Ex-presidente da CNTI e da CGT na década de 60, Clodsmidt Riani coleciona mais uma conquista após driblar o coronavírus
Clodsmidt Riani nasceu no dia 15 de outubro de 1920, em Rio Casca, na Zona da Mata de Minas. Portanto, no último dia 15 ele completou 100 anos de muitas lutas como sindicalista e, recentemente, contra o coronavírus, superado em setembro após ser internado num hospital de Juiz de Fora. Filho de Orlando e Maria, ele herdou do pai, um ferroviário da Leopoldina Railway Company, a disposição de luta e a consciência sobre as injustiças sociais e a importância de estar ao lado da classe trabalhadora.
Pai de dez filhos com Norma Geralda Riani, depois de passar dez dias internado no hospital da Unimed em Juiz de Fora, por causa de uma contaminação da COVID-19 e uma infecção pulmonar bacteriana, o sindicalista recebeu alta no dia 31 de setembro, quando deixou a unidade hospitalar sem precisar de atendimento de UTI, apesar da idade.
“A vida de luta do pai é como a de um guerreiro. É uma lição de vida. Um homem que ficou preso de 1964 até 1971, sempre lutou pelos direitos, chegou aqui e enfrentou uma pneumonia e a Covid-19 e venceu”, disse o filho Orlandsmit Riani na ocasião ao portal Estado de Minas.
Depois de uma carreira sindicalista e política iniciada em Juiz de Fora que culminou com sua eleição para o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e longos anos de prisão durante a ditadura, Riani foi eleito vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), em 1960, na chapa encabeçada por Deocleciano de Holanda Cavalcanti, durante o III Congresso Nacional dos Trabalhadores, realizado no Rio de Janeiro em agosto daquele ano. Ele defendeu, então a criação do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), que reuniria todos os sindicatos brasileiros. No segundo dia dos trabalhos Deocleciano Cavalcanti e grande parte da mesa diretora, que se opunham à ideia, retiraram-se da reunião, dando o congresso por encerrado. Mas, com Riani na presidência, o plenário aprovou a formação do CGT.
Rica biografia
O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas elaborou uma minuciosa biografia de Clodsmidt Riani que vale ser conferida no pé deste texto. Em 1961, ele assumiu a presidência do diretório do PTB em Juiz de Fora. Como deputado estadual pelo partido, ajudou na preparação do Iº Congresso Nacional Camponês, realizado em Belo Horizonte, e convenceu o então presidente João Goulart, de quem era aliado, a presidir a sessão solene de abertura ao lado do primeiro-ministro Tancredo Neves.
Eleito presidente da CNTI em dezembro de 1961, Riani representou os trabalhadores brasileiros na conferência da OIT, em Genebra, Suíça, onde apoiou os delegados dos países africanos, que abandonaram a reunião em protesto contra a política do apartheid praticada pela África do Sul.
Já como vice-presidente do CGT, criado em agosto de 1962, Riani empenhou-se juntamente com o presidente da entidade, Dante Pellacani, na imediata concretização do programa de reformas de base, lançando mão de diversas formas de mobilização, particularmente a greve.
Na eleição de outubro de 1962 Riani reelegeu-se deputado estadual, pelo legenda do PTB. Em maio, nas eleições do CGT, assumiu a frente da entidade. Em setembro, o CGT apoiou a revolta de sargentos deflagrada em Brasília e foi acusado pelo ministro da Guerra, general Jair Dantas Ribeiro, de ter sido responsável pelo seu desencadeamento. No mês seguinte, à campanha pelas reformas de base somaram-se as reivindicações pela legalização do CGT e por um aumento de 100% no salário mínimo.
Em novembro de 1963, Riani participou em São Paulo da fundação do Pacto de Ação Conjunta (PAC), congregando quatro federações de trabalhadores na indústria e 80 sindicatos de trabalhadores, representando ao todo 700 mil operários de diversas categorias empenhados na luta.
Eleito adjunto do conselho administrativo do Bureau Internacional do Trabalho (1963-1966) e reeleito presidente da CNTI (1964), assinou o manifesto aos trabalhadores e ao povo em geral convocando para o comício de 13 de março de 1964, no Rio de Janeiro, em frente à estação Dom Pedro II da Estrada de Ferro Central do Brasil, onde foram defendidas a implantação das reformas de base, as liberdades democráticas e sindicais e a extensão do voto aos analfabetos e soldados. O ato reuniu milhares de pessoas e contou, entre os oradores, com líderes políticos, judiciais e estudantes, sendo presidido por João Goulart, em uma de suas últimas manifestações como chefe de governo.
