Militante bolsonarista diz que é 'presa política' e recebe apoio de Olavo de Carvalho. Lei prevê como crime lesar ou 'expor a perigo de lesão' regime democrático e chefes dos Poderes.
“Pois você me aguarde, senhor Alexandre de Moraes. Nunca mais vai ter paz na sua vida. A gente vai infernizar sua vida", disse Sara Winter em vídeo de abril.
“Crime de opinião”? Ou calúnia, injúria, atentado contra o Estado Democrático de Direito? O que levou à prisão temporária de militantes bolsonaristas na segunda-feira (15) pela Polícia Federal?
No perfil da militante Sara Giromini, conhecida como Sara Winter, líder do grupo chamado “300 do Brasil”, no Twitter, seus apoiadores classificam sua prisão como “política”. No entanto, Winter e outros 5 bolsonaristas são investigados por crimes previstos na Lei de Segurança Nacional, como lesar ou “expor a perigo de lesão” “o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito” ou “a pessoa dos chefes dos Poderes da União”.
O grupo de Winter foi responsável por um protesto que, na noite do último sábado, lançou fogos de artifício em direção ao prédio do STF (Supremo Tribunal Federal). Antes disso, a militante chegou a fazer ameaças diretas ao ministro do STF, Alexandre de Moraes, que tinha autorizado mandado de busca e apreensão em sua casa, dentro do inquérito que apura a organização de atos antidemocráticos.
Há pouco, grupos de manifestantes do acampamento "300 pelo Brasil" lançou fogos de artifício em direção ao Supremo Tribunal Federal, na Esplanada dos Ministérios. O governador do DF, Ibaneis Rocha, decretou o fechamento da Esplanada dos Ministérios para evitar ataques.
A defesa dela nega a acusação. Ao Metrópoles, os advogados Bertoni Barbosa de Oliveira e Renata Tavares afirmaram que a prisão é ilícita e que se refere a uma ação que nunca existiu. “Temos diversos álibis, testemunhas, filmagens da Esplanada, de colegas e outros canais”, disse.
O especialista em direito penal e constitucional Acácio Miranda da Silva Filho explica, contudo, que, no âmbito Lei de Segurança Nacional (LSN), há elementos que sustentam a prisão temporária. Ele destaca que a prisão temporária, com prazo de 5 dias, é vinculada exclusivamente aos atos investigatórios. “Serve para que sejam apurados crimes que supostamente são atribuídos àquela pessoa.”
“Feito esse panorama, a prisão temporária não é excessiva. É uma prisão legal. Se posteriormente essa prisão for convertida para preventiva, eu acho que adentraríamos a seara da ilegalidade. A seara do excesso. Mas a prisão temporária neste momento, principalmente por conta das pautas que ela defende, torna a prisão legal.”
A própria PGR (Procuradoria-Geral da República) no pedido de prisão, atendido pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, esclarece que o objetivo da prisão temporária é ouvir “como funciona o esquema criminoso”. Horas após a prisão, na tarde de segunda-feira (14), a militante prestou depoimento à Polícia Federal.
Guru ideológico do governo, Olavo de Carvalho saiu em defesa da militante e pediu ao presidente que se solidarize. Ele pediu que Bolsonaro “no mínimo” visite na cadeia quem está preso por, na visão de Carvalho, fazer a defesa do governo. Além de Sara, há outras 5 pessoas que não tiveram os nomes divulgados e dois apoiadores de Bolsonaro que fizeram protesto em frente à casa de Alexandre de Moraes no fim de maio em São Paulo.
Olavo de Carvalho, no entanto, elogiou a decisão do Ministério da Justiça de usar a mesma Lei Nacional de Segurança para para pedir uma investigação contra o jornalista Ricardo Noblat, colunista da Veja, por ter publicado no Twitter uma charge, do cartunista Aroeira, na qual o presidente aparece junto com uma suástica, símbolo do nazismo.
