Dado tem base em 7.933 chamadas à PM de 20 de março a 13 de abril; tendência é de alta
Grupo de mulheres faz protesto na frente do STF. Só é possível ver os pés e as sombras delas
Grupo de mulheres faz protesto na frente do STF Pedro Ladeira/Folhapress
Os pedidos de socorro emitidos de dentro de casa, envolvendo violência doméstica, tiveram um salto de 19,8% no estado de São Paulo desde o início do isolamento social decretado pelo governo paulista para conter a pandemia do novo coronavírus, mostram dados inéditos da Secretaria da Segurança Pública obtidos pela Folha.
A medição utiliza como base os atendimentos realizados pela Polícia Militar no estado entre os dias 20 de março e 13 de abril deste ano comparados com período semelhante do ano passado. Foram 7.933 nessa quarentena, contra 6.624 no ano passado. Os dados de 2019 se referem ao período de 22 de março a 15 de abril.
O governo paulista utiliza essa comparação por incluir dados contabilizados a partir de uma sexta-feira e concluídos em uma segunda-feira, tendo assim um perfil semelhantes de dias.
Os números obtidos pela Folha relevam, ainda, uma aceleração dessa violência nos últimos seis dias da análise. De 20 de março e 7 de abril, término da primeira etapa da quarentena decretada pela gestão João Doria (PSDB), esse tipo de atendimento registrou alta de 16,9% (foram de 5.076 casos para 5.933), cerca de três pontos percentuais menos do que agora. Excluídos os registros dessa primeira etapa, o crescimento salta para 29,2%: são 2.000 casos anotados neste ano em apenas seis dias, contra 1.548 no período equivalente em 2019.
Embora não abarquem todos os tipos de crimes cometidos no ambiente doméstico, os dados de atendimento da Polícia Militar são um bom termômetro do aumento da violência porque são acionamentos feitos, muitas vezes, por vizinhos ou terceiros que conseguem perceber as agressões ocorrendo, e não necessariamente pelas vítimas.
Os números da PM também são termômetros eficientes como tendência, pois atingem mesmo casos que, por motivos diversos, não chegam a ser registrados pela Polícia Civil e, assim, não entram para as estatísticas oficiais do governo, que toma como base os boletins de ocorrências.
Para a promotora Fabíola Sucasas, do grupo de enfrentamento à violência doméstica do Ministério Público de São Paulo, e assessora de Direitos Humanos da Procuradoria-geral de Justiça, embora esperados por causa de experiência internacional, os números ainda eram desconhecidos na realidade brasileira. Poderão agora ser usados para confirmar problemas do confinamento e estudar formas para tentar enfrentá-los.“A situação de confinamento é um sinal vermelho para as mulheres. E as crianças expostas a essa violência são vítimas tanto quanto”, disse ela.
Sucasas descreve duas vertentes do impacto do confinamento, que juntas multiplicam a vulnerabilidade da vítima: “O confinamento amplia o acirramento das tensões de um relacionamento abusivo e reduz as condições da mulher de conseguir ajuda”.
Os dados de atendimentos da Polícia Militar, sublinha a promotora, apontam para esse agravamento das tensões do ambiente doméstico por envolverem pedidos de socorro emergencial, quando, aparentemente, não há mais alternativa para vítima.
“Segundo informações que tivemos da Secretaria Estadual de Saúde, houve redução drástica dos relatos de violência dentro de casa. Ou seja: a mulheres não estão buscando serviços de atendimento. Elas estão acionando a polícia.”
Fabíola cita fatores como aumento do consumo de álcool, adoecimento mental (ansiedade e depressão, sobretudo) e estresse causado pela falta de recursos, todos presentes no atual período de pandemia/quarentena, como potenciais exacerbadores das tensões domésticas.
Para diretora executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, os números obtidos pela Folha são a concretização de um risco esperado. O fato de terem origem no serviço de emergência do 190 da PM, diz, reforça sua gravidade.
“Sabemos que o registro [por parte da vítima] pode ser mais difícil [no período de isolamento social], porque a mulher não consegue sair, e é difícil telefonar. Se os registros já indicam esse aumento é porque ele é real”, disse ela. Carolina afirma que apesar de uma série de esforços da sociedade civil e de algumas polícias para coibir a violência doméstica, faltam ações do governo federal.
A ministra Damares Alves, dos Direitos Humanos, chegou a citar a questão como uma de suas bandeiras, mas tomou poucas ações concretas além de fortalecer a divulgação de um número para denúncias, o 180.
“Como autoridade, não dá para dizer que é difícil e pronto. Tem que quebrar a cabeça. Apoiar, criar as redes de apoio. É um momento completamente diferente de tudo que a gente viu. Se a gente continuar buscando os mesmos jeitos de resolver os problemas, não vai resolver, porque o problema é outro.”
Um dos exemplos de medidas adotadas pela polícia para combater os casos de violência doméstica foi a alteração feita pela Polícia Civil de São Paulo no início deste mês para permitir o registro de casos de violência doméstica pela delegacia eletrônica.
De acordo com a delegada Jamila Ferrari, coordenadora das delegacias da mulher em São Paulo, o atendimento pela internet já era planejado, mas o lançamento foi antecipado por causa da pandemia. “Buscamos nos antecipar a um fenômeno que ocorreu em outros países, como China, Espanha, França e Estados Unidos, que registraram aumento no número de casos após adotarem medidas de isolamento social”, disse ela na ocasião do anúncio.
“A vítima poderá acessar o site de qualquer dispositivo conectado à internet, o que é essencial em um período em que as mulheres têm dificuldade para sair de casa.”
Segundo o capitão Nelson Cesar Rosa Vieira, chefe da seção de cidadania da Diretoria de Polícia Comunitária e Direitos Humanos da Polícia Militar de São Paulo, os casos registrados pela PM como violência doméstica são todos os previstos pela Lei Maria da Penha —o que inclui violência contra as mulheres, mas também contra crianças e adolescentes no âmbito familiar, mesmo que fora de casa.
Fonte: Folha de SP