Diante do movimento civil-militar que em 31 de março de 1964 depôs o presidente constitucional, Riani tentou organizar uma greve geral, tendo sido desaconselhado por João Goulart, sob o argumento que a situação voltaria ao normal “dentro de pouco tempo”. A precária comunicação entre os líderes da CNTI impediu-o de sustar a paralisação, cujo alcance revelou-se medíocre. Dias depois, foi preso em Juiz de Fora e teve seus direitos políticos suspensos por dez anos por força do Ato Institucional nº 1 (AI-1), promulgado no dia 9 de abril de 1964. Em abril de 1964 a CNTI sofreu intervenção federal, sendo entregue a uma junta governativa.
Em setembro de 1965 o Superior Tribunal Militar (STM) concedeu habeas corpus que o autorizou Riani a sair do Batalhão da Polícia Especial do Exército, no então Estado da Guanabara. Transferido para a 4ª Região Militar, em Juiz de Fora, assinou o termo de liberdade, mas foi logo detido ao deixar o foro castrense. De volta ao Rio de Janeiro, submeteu-se a um Inquérito Policial-Militar (IPM) instaurado para apurar irregularidades na CNTI e que o acusava de apropriação indébita de recursos.
Condenação
Enquadrado pela Lei de Segurança Nacional como subversivo, foi condenado em dezembro de 1965 a 17 anos de prisão. Em julho de 1966 teve a pena reduzida para dez anos pelo STM e, dois anos depois, graças a recurso acolhido pelo Supremo Tribunal Federal, para um ano e dois meses. Foi então libertado, pois já estava preso há quatro anos e dois meses, e retornou ao trabalho na Companhia Mineira de Eletricidade.
Contudo, os problemas com a Justiça não haviam terminado, em decorrência do IPM da CNTI, que continuava sob intervenção. Em agosto de 1969 recebeu voz de prisão e, processado em outubro, foi condenado a dois anos de reclusão, sendo levado para o presídio da ilha Grande (RJ). Após cumprir um ano e seis meses da pena foi posto em liberdade por bom comportamento. De volta a Juiz de Fora e à Companhia Mineira de Eletricidade, retomou os estudos, completando o curso técnico de eletrotécnica, em novembro de 1972, no Colégio Estadual Sebastião Patrus de Sousa.
Reassumiu as atividades sindicais em fevereiro de 1979, ao ser eleito vogal do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Energia Hidrelétrica de Juiz de Fora na 1ª Junta de Julgamento e Conciliação da Justiça do Trabalho. Após a anistia, em agosto, filiou-se ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
Em março de 1980 elegeu-se delegado do Sindicato dos Trabalhadores em Energia Hidrelétrica de Juiz de Fora junto ao Conselho de Representantes da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas de Minas Gerais. Em agosto de 1981 participou da I Conferência Nacional da Classe Trabalhadora, realizada em Praia Grande (SP).
Deputado
No pleito de novembro de 1982 elegeu-se deputado estadual pelo PMDB. Empossado em março do ano seguinte, integrou a Comissão de Assuntos Municipais na Assembleia Legislativa (1983-1984). Em maio de 1983 viajou para o Rio de Janeiro, onde participou dos trabalhos do 8º Congresso Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas e, em dezembro de 1984, formou-se em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas Viana Júnior, de Juiz de Fora.
Candidatou-se à reeleição em outubro de 1986, obtendo uma suplência. Deixou a Assembleia ao término da legislatura, em janeiro de 1987. Afastado da vida pública, dedicou-se à advocacia trabalhista.
Em junho de 1994 a Assembleia Legislativa mineira reconheceu ter agido sob motivação política ao cassar seu mandato, em 1964, e reabilitou-o, assegurando-lhe os direitos previstos pela lei. Em agosto, o XIII Congresso Nacional dos Trabalhadores Urbanitários, realizado em Brasília, nomeou-o presidente de honra da Federação Nacional dos Urbanitários, filiada à Central Única dos Trabalhadores.
Tendo recusado os cargos de assessor presidencial, vogal da Justiça do Trabalho e ministro do Tribunal Superior do Trabalho, nunca manifestou outro interesse senão o de prosseguir na luta trabalhista.
Aloísio Morais é jornalista
Fonte: Vermelho