O governo Bolsonaro bloqueou mais R$ 344 milhões. Isso ocorreu seis horas após o MEC liberar o uso da verba. Em junho, havia bloqueado R$ 438 milhões. A UFABC, no ABC paulista, perdeu agora R$ 7 milhões, deixando a universidade em situação inédita em 16 anos de instituição
As universidades federais de todo o país não terão dinheiro para pagar contas de luz, água, serviços de limpeza e segurança que vencem neste mês de dezembro. Faltam recursos também para bolsas e auxílios para estudantes. “De forma estarrecida, vimos comunicar que as medidas do Governo Federal, em relação às operações financeiras das universidades federais, culminaram na inviabilidade imediata do cumprimento dos pagamentos de bolsas e serviços nas instituições de ensino superior do Brasil”, diz a reitoria da Universidade Federal do ABC (UFABC) em trecho de nota à comunidade universitária divulgada nesta segunda-feira (5). A universidade foi criada no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
“Desse modo, neste mês de dezembro, mantidas as medidas, a UFABC não conseguirá pagar nenhuma das modalidades de bolsas e auxílios estudantis vigentes e nenhum dos serviços da Universidade já executados no mês de novembro (limpeza, segurança, fretado, energia elétrica, água, etc.). Trata-se, lamentavelmente, de um montante de mais de R$ 7 milhões que foi abruptamente retirado da governança da Universidade, gerando uma situação com envergadura jamais ocorrida ao longo destes 16 anos da instituição”, diz outro trecho do comunicado (confira íntegra no final da reportagem).
Segundo a associação que representa os reitores das universidades (Andifes), o governo “zerou o limite de pagamento das despesas discricionárias do Ministério da Educação previsto para o mês de dezembro”. No total, o governo de Jair Bolsonaro (PL) voltou a bloquear R$ 344 milhões em recursos das universidades federais. Isso ocorreu seis horas após o Ministério da Educação (MEC) liberar o uso da verba.
Em 28 de novembro, durante o jogo da seleção, o governo informou bloqueio de R$ 1,4 bilhão na Educação, sendo que deste valor, R$ 344 milhões seriam retirados das contas das universidades. No dia 1º de dezembro, após manifestação da Andifes e de diferentes entidades da educação, a pasta informou que restituiria os limites de empenho dos recursos. Na prática, significava reestabelecer os valores para que as universidades pudessem usar os recursos para pagar contas de serviços já fornecidos, como água, luz, segurança e contratos terceirizados.
Bloqueio zera contas das universidades federais
Poucas horas após o MEC restituir os limites de empenho, na noite de 1º de dezembro, o governo voltou a bloquear os recursos. Para isso editou o Decreto 11.269 e o MEC informou aos órgãos vinculados à pasta que “zerou o limite de pagamento das despesas discricionárias do Ministério da Educação previsto para o mês de dezembro”.
Segundo a associação dos reitores, o bloqueio ocorre em um período no qual as universidades já enfrentavam grandes dificuldades para o pagamento desses compromissos assumidos. Isso porque já havia a retirada anterior de R$ 438 milhões, realizada em junho passado.
“De maneira inacreditável, as universidades e os institutos federais viram acontecer uma reviravolta na questão do bloqueio de seus recursos. De um lado o Ministério da Educação restituiu os limites dos nossos gastos, de outro, o Ministério da Economia simplesmente retirou os recursos. É uma situação absolutamente inédita, e nos deixa sem recursos e sem possiblidade de honrar os gastos das universidades, inclusive bolsas, conta de luz e água, coleta de lixo, e nossos terceirizados”, afirmou em vídeo publicado nesta sexta-feira, 2 de dezembro, o presidente da Andifes, reitor Ricardo Marcelo Fonseca (UFPR).
Este bloqueio mais recente alcançou, inclusive, empenhos que já tinham sido feitos. “A máquina pública precisa continuar girando, e as universidades precisam manter seus compromissos. Estamos na esperança e no diálogo para que esta situação seja revertida, por sua imensa gravidade, o mais breve possível”, destacou Fonseca.
Confira íntegra do comunicado da reitoria da UFABC
Medidas e cortes inéditos do Governo Federal agravam situação das universidades e inviabilizam pagamento de bolsas e serviços já neste mês de dezembro
Estimada comunidade universitária,
O cenário gerado pelas últimas movimentações governamentais imobilizaram qualquer capacidade de operações internas para reversão deste drástico quadro. Na última sexta-feira, ainda durante o jogo do Brasil, a Reitoria da UFABC oficiou autoridades do Ministério da Educação (MEC), explicitando a grave situação decorrente das referidas operações do Governo e reivindicando medidas imediatas capazes de reverter este cenário.
Em um trecho do documento, a Reitoria enfatizou: “Preocupa-nos, em especial, o pagamento das bolsas e dos auxílios e dos contratos que envolvem serviços terceirizados, pois causarão impacto direto na subsistência de discentes e dessas trabalhadoras e trabalhadores. Clamamos pela solução deste problema, para que possamos honrar os compromissos legalmente assumidos, e para garantirmos que não haja vulnerabilização dessas pessoas de nossa comunidade universitária”.
Ao que tudo indica, a gravidade do contexto de cortes também se estende às instituições de fomento à pesquisa, como CAPES e CNPQ, que já indicaram impactos no pagamento de bolsas. Ainda aguardamos dos órgãos, informações oficiais e detalhadas sobre este assunto.Gestoras e gestores das Universidades Federais de todo o país, por meio da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), estão, de modo permanente e incansável, mobilizados e em interlocução com atores políticos e governamentais para reverter a gravíssima situação em que foram colocadas estas instituições.
Nesta semana, dirigentes, incluindo da UFABC, estarão em Brasília para tratar, incisivamente, do cenário devastador que se apresenta. Em caráter de urgência, ainda nesta terça-feira, 6 de dezembro, a equipe de gestão da UFABC se reunirá com entidades representativas das categorias da instituição para avaliar os impactos imediatos dos cortes na comunidade interna, sobretudo em relação às e aos estudantes e trabalhadoras(es) terceirizadas(os). A Reitoria manterá a comunidade atualizada sobre a situação e conclama a todas e todos a mobilizarem-se, no sentido de reverter o cenário atual e de manter a permanente defesa das universidades públicas brasileiras, que são patrimônio nacional.
Entenda como as ações do Governo Federal nos últimos dias inviabilizaram pagamentos de bolsas e serviços das Universidades
Foi publicado, em Edição Extraordinária do Diário Oficial da União de 30 de novembro de 2022, o Decreto nº 1.269/2022, que altera o Decreto nº 10.961, de 11 de fevereiro de 2022. Este decreto e suas atualizações dispõem sobre a programação orçamentária e financeira e estabelecem o cronograma de execução mensal de desembolso do Poder Executivo federal para o exercício de 2022.Com a publicação do Decreto, na noite de quinta-feira (01/12/2022) a Setorial Financeira do Ministério da Educação, por intermédio da Subsecretaria de Planejamento e Orçamento (SPO/MEC), enviou Comunica SIAFI nº 2022/3095354, informando que o novo Decreto zerou os limites de pagamentos das despesas discricionárias do MEC. Ainda de acordo com o Comunicado da SPO/MEC, o governo indicou que não liberará mais recursos financeiros para pagamento das despesas, mesmo das já contratadas e executadas.
Além disso, o mesmo decreto impôs novo corte do orçamento, efetuado também na quinta-feira (01/12) e comunicado no dia seguinte, por meio do Comunica SIAFI nº 2022/3098060, no valor de R$ 3.559.818,00. Tal ação impossibilita a emissão de novos empenhos para as licitações/contratações que já estavam em andamento e deixa o saldo orçamentário negativo. Esse bloqueio representa 6,8% do orçamento da UFABC, o que somados aos 7,2% cortados em junho, perfazem 14% de redução.Ou seja, basicamente, o que está determinado no decreto é que o Governo retira a autorização, já dada em decretos anteriores, de empenho de parte importante do nosso orçamento, e inviabiliza o passo seguinte da execução orçamentária, que é a conversão destes empenhos em pagamentos a bolsistas e fornecedores.
Focando apenas nos pagamentos dos próximos dias, que dependem exclusivamente do repasse do MEC, até 02/12/2022 a UFABC totalizava R$ 7.388.926,65 em contas a serem pagas, sendo esta uma operação que sempre acontece depois do empenho emitido e dos serviços executados. Desse montante, R$ 6.637.723,25 são para pagamento de notas fiscais a fornecedores/prestadores de serviços e R$ 751.203,40 para pagamento de bolsas e auxílios. Nossa expectativa era receber parte desse recurso ainda na sexta-feira (02/12) para efetuar os pagamentos de despesas básicas (bolsas, auxílios, fornecedores de bens, prestadores de serviços, concessionárias, etc). Contudo, não recebemos nenhum recurso financeiro e tanto o Decreto, quanto o Comunica SIAFI indicam que não receberemos mais recursos em 2022, inviabilizando o pagamento desses compromissos.
Ao longo do ano tivemos oportunidades de discutir o orçamento da Universidade e passamos por situações que mostravam que este seria um ano delicado, mas a situação atual é de extrema gravidade, colocando em risco as Universidades Federais e, consequentemente, a formação qualificada de profissionais e a produção de conhecimento científico. Reiteramos que manteremos a comunidade universitária atualizada sobre quaisquer novas movimentações referentes à situação financeira e orçamentária das universidades federais e seus impactos no cotidiano da UFABC.
Cordialmente,
Reitoria – Universidade Federal do ABC
Fonte: Rede Brasil Atual