Segundo pesquisa da UEFS, os trabalhadores pretos e pardos morreram mais precocemente em relação aos brancos

Em 20 anos, os trabalhadores negros – pretos e pardos, de acordo com a definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – foram vítimas de acidentes de trabalho mais precocemente do que os trabalhadores brancos no estado da Bahia. É o que mostrou o estudo Tendência temporal dos anos potenciais de vida perdidos por acidentes de trabalho fatais segundo raça/cor da pele na Bahia, produzido por docentes da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), publicado na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional.

A pesquisa concluiu que foram perdidos quase 65 mil anos de vida em decorrência dos acidentes de trabalho. Deste total, pouco mais de 48 mil anos foram perdidos por trabalhadores pardos. Os trabalhadores brancos perderam pouco mais de nove mil anos de vida, e os pretos, cerca de sete mil anos.

O estudo também concluiu que os trabalhadores pretos "morreram mais precocemente (idade média do óbito para pretos de 39,4 anos), assim como os trabalhadores pardos (38,9 anos), em relação aos brancos (40,6 anos)", diz o estudo. 

Felipe Souza Dreger Nery, um dos autores do estudo, afirma que a situação pode ser explicada pela inserção do negro em atividades laborais de maior risco, em atividades de baixa remuneração, com baixo acesso a equipamentos de proteção individual e coletiva e uma precarização sistemática do trabalho.

"Isso é bem crítico no Brasil, e esse estudo tem um papel social e científico importante ao quantificar e traduzir isso, porque a gente sabe que isso está na realidade. Basta a gente observar nosso cotidiano: a gente vai numa obra, na engenharia civil, em locais onde tem alta periculosidade ou insalubridade e a gente nota quem ali está inserido", diz.

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Segundo o estudo, as diferenças entre pardos e brancos "pode estar relacionada às iniquidades que integram o regime produtivo e a organização do trabalho, que produzem vulnerabilidade para negros. Pretos e pardos apresentam características socioeconômicas similares entre si e diferentes daquelas apresentadas pela população de raça/cor da pele branca", diz o relatório. "No Brasil, as oportunidades ocupacionais são restritas, de modo que a inserção no mercado de trabalho mostra-se desigual, com piores indicadores para mulheres e homens jovens e negros."

Subnotificação

Apesar de revelar informações importantes, o estudo tem limitações devido à subnotificação dos acidentes e óbitos associados ao trabalho. 

Nery explica que a declaração de óbito, por exemplo, deve ser preenchida com três variáveis importantes para a o cruzamento posterior das informações requeridas pelo estudo. A primeira é causa de morte do indivíduo. Quando a causa é violenta, existe uma segunda variável que está relacionada à circunstância, ou seja, se é homicídio, suicídio ou acidente. Sendo este último caso, deve se discriminar se é o caso decorrente de um acidente de trabalho ou não. 

"A gente espera que em toda causa básica que foi considerada acidente, essa terceira variável que se trata ou não de um acidente de trabalho deve estar preenchida. Mas a gente identificou que muitos acidentes não foram preenchidos. Apenas 25% do total de acidentes teve essa variável preenchida, ou seja, os mais de 60 mil anos perdidos por acidente de trabalho está muito subestimado", afirma Nery.

"Infelizmente a subnotificação já se inicia na circunstância. A gente já tem uma perda de dados importante sobre as circunstâncias. Temos vários dados perdidos. Não se sabe se trata ou não de um acidente. E daqueles que foram classificados como acidente, a gente ainda tem uma subnotificação sobre a informação de que se trata ou não de um acidente de trabalho."

O professor, que acredita que a subnotificação se dá em âmbito nacional, associa a subnotificação a dois fatores. O primeiro é a precarização dos trabalhadores responsáveis pelo registro completo dos acidentes e óbitos. "Muitas vezes há uma dinâmica do próprio setor de superlotação, de vários trabalhadores da saúde terem várias atribuições e isso compromete também a qualidade do preenchimento", explica.

Mas, ao mesmo tempo, não existe uma política de incentivo ou uma cultura de preenchimento adequado. "A gente precisaria conscientizar sobre a importância de identificar corretamente um acidente de trabalho ou uma doença ocupacional, de realizar diagnósticos situacionais, de fazer aquele trabalho mesmo na ponta para incentivar o preenchimento adequado destes formulários. Mas infelizmente é um problema crítico que já vem de muitos anos e que precisa ser levado mais em consideração pelas autoridades públicas", afirma.

Dados gerais

Em 2021, aumentou em 30% o registro de acidentes e óbitos associados ao trabalho em relação ao ano anterior, segundo estudo do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, do Ministério Público do Trabalho (MPT) em cooperação com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicado em 20 de julho. No total, foram comunicados 571,8 mil acidentes e 2.487 mortes no ano passado. 

O estudo do Observatório também mostrou que houve um aumento de acidentes envolvendo crianças e adolescentes associados ao trabalho. Em 2021, o crescimento foi de 19% entre as crianças de cinco a 13 anos: saltou de 88 casos para 105. Entre os adolescentes de 14 a 17 anos, o aumento foi de 46%: de 1571 para 2295 casos.

No geral, os maiores acréscimos na quantidade de notificações de acidentes se deram em Roraima (+53%), em Santa Catarina (+35%) e no Piauí (+29,9%).  Os municípios que ganharam destaque, com mais de 100 acidentes notificados, são Cafelândia, no Paraná, que registrou um aumento de 249% no número de notificações, seguido por Tangará da Serra (137%), em Mato Grosso, e Brusque (122%), em Santa Catarina.

Fonte: Brasil de Fato