Tercio Arnaud Tomaz trabalha com o presidente e integra o chamado 'gabinete do ódio'. Ele comandava a página 'Bolsonaro Opressor 2.0', que tinha mais de 1 milhão de seguidores.
Uma investigação sobre contas falsas removidas pelo Facebook ligadas ao presidente Bolsonaro apontou um assessor dele, Tercio Arnaud Tomaz, como administrador de alguns dos perfis que divulgavam fake news. Ele também é um dos integrantes do chamado "gabinete do ódio".
A apuração foi feita pelo Laboratório Forense Digital (DFRLab) somente com mensagens e posts divulgados nas páginas removidas. O DFRLab mantém uma parceria com o Facebook desde 2018 para análise independente de remoções feitas pela rede social por comportamento inautêntico coordenado.
Tomaz foi o único responsável pelas páginas identificado na investigação que trabalha diretamente com o presidente. Ele também administrou as redes sociais de Jair Bolsonaro na eleição de 2018. Antes, trabalhou no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro, no Rio de Janeiro, no cargo de auxiliar de gabinete. Sua página no Facebook foi excluída.
O assessor trabalha no Palácio do Planalto, em uma sala próxima do presidente, tem salário de quase R$ 14 mil por mês e apartamento funcional. Ele faria parte do "gabinete do ódio", junto com José Matheus Salles Gomes e Mateus Matos Diniz.
O DFRLab aponta que Tomaz era o responsável por "Bolsonaro Opressor 2.0", uma página já removida que publicava conteúdos a favor do presidente, fazia ataques a adversários políticos, como o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e até ex-ministros do governo, como Luiz Henrique Mandetta e Sergio Moro, além de divulgar notícias falsas. A página tinha mais de 1 milhão de seguidores no Facebook.
Moro comentou a decisão do Facebook. Disse que "foi alvo da rede de mentiras que age por motivos político-partidários. Pessoas que perderam qualquer senso de decência".
Ainda, Tomaz era responsável pela página "@bolsonaronewsss" no Instagram, também derrubada pelo Facebook. Embora o dono da página fosse anônimo, a informação de registro em seu código-fonte mostra que ela pertence a ele, segundo a investigação. Ela tinha 492 mil seguidores e um total de 11 mil publicações.
Procurado pelo G1, o Planalto não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Investigação
A investigação também identificou dois assessores do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, atuando na rede desses perfis. Um deles, Eduardo Guimarães, já foi apontado pela CPI mista das fake news como criador e administrador de páginas que faziam ataques contra adversários do presidente. Esses perfis já haviam sido retirados pelo Facebook. Nesta quarta, perfis pessoais de Eduardo Guimarães também foram apagados.
Paulo Eduardo Lopes, conhecido como Paulo Chuchu, é o outro assessor de Eduardo Bolsonaro apontado na investigação como um dos principais operadores dessa rede que Facebook derrubou.
