Militante negro e estudantil pede para sair de reality show, após ataques sistemáticos de colegas de confinamento.
Desde o início da 21a. temporada do reality show da Rede Globo, Big Brother Brasil, lideranças políticas e sociais vêm lamentando o modo como Lucas Koka Penteado tem sido tratado dentro do confinamento pelos colegas. Com sua desistência do jogo, as manifestações têm sido de acolhida, não só pela audiência do programa, como por militantes negros, estudantis e políticos.
Conhecido pelo ativismo negro, como membro da escola de samba Vai-vai no bairro da Bela Vista (centro de São Paulo), como poeta de Slam de Hip-Hop na Praça Roosevelt, pela liderança estudantil durante a ocupação da escola estadual Caetano de Campos, também no centro de São Paulo, além da participação destacada na novela Malhação, como ator. Lucas vem sendo assediado moralmente desde que propôs uma aliança dos participantes negros para chegar à final do game show, mesmo tendo se desculpado pela proposta mal recebida pelos colegas.
Lucas foi expulso da mesa de refeições, foi isolado do convívio com os colegas, tem sido vetado em todas as disputas por prêmios, sistematicamente atacado verbalmente, ameaçado fisicamente, além de sofrer constante chacota de um grande grupo de colegas de confinamento. Toda manifestação do participante para se redimir com os colegas é tratada com ironia e desprezo, inclusivo por aqueles que se beneficiaram de sua ajuda e foram considerados seus ídolos. Ele foi atacado até por opiniões progressistas que expressou, como a defesa da vereadora carioca assassinada Marielle Franco (PSol).
Com isso, manifestações de solidariedade têm surgido de artistas, personalidades e representantes da sociedade civil em apoio ao rapaz. Houve inclusive preocupação com a saúde mental de Lucas, que chama atenção pela alopecia, a perda de cabelo por stress, entre outros motivos de saúde. Houve manifestações de incômodo com o desconforto em assistir um programa de entretenimento com manifestações explícitas de abuso psicológico, questionamentos sobre a ilicitude jurídica do comportamento de participantes, assim como manifestações de familiares preocupados com a integridade de Lucas.
A historiadora feminista e antirracista Tamara Naiz afirmou o desejo de “dar um abraço bem apertado em você, Kokinha”. “Ele ja tinha espaço entre os finalistas e no nosso coração, mas ele foi tão massacrado, perseguido, desumanizado, principalmente pelas pessoas que ele mais admirava, que duvidou de si”.
Na opinião da militante, o Big Brother Brasil mostrou “um pouco da multiplicidade das pessoas negras”, como indivíduos com opiniões distintas e polêmicas sobre política, racismo, homofobia e sexualidade. “@lucaskokapenteado você foi real, mostrou seus dilemas, seus medos, limitações, fragilidades e foi continuadamente perseguido por isso”, afirmou.
Para ela, o episódio na TV Globo é simbólico. “Lucas, seu sonho interrompido é a cara de um país interrompido, das vidas interrompidas de tantos garotos negros nesse Brasilzão. Que você e todos esses meninos tenham o direito e a oportunidade de ser quem sonham ser”.
No dia 4, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) celebrou a militância social de Lucas, ao descrevê-lo como liderança de “um verdadeiro movimento cívico na Escola Estadual Caetano de Campos e ajudou a juventude a impor uma derrota histórica ao governo tucano”. A longa ocupação de escolas estaduais visava a impedir o fechamento pelo governo de salas de aula, transferindo alunas para bairros distantes de sua residência, com o objetivo de economizar recursos educacionais.
“O resultado é que a juventude estudantil, da qual Lucas foi uma destacada liderança, impôs uma derrota histórica ao governo do estado e ao neoliberalismo dos tucanos, que governam São Paulo há quase três décadas. Por causa deles, as escolas continuam abertas e servindo ao povo. Não, isso não é ser vagabundo! Isso é ser um cidadão consciente de seus direitos e que não se curva ao poder de plantão. Olho para o Lucas Koka e lembro daquele garoto, hoje um rapaz, sabendo que é mais um jovem negro que sonha e vai atrás! À luta, meu irmão!”, escreveu o parlamentar.
