Pesquisadora da Unicamp aposta em fortalecimento de candidaturas femininas para melhoria de políticas públicas sociais e de saúde.
A presença de mulheres na política reflete na redução da mortalidade de crianças menores de 5 anos, de acordo com estudo de pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade dos Andes, em Bogotá (Colômbia), e do Banco de Desenvolvimento Interamericano, em Washington (EUA).
Segundo a pesquisa, o impacto positivo é observado quando mulheres são eleitas prefeitas e também quando ocupam ao menos 20% das assembleias legislativas estaduais e 10% da Câmara Federal. Essa melhora ocorre independente da representante eleita ser de um partido de esquerda, centro ou direita.
“Municípios com prefeitas apresentaram maior queda da mortalidade infantil do que municípios governados por homens. Assim como municípios com maior proporção de vereadoras e com maior proporção de deputadas federais”, afirmou ao HuffPost Brasil a pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (NEPA), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Ana Clara Duran, uma das autoras do estudo.
Os pesquisadores analisaram registros de nascidos vivos entre 2000 e 2015 em cidades brasileiras. Foram selecionados dados de 3.167 municípios de 5.565. O critério de inclusão foi ter um sistema de registro com menos de 10% de dados faltantes. O estudo foi financiado pelo projeto de pesquisa Saúde Urbana na América Latina (SALURBAL).
O estudo foi feito por meio de uma “análise longitudinal com modelos com efeitos fixos para municípios e ano ajustado para variáveis de potencial confusão (percentual de pobreza do município, educação, acesso a saneamento básico) e para a cobertura do Programa Bolsa Família e Estratégia de Saúde da Família”, de acordo com Duran.
Mortalidade infantil no Brasil
A taxa de mortalidade na infância — que aponta a probabilidade de um recém-nascido não chegar aos 5 anos — também recuou nesse intervalo. Em 2017, 14,9 crianças de cada mil nascidas vivas não completavam 5 anos. Em 2018, a taxa foi de 14,4 por mil, baixa de 3,4%, segundo o IBGE.
De acordo com os pesquisadores, a presença feminina melhora esse indicador porque quando as mulheres estão no comando há uma melhor implementação de políticas públicas sociais. Investimentos substanciais em programas sociais e de atenção primária à saúde, como o Bolsa Família e da Estratégia de Saúde da Família, são o principal motivador da queda na mortalidade infantil.
A cobertura do Bolsa Família passou de 9,64% dos indivíduos elegíveis em 2000 para 15,3% em 2015. Já a cobertura do Estratégia de Saúde da Família cresceu de 25,24% dos indivíduos elegíveis em 2000 para 54,71% em 2015, de acordo com o estudo.
“Parte do efeito de ter mais mulheres na política se dá porque elas contribuem com maior expansão destes programas. Porém outras variáveis explicam as diferenças de gênero - mulheres possivelmente são mais sensibilizadas e talvez até mais capazes na área social e saúde”, afirma Duran.
Qual impacto de ter mais mulheres na política?
O impacto positivo é observado quando mulheres são eleitas prefeitas e também quando...
DANIEL RAMALHO VIA GETTY IMAGES
O impacto positivo é observado quando mulheres são eleitas prefeitas e também quando ocupam ao menos 20% das assembleias legislativas estaduais e 10% da Câmara Federal.
Outras pesquisas também mostram o impacto positivo da presença feminina em cargos eletivos. Segundo a Harvard Kennedy School, com a representatividade nos cargos de poder, as mulheres comuns se tornam mais engajadas na discussão cívica.
Quando chegam ao poder, as prefeitas tendem a abrir mais espaço para que outras mulheres ocupem cargos importantes na gestão dos municípios, segundo pesquisa do Instituto Alziras. O estudo mostra que 55% das prefeitas eleitas em 2016 tem pelo menos 40% do seu secretariado formado por mulheres.
A pesquisa “O que acontece quando uma mulher ganha uma eleição? Dados de eleições acirradas no Brasil”, publicada em 2016, por sua vez, revelou que prefeitas implementam mais políticas sociais, conseguem maior transferência de recursos federais e sofrem menos processos por fraude ou improbidade administrativa. O estudo foi desenvolvido por Fernanda Brollo, professora no Departamento de Economia da Universidade de Warwick, no Reino Unido, e Ugo Troiano, professor do Departamento de Economia da Universidade de Michigan, nos EUA.
Em artigo publicado na Gênero e Número, a professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília Flávia Birolli também reforça que a vivência de quem está nos espaços de poder faz diferença na tomada de decisões.
“A violência sofrida pelas mulheres é um dos desdobramentos do machismo e apresenta padrões diferentes dos da violência que atinge os homens no país. Ao mesmo tempo, elas enfrentam desafios que não são idênticos aos deles no mercado de trabalho: o acesso à educação não se traduz, para elas, em cargos e salários do mesmo modo que se traduz para eles”, aponta.
Já de acordo com estudo da Virginia Tech Universidade nos Estados Unidos, publicado em 2018 no “Journal of Economic Behavior & Organization”, a corrupção é menor onde mulheres participam em maior número no governo. A análise foi feita em mais de 150 países, incluindo o Brasil.
A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, decidiu pelo confinamento de toda população por um mês e o fechamento total de fronteiras.
A condução de governantes mulheres no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus também chamou atenção em alguns países. A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, decidiu pelo confinamento de toda população por um mês e o fechamento total de fronteiras.
Na Islândia, a primeira-ministra Katrín Jakobsdóttir apostou logo cedo na testagem em massa. Em Taiwan, que oficialmente faz parte da China, mas, na prática, funciona como um país soberano, a presidente Tsai Ing-wen tomou medidas para rastrear infecções logo no início da crise.
Esses exemplos também foram lembrados por Ana Clara Duran. Para a pesquisadora da Unicamp, o estudo pode “ajudar a sociedade civil a cobrar que os partidos respeitem as cotas de candidaturas femininas nas próximas eleições e invistam em suas campanhas na mesma proporção que investem em seus candidatos do sexo masculino”.
“Também acredito que neste momento de crise sanitária devido a pandemia da covid-19, o fortalecimento de candidaturas femininas poderá representar um impacto real no fortalecimento, formulação e implementação de políticas públicas sociais e de saúde, essenciais para que os agravos econômicos e de saúde não afetem ainda mais a população brasileira”, acrescenta a pesquisadora da Unicamp.
Mulheres na política no Brasil
As mulheres são 52% do eleitorado brasileiro, mas quando se mede a presença nos cargos de poder, os números são bem menores. Elas são 15% dos deputados federais e dos senadores e 14% dos vereadores. No Executivo, apenas um estado é governado por uma mulher e 12% dos municípios.
Esse cenário coloca o Brasil na lanterna dos rankings de presença feminina no poder. Estamos na 132ª posição na lista de 192 países que mede a representatividade feminina na Câmara dos Deputados, divulgada pela Inter-Parliamentary Union. Já entre os cargos no Executivo, ocupamos a 161ª posição na comparação entre 186 países, de acordo com o Projeto Mulheres Inspiradoras.
Desde 2009, a Lei Eleitoral obriga os partidos a destinar 30% das candidaturas para cada gênero. A cota já existia na legislação anterior, mas era apenas uma reserva. Na prática, muitos partidos deixavam essas vagas vazias.
O mesmo percentual também deve ser usado, de forma proporcional, em relação aos recurso financeiros para essas campanhas, desde 2018. Outra exigência legal é destinar 5% do Fundo Partidário para promoção e difusão da participação política das mulheres.
Fonte: https://www.huffpostbrasil.com/