Uma reportagem do caderno de Cultura do Estadão, publicada na quinta-feira (7), Dia do Leitor, retomou uma antiga polêmica: afinal, “quais são os livros mais lidos da história?”. Entre outros rankings, o jornal paulista retomou a célebre lista elaborada em 2012 pelo escritor e editor norte-americano James Chapman, que procurou estimar a vendagem dos maiores best-sellers num período de 50 anos (1962-2012).

 

O primeiro lugar é incontestável: a Bíblia Sagrada, com suas inúmeras versões e adaptações, segue imbatível. Nos cálculos de Chapman, já foram vendidos cerca de 3,9 bilhões de exemplares deste que é, até hoje, o livro mais comercializado do mundo e talvez (ainda) o mais influente.

 

A lista conta com seis livros de ficção – e algumas polêmicas. O terceiro mais lido, por exemplo, é Harry Potter, de J. K. Rowling, que teria vendido 400 milhões de exemplares até 2012. Seu desempenho – a exemplo do de outros livros presentes na lista, como O Senhor dos Anéis e a Saga Crepúsculo – foi turbinado depois que Potter ganhou versões hollywoodianas para o cinema.

O problema é que não se trata exatamente de um livro – mas, sim, de uma série, com sete volumes autônomos. Diferentemente de J. R. R. Tolkien – que criou O Senhor dos Anéis em três partes, mas como um livro só –, Rowling não concebeu a saga potteriana com tramas sequenciais e dependentes.

 

Claro que, se dividirmos toda a vendagem da série (400 milhões) pelo número total de livros (sete), o resultado médio – 57,1 milhões de cópias vendidas por obra – continuaria espantoso. Estaria à frente, por sinal, do próprio Senhor dos Anéis, cuja série vendeu, estima-se, 103 milhões de exemplares – ou cerca de 34,3 milhões de unidades para cada um dos três volumes.

 

Mas essas médias deixariam tanto Potter quanto Anéis abaixo de O Alquimista, de Paulo Coelho, que contabiliza 65 milhões de exemplares comercializados (há listas que falam em mais de 150 milhões). Você não leu errado: é brasileira a obra de ficção mais lida num em meio século – considerando-se, aqui, que a Bíblia não seja inteiramente ficcional. O Alquimista foi mais lido que O Código da Vinci, de Dan Brown (57 milhões) ou E o Vento Levou, de Margaret Mitchell (33 milhões).

A lista não leva em conta sucessos editoriais de períodos anteriores, como Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, que já teria vendido de 400 a 500 milhões de exemplares desde sua primeira edição, em 1605. Duas obras do século 19 podem já ter chegado à marca de 250 milhões de cópias: O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, publicado em 1844, e Um Conto de Duas Cidades, de Charles Dickens, lançado em 1859. Os dados são da Revista Bula.

 

Voltemos à lista de Chapman. Entre seus dez livros mais vendidos em 50 anos, até 2012, há uma única obra política. Não é o milenar A Arte da Guerra, que Sun Tzu teria escrito no século 4 a.C. Nem mesmo o quase pentacentenário O Príncipe (1532), de Nicolau Maquiavel. Tampouco o Manifesto Comunista (1848), de Karl Marx e Friedrich Engels.

 

O posto é de O Livro Vermelho, que foi publicado em 1964 e reúne citações do líder revolucionário chinês Mao Tsé-Tung. Sua vendagem é estimada, segundo a lista de James Chapman, em 820 milhões de exemplares – o que põe a obra na segunda colocação entre os livros mais lidos desde a década de 1960. Especialistas em China dizem que as citações maoístas podem ter ultrapassado a marca de 1 bilhão de cópias.

Houve críticos – em geral, anticomunistas – que pediram a exclusão Livrinho Vermelho da lista. A alegação: a maioria desses exemplares não foi necessariamente vendida, mas impressa por tipografias estatais da China e distribuída gratuitamente pelo governo comunista para o conjunto da população. [Como não houve nenhum tipo de ponderação dessa turma a respeito da Bíblia – o livro mais subsidiado e distribuído gratuitamente em todos os tempos –, Chapman fez bem em ignorar esses críticos.]

 

De resto, O Livro Vermelho foi traduzido para mais de 20 idiomas e figurou, por anos, entre os mais vendidos em dezenas de países da Europa, da América e até da África. “Foi o maior ícone da Revolução Cultural e a mais bem-sucedida exportação do soft power (poder brando) chinês”, resumiu o historiador alemão Daniel Leese, autor do estudo Culto a Mao – Retórica e Ritual na Revolução Cultural da China.

 

 

Já se disse, com malícia, que “a única lista que presta é sobre as que não prestam”. Mas o ranking de James Chapman, imperfeições à parte, busca revelar o que preferiram ler as duas gerações da humanidade com mais acesso a livros. Não é uma lista qualquer. 

 

 

 

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