A reportagem do Correio Braziliense apurou que os trabalhadores que estava à procura de oportunidade não consegue retomar o nível de renda de antes da pandemia
Mais emprego e menos dinheiro para o trabalhador no fim do mês. Assim pode ser resumida a situação atual do mercado de trabalho no Brasil da pandemia. A renda média dos brasileiros com carteira assinada e informais está 9,4% menor do que a observada no fim de 2019. O governo comemorou o saldo de 316.580 novos trabalhadores contratados com carteira assinada em julho de 2021, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged), do Ministério do Trabalho. Mas, ao mesmo tempo, o salário médio de admissão caiu 1,25% na comparação com o mês anterior (R$ 1.801,99), queda real de R$ 22,72.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua) aponta que, embora a taxa de desocupação tenha recuado para 14,1% no segundo trimestre, menos 0,6 ponto percentual em relação ao primeiro trimestre, o Brasil ainda tem 14,4 milhões de pessoas na fila do emprego. E o Boletim Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) de agosto, comprova que os reajustes ficam cada vez mais para trás da inflação: 50,5% dos acordos e convenções coletivas no país entre janeiro e julho tiveram correção abaixo da inflação oficial medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulado até a data-base. O levantamento mostra que apenas 22,9% das negociações, no período, resultaram em ganhos reais (acima da inflação) e que 26,6% dos reajustes empataram com o INPC.
Segundo o economista Hugo Passos, com a crise sanitária, as empresas viram as receitas despencarem enquanto os custos não pararam de subir. Milhares de pessoas foram demitidas, por diversos motivos. “Quando a contaminação pelo coronavírus recuou, com a vacinação da população, as empresas voltaram a contratar, mas ofertando salários mais baixos”. Com o cenário bastante desafiador para o Brasil e inflação acima de 9% em 12 meses, “os ganhos de quem está empregado caíram 23%, em média, e, em alguns casos, para quem entrou em novo emprego, a queda foi de 78%”, informou Passos.
A brasiliense Sabrina da Silva, 27 anos, administradora, conta que desistiu, após um mês de serviço, de seu último emprego, porque, além do salário abaixo da média do mercado, a vaga não correspondia as suas qualificações profissionais. “Como achei outro emprego em que ganharia melhor e teria mais benefícios, optei por sair”. Ela estranhou os procedimentos da contratação porque, em princípio, não teve informação sobre o salário. “Só me disseram quando fui avisada de que havia sido aprovada no processo seletivo. Como queria muito sair de onde estava, acabei aceitando”.
A secretária executiva Fabiane Pereira, 40 anos, também conseguiu uma vaga por meio de processo seletivo. “Fiz provas de português, redação, raciocínio lógico, entre outras”, conta ela. Chegou até a ser informada, no ato da entrevista, do valor do salário para a vaga em disputa. Porém, após ser selecionada e assinar o contrato, esse valor caiu. “Era menor até do que eu ganhava no trabalho anterior, mas aceitei porque eu estava precisando. Fizeram um acordo comigo, para aumentar esse valor apenas um ano depois”. O que não aconteceu.
A secretária procurou lidar com a situação com naturalidade, porque ainda acreditava que poderia recompor seu padrão salarial. “Eu queria o aumento, porém, não tinha o que fazer, não fizeram um contrato provando o que haviam combinado comigo. Toda a situação me deixou muito frustrada. Depois de um tempo, as demandas aumentaram, meu trabalho não era valorizado e eu resolvi procurar outro emprego”, lamenta. “Hoje, eu vejo que não só a empresa onde eu trabalhei, mas várias outras pagam salário abaixo da média, principalmente se for mulher”, observa.
*Roberta Barros de Souza, 45 anos, brigadista, conta que passa pela mesma situação. “Onde trabalho no momento, recebo menos da média que meus colegas. Como fui a última contratada, fizeram o contrato com um novo valor, mas com a mesma função. Eu acho injusto, mas não está fácil conseguir outro emprego”, afirma. Ela está na empresa há alguns meses, porque precisa de dinheiro para sustentar sua família. “Não gosto de reclamar de trabalho, porque querendo ou não eu já estou contratada, quando há milhares de pessoas desempregadas pelo país. Eu pelo menos consigo fazer minha família não passar fome”.
Sem mágica
Ramille Taguatinga, especialista em direito trabalhista da Kolbe Advogados e Associados, reforça que, como a competição por vagas é expressiva, os salários na oferta de emprego tendem a ser mais baixos. “Se um candidato não aceitar, o seguinte aceitará”, explica. “Isso significa que a mão de obra está mais barata, mas a qualidade não mudou. As grandes empresas continuam a lucrar bastante, com despesa de pessoal muito menor. Para os trabalhadores, por outro lado, o resultado é nefasto: anos de dedicação, formação única e currículo extenso não são refletidos nos salários.”
Para Ramille, não há fórmula mágica para o problema do mercado de trabalho no Brasil. “O que se pode fazer é aumentar a fiscalização e a sindicalização para que os empregados laboram em condições menos precárias e que, ao menos, o piso salarial seja respeitado. É sempre bom o trabalhador saber seus direitos, estar inteirado sobre os acordos coletivos de sua categoria e, principalmente, que saiba o valor do piso salarial para eventual negociação com o empregador. O trabalhador tem direito ao piso, bem como aos dispostos na Constituição, na CLT e nos acordos da categoria”, declara.
Cenário nebuloso
As questões econômicas são predominantes nesse cenário desfavorável para o mercado de trabalho, que ainda vive a expectativa do impacto da crise de energia. E ainda tem a crise política. Com tantas incertezas, empresários tendem a investir menos e a adiar contratações, alertam especialistas.
“O cenário político carrega a incerteza do período eleitoral e tem efeitos colaterais na economia. Esses fatores afetam o salário do trabalhador porque o empresário precisa ter segurança para contratar. Sem contratação, a demanda por vaga fica maior e o salário cai, mesmo quando o funcionário migra para outro emprego. A situação seria diferente se os Poderes estivessem, por exemplo, em harmonia, de braços dados”, explica Fábio Bentes, economista-chefe da Confederação Nacional de Comércio, Serviços e Turismo (CNC). Na economia, a previsão é de piora no curto prazo, mas, a partir de novembro, com o fim da estiagem, será possível ver “luz no fim do túnel”, diz Bentes.
O economista Cesar Bergo, sócio-investidor da Corretora OpenInvest, concorda que o desemprego recorde tem um efeito drástico no salário do trabalhador, “mas o que o mercado está de olho é no ambiente de negócios, nas reformas tributária e administrativa e no desenrolar dos acertos entre Executivo, Legislativo e Judiciário. No início de 2020, o mercado ainda acreditava no governo. Diferentemente do que acontece em 2021. Quem pagou essa conta foram os empregados”, ressalta Bergo.
Governo insiste
Em entrevista ao programa CB.Poder, parceria do Correio com a TV Brasília, o ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, informou que o governo vai insistir na aprovação de programas de estímulo à geração de emprego e renda. Derrotada no plenário do Senado, a minirreforma trabalhista, como vinha sendo chamada, previa a criação de quatro programas com objetivo de ampliar a oferta de empregos. Pelo menos três serão reapresentados, em no máximo 10 dias, por meio de projeto de lei ou medida provisória, segundo revelou o ministro: o Priori (Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego), o que trata de bônus de qualificação e produtividade, e um voltado especificamente ao serviço social. Só ficará de fora o programa que previa redução de salário e jornada de trabalho, justamente o que provocou a maior reação dos senadores e, consequentemente, a derrota do governo na votação da minirreforma.
Fonte: Correio Braziliense