Ato recorrente
Além de costumar defender o fechamento do STF em protestos, Sara Winter, que tem pseudônimo em referência a uma espiã nazista, tem feito o mesmo em relação ao Congresso Nacional. Bolsonaro chegou a participar de alguns desses protestos. No sábado (13), quando a polícia desmontou o acampamento do “300” na Esplanada dos Ministérios, a militante disparou: “Vocês tiram nossa casa, que nós tiramos o Congresso”. Aos gritos de “acabou, porra”, os manifestantes do grupo pediam intervenção militar e o fechamento do Parlamento.
A militante já havia sido alvo de um mandado de busca e apreensão no âmbito de outro inquérito do Supremo, o das fake news, no qual ela também é investigada. Foi então que ela fez vídeos com ataques diretos a Alexandre de Moraes, relator da ação na corte. “Pois você me aguarde, senhor Alexandre de Moraes. Nunca mais vai ter paz na sua vida. A gente vai infernizar sua vida, vamos descobrir os lugares que o senhor frequenta, a gente vai descobrir quem são as empregadas domésticas que trabalham para o senhor”, afirmou a militante em gravação.
Em 2018, o ministro Alexandre de Moraes pediu à PGR, também por crime contra a segurança nacional, uma apuração sobre a declaração de Eduardo Bolsonaro, filho 03 do presidente, de que para fechar o STF “basta um soldado e um cabo”. À época, o ministro afirmou que a fala se encaixava na LSN por provocar animosidade entre o Judiciário e as Forças Armadas.
“Estas afirmações merecem por parte da Procuradoria-Geral da República, merecem imediata abertura de investigação porque, em pese se deva analisar o contexto da declaração, isso é crime da Lei de Segurança Nacional, artigo 23 inciso III, incitar a animosidade entre as Forças Armadas e instituições civis. Isso é crime previsto na Lei de Segurança Nacional”, disse, na ocasião.
Moraes acrescentou que “é algo inacreditável que no Brasil, no século 21, com 30 anos da Constituição, ainda tenhamos que ouvir tanta asneira de um representante público”.
Lei de Segurança Nacional
Art. 1º - Esta Lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão:
I - a integridade territorial e a soberania nacional;
Il - o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito;
Ill - a pessoa dos chefes dos Poderes da União.
Art. 2º - Quando o fato estiver também previsto como crime no Código Penal, no Código Penal Militar ou em leis especiais, levar-se-ão em conta, para a aplicação desta Lei:
I - a motivação e os objetivos do agente;
II - a lesão real ou potencial aos bens jurídicos mencionados no artigo anterior.
A lei 7170/83, a LSN, é uma lei do auge da ditadura que permanece no ordenamento jurídico do País. Especialista em direito penal e constitucional, Acácio Miranda relembra que a medida foi criada com intenção de reprimir atos contra o regime militar. “É uma lei que tem certos excessos”, pondera. Ele destaca que a medida foi usada em pouquíssimos casos.
O especialista explica ainda que há uma linha que separa opinião de crime. “Quando é feito uma imputação, como chamar um ministro do STF de ladrão em um avião, como foi feito com Ricardo Lewandowski, há um crime contra a honra”, diz. Há ainda na esfera civil, os crimes de calúnia, difamação e injúria.
Em entrevista ao HuffPost, o coordenador do Observatório de Liberdade de Imprensa do Conselho Federal da OAB, o advogado criminalista Pierpaolo Bottini, disse que é preciso pedir investigação e responsabilizar civil e criminalmente esse tipo de ataque. O advogado citou como exemplo atitude dos ministros do STF de acionar a Justiça quando são hostilizados.
“Eles começaram a entrar com ação na Justiça contra as pessoas. Uma coisa é gritar e as pessoas fazerem nota de repúdio. Na hora que vem um oficial de justiça, um policial para intimar para prestar depoimento, aí perde a graça. Essa estratégia judicial começa a ser muito importante, ainda que seja estratégia de formiguinha, muito pequena”, pontuou.
Fonte: huffpostbrasil