Para infectologista e pesquisador da Fiocruz, proteção será legado da pandemia para outras doenças
Apesar da melhora nos indicadores de saúde, o atual momento da Covid no Brasil deveria servir para a reflexão sobre ações e medidas protetoras que devem continuar mesmo passada a pandemia. Essa é a avaliação de Julio Croda, infectologista e pesquisador da Fiocruz.
Para ele, entre essas ações a serem pensadas está manter o uso de máscaras protetoras em alguns ambientes de maneira contínua, como hospitais. A utilização, diz, também deveria permanecer para pessoas idosas e imunossuprimidas em locais de alta aglomeração e no período sazonal de doenças respiratórias, como a gripe.
"Sabemos que as pessoas doentes que procuram os serviços de saúde estão em geral debilitadas, e não é interessante contrair uma infecção respiratória dentro dos hospitais, assim como é preciso proteger os profissionais de saúde que estão fazendo o atendimento", avalia.
Nesta quinta (17), o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou o fim da obrigatoriedade do uso de máscaras em locais fechados no estado. A proteção, porém, continua obrigatória em algumas situações, como em transportes públicos, além de ambientes hospitalares e em serviços de saúde (entenda as regras).
Para Croda, a desobrigação não deve ser encarada como o fim do uso, pelo contrário.
"É importante ressaltar a recomendação do uso em algumas situações associadas a maior risco, independente de o estado ter progredido, como espaços fechados com aglomeração, escolas", avalia.
Croda conversou com a Folha sobre ações de estados e municípios, populações que, na sua opinião, carecem de uma dose extra de reforço, como os idosos, e se a cultura nacional vai mudar após a Covid. Leia abaixo.
A retirada da obrigatoriedade das máscaras neste momento da pandemia de maneira irrestrita parece razoável? Ainda há algumas condições onde seria importante a manutenção do uso de máscaras, principalmente em locais fechados com aglomeração. A própria decisão de manter no transporte público é adequada, pois o risco de aquisição do vírus nesses locais é muito elevado.
Alguns estudos já mostram uma relação direta entre a distância do local de trabalho e o risco de contrair o coronavírus: quanto mais distante a sua residência é do seu serviço e quanto maior tempo de viagem –consequentemente maior o número de tipos de lotações utilizadas–, maior o risco de infecção. Isso pode ser visto também ao analisar que os bairros mais pobres e mais distantes do centro possuem maior prevalência da doença.
Outro ambiente no qual também seria interessante manter o uso é em escolas. Apesar de a cobertura vacinal de primeira dose nas crianças de 5 a 11 anos em São Paulo ser de 70%, é preciso avançar na segunda dose antes de retirar as máscaras nas escolas.
É claro que os indicadores epidemiológicos de estados como Rio de Janeiro e São Paulo permitem a flexibilização, mas ela precisaria ser feita de forma gradual, primeiro em ambientes abertos, como fez São Paulo, e depois poderia ter uma etapa intermediária, de flexibilização em ambientes fechados sem aglomeração, e depois para esses ambientes que a gente acredita que sejam de maior risco.
Como avalia a decisão desses estados de maneira unilateral ou não (o RJ deixou para os municípios definirem se retiram ou não a obrigatoriedade de máscaras)? Sabemos hoje que a ômicron está causando mais infecções em crianças e em pessoas não vacinadas. Nesse sentido, é melhor uma decisão de flexibilização de forma mais gradual como em SP do que a decisão do governo do RJ, que passou essa responsabilidade para os municípios.
É importante entender que os indicadores são estaduais, portanto uma decisão pela manutenção ou não das máscaras deve ocorrer no estado como um todo.
A única crítica que eu faria é que poderia ter sido feita uma etapa intermediária antes de retirar a obrigatoriedade em espaços fechados e continuar monitorando o impacto através dos indicadores epidemiológicos.
Em quais situações as pessoas deveriam continuar usando máscara? E em quais o uso pode ser relaxado? Apesar da medida de desobrigar o uso, é importante ressaltar que a recomendação das máscaras em alguns ambientes associados a maior risco deve continuar, independente de o estado ter decidido que era o momento de avançar nessas escolhas.
Por exemplo, as escolas podem continuar adotando as máscaras invariavelmente, a população pode aderir aos protetores faciais –de preferência do tipo PFF2 ou N95– e continuar utilizando no transporte público, dentro de escolas. Essa medida deveria inclusive ser estimulada.
Já no ambiente aberto sem aglomeração com certeza podemos pensar na retirada da obrigatoriedade. Em ambientes fechados, com distanciamento, também pode ser avaliado.
A preocupação maior continua sendo eventos de massa tanto em ambientes abertos, mas principalmente em ambientes fechados. O risco pode ser estratificado em três tipos: o menor grupo de risco é o ambiente aberto sem aglomeração; o intermediário, que são esses que falei, como escolas, áreas abertas com aglomeração; e o maior que é fechado com aglomeração.
Neste contexto, o Brasil deveria aplicar uma quarta dose de vacina contra a Covid? Oferecer quarta dose para o público idoso seria necessário agora, uma vez que essas pessoas estão novamente se infectando, sendo hospitalizadas e, infelizmente, podem ir a óbito.
Estamos vendo diversos países com aumento de casos e de hospitalizações associados à subvariante da ômicron BA.2, mas também à perda de proteção nos mais idosos. A quarta dose neste grupo, como anunciou São Paulo, é necessária, além da manutenção do uso de máscaras nesse grupo.
A alta circulação do vírus em alguns locais pode levar ao surgimento de novas variantes? Se isso ocorrer, a retirada da obrigatoriedade das máscaras pode levar a uma nova onda? Difícil prever, não podemos afirmar isso com certeza porque cada país vivencia uma dinâmica diferente da pandemia, relacionada ao seu passado de infecção prévia e à cobertura vacinal.
O surgimento de novas ondas depende de novas variantes, isso é claro, mas também da competência imunológica e da imunidade coletiva populacional que foi gerada ao longo da pandemia. No Rio até agora não observamos um aumento de casos nem de hospitalizações.
Lógico que quanto mais flexibilizamos, mais contato entre as pessoas vai ocorrer e maior o risco de contaminação, mas se isso vai se refletir em novos casos e hospitalizações é difícil prever. Mesmo os melhores modelos matemáticos não conseguem trazer essa informação com precisão.
A pandemia vai deixar como legado o uso de máscaras quando as pessoas estiverem doentes? O grande legado da pandemia talvez seja manter o uso de máscaras em hospitais, não só por conta da Covid, mas também para prevenir transmissões relacionadas aos serviços de saúde.
Hoje é o coronavírus, mas estamos entrando agora no período de sazonalidade de outros vírus respiratórios —tanto que a campanha de vacinação contra influenza começa no próximo dia 4.
Sabemos que as pessoas doentes que procuram os serviços de saúde estão em geral debilitadas, e não é interessante contrair uma infecção respiratória dentro dos hospitais, assim como é preciso proteger os profissionais de saúde.
O uso de máscaras é essencial nos momentos de aumento de número de casos sazonais, por pessoas imunossuprimidas e idosos, por exemplo, ao praticarem atividades relacionadas a maior risco de aquisição de doenças.
Talvez as medidas protetivas, principalmente relacionadas ao uso de máscara por pessoas doentes, algo que não era algo habitual para a nossa população, sejam incorporadas em algumas situações especiais.
Fonte: Folha de SP