A ex-presidente da UNE, Carina Vitral, dirigiu-se a Lucas, dizendo que ele “é maior que toda a tortura psicológica que viveu lá no BBB”. “Ô amigo @lucaskokapenteado , venha que aqui fora tem amor e acolhimento te esperando ❤️ vou deixar link nos stories da vaquinha pra comprar a casa da mãe do Lucas ⯑⯑”, disse ela, sobre as manifestações de solidariedade que se espalham na internet para arrecadar recursos que ele disputava no reality show.
O estudante de Economia na USP e presidente da @uneoficial, o goiano @iago_montalvao, descreveu Lucas como “um menino preto, da luta das ocupações das escolas, que passou pela mesma escola política que eu, que dava aulas de teatro na sede da UNE e a gente se esbarrava por lá”.
“O @lucaskokapenteado se mostrou como vários outros jovem com histórias parecidas, muitas experiências traumáticas, vivendo coisas com pessoas diferentes em uma casa que o tempo todo disparava vários gatilhos. Mas mostrou sobretudo sua força e humildade.
Lucas falou sobre um monte de coisa importante pra um público que talvez nunca tivesse ouvido falar disso: grêmio, movimento estudantil, defendeu a vida de Marielle, e mostrou que nada disso é defender vagabundo.
O que fizeram com Lucas foi vil, foi baixo, só demonstrou que nas relações humanas, as vezes falar ou parecer ser não corresponde ao que se é de verdade quando o assunto são ideais de igualdade que você defende.
Irmão, tu não sabe como saiu grande e o tamanho da importância disso. Aqui você terá um caminho a trilhar que será brilhante, e a revolução que você falou lá dentro que queria fazer tá só começando, e nós vamos construir ela juntos! ✊”
O militante LGBT+, Toni Reis, divulgou nota da Aliança Nacional LGBTI+, que denuncia crimes de LGBTfobia, bifobia e racismo contra Lucas. Durante a última festa do BBB21 que ele participou, acabou beijando o colega Gilberto Nogueira, assumidamente gay, deixando a cautelosa TV Globo em situação delicada com o gesto ousado. Após assumir sua bissexualidade em rede nacional, Lucas novamente foi acusado de exibicionismo.
Ambos já haviam sido castigados pelos adversários com o “monstro”, punição imposta pelo “anjo”, em que são obrigados a usar uma fantasia incômoda e fazer uma performance toda vez que ouvirem um alarme, mesmo durante a madrugada.
“Um momento histórico de emoção no BBB, com o primeiro beijo entre dois homens e trocas de carinho, que foi seguido de atos preconceituosos, estigmatizantes, discriminatórios e inviabilização de uma orientação sexual. O Brasil mostra sua cara. Infelizmente é um país em que muitas pessoas são extremamente machistas, LGBTIfóbicas, racistas; e o programa televisivo espelha esse comportamento corriqueiro que ocorre fora das câmeras.
O que os participantes desta edição, alguns deles sendo LGBTIs, demonstraram na madrugada do dia 07 de fevereiro foi um ataque direcionado ao participante Lucas Koka Penteado, diminuindo sua existência enquanto pessoa bissexual e excluindo-o daquele meio social, fazendo com que ele comunicasse seu desejo de sair da casa por tamanha pressão psicológica. Os ataques que a participante Lumena, pessoa negra e lésbica, fez contra o participante Lucas, questionando sua orientação sexual, caracterizam bifobia e invisibilização total do participante”, dizem trechos da nota.
A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) comentou a saída do rapaz da casa: “Um garoto como Lucas ser tratado da forma que foi no BBB21 não pode ser visto como entretenimento. É preciso enxergar as pessoas com um olhar mais acolhedor. Estamos assistindo o tanto que é devastador para uma pessoa sofrer abuso psicológico. Precisamos de mais empatia!”, disse.
A cantora Elza Soares se solidarizou com o rapaz: “’Pra nós, todo o amor do mundo! Pra eles, o outro lado. Eu digo… mal me quer. Ninguém escapa ao peso de viver’. Ninguém! Receba meu afeto, Lucas. Aqui fora, na vida real, tem muita gente te esperando para dar as mãos e carregar contigo o peso da vida”, tuitou.
Fonte: Portal Vermelho