, veio abaixo da expectativa do mercado, que esperava que o setor encerrasse o ano com alta de 5,5%, segundo analistas ouvidos pela Bloomberg. O crescimento observado também foi o mais fraco nos últimos quatro anos.

 

Apenas em dezembro o recuo foi de 6,1%, em pleno mês de festas.

 

Reportagem da Folha do último sábado (6) mostrou que indicadores econômicos já apontam para uma queda da atividade em janeiro. O índice de vendas no varejo amplo da Getnet, por exemplo, indicou queda de 10,9% em relação a dezembro.

 

“A gente prevê um início de ano mais fraco em termos de atividade econômica. Isso intensifica e fortalece a nossa visão de um primeiro trimestre com retração do PIB. Se em dezembro o varejo teve esse desempenho muito ruim, imaginamos que o início de ano seja mais difícil”, afirma a economista Luana Miranda, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

 

“Com inflação mais alta e sem auxílio, que no ano passado distribuiu R$ 295 bilhões, esse ano terá uma queda real grande da renda, e isso deve acontecer ao longo do primeiro trimestre na ausência de continuidade do benefício."

 

Écio Costa, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), afirma que o resultado eleva a pressão pela volta do auxílio.

 

“Ainda mais com a pandemia ainda em alta, 1.000 mortes por dia, e o setor de serviços sem contratar. Tudo bem recolocar o auxílio, mas vai trazer impactos fiscais, tornando o problema mais elevado se não tiver as reformas que estamos esperando para reduzir gastos. Isso pode virar uma bomba e fazer com que a [taxa básica] Selic suba além dos 3,5% esperados", afirma.

 

Lisandra Barbero, economista da XP, diz que a perda de ímpeto no mês pode ser justificada pela antecipação do consumo de bens semiduráveis e duráveis durante a pandemia, que reduziu as compras típicas de final de ano. A redução do auxílio emergencial também ajudou a explicar essa dinâmica.

 

 

“Para 2021, entendemos que o setor deve continuar perdendo fôlego, em meio à alta da inflação de alimentos e principalmente à redução dos incentivos fiscais. No entanto, sinais de aumento da poupança circunstancial por parte das famílias mais ricas e condições de crédito positivas podem ajudar a preencher parcialmente essa lacuna.”

 

O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, afirma que a variação trimestral das vendas no varejo é uma boa antecipação do consumo das famílias no PIB, o que sugere consumo extremamente frágil no quarto trimestre de 2020.

 

“O sinal que as vendas no varejo dá é desanimador, principalmente dado que as transferências de renda do programa emergencial acabaram na virada do ano”, diz.

 

“A pressão para a volta de algum programa emergencial de transferência de renda vai se tornar insuportável. Melhor seria uma mudança minimamente organizada, a partir de uma postura crível do governo, ou melhor, do Ministério da Economia.”

 

Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, o dado mais fraco de dezembro aumenta as incertezas com relação aos próximos passos das políticas fiscal e monetária, com a pressão maior pela volta do auxílio e um consequente receio pelo risco de elevação da inflação.

 

“De um lado, a fraqueza das vendas sugere que o nível de ociosidade deve seguir alto por algum tempo. Com isso, a demanda pressionaria pouco a inflação, sugerindo a manutenção dos juros em patamar ainda baixo até março”, afirma.

 

“Por outro lado, caso os setores de varejo e serviços tenham sua trajetória de recuperação comprometida, o impacto no desemprego trará uma pressão política ainda maior pela extensão do auxílio emergencial. Nesse caso, o maior risco fiscal e a elevação do dólar trariam uma nova rodada de repasses inflacionários para os bens comercializáveis, como alimentos, de forma similar ao que aconteceu no ano passado, possivelmente prescrevendo uma elevação dos juros pelo Banco Central.”

 

João Leal, da Rio Bravo Investimentos, também vê uma pressão maior pelo auxílio. "Um consumo menor do que o esperado em dezembro deve pressionar mais ainda o Congresso e governo. Está virando realidade, pois a retirada do auxílio teve impacto relevante na piora do varejo em dezembro", afirma.

 

Para a equipe do economista José Márcio Camargo, da Genial Investimentos, o resultado de dezembro bem abaixo das expectativas corrobora as preocupações com os dois vetores de baixa para o setor no primeiro trimestre deste ano, o choque na inflação de alimentos, prejudicando o setor de hiper/supermercados, e o fim do auxílio emergencial e a perspectiva de um programa de transferência de renda bem mais tímido este ano.

 

 

Levantamento da CNI (Confederação Nacional da Indústria) mostra recuo do índice de confiança do empresário industrial nos meses de janeiro e fevereiro deste ano.

 

“A percepção do estado atual da economia brasileira e das empresas é de melhora na comparação com os últimos seis meses, mas essa visão já foi mais forte e disseminada entre os empresários. É um indicador para ser acompanhando, pois o otimismo é importante para estimular a produção, o investimento e a geração de empregos. Esses fatores são fundamentais para a continuidade da recuperação econômica”, afirma o gerente de Análise Econômica da CNI, Marcelo Azevedo.

 

Em janeiro, também houve queda nos índices de confiança de consumidores e do comércio medidos pela Fundação Getulio Vargas.

 

Fonte: Folha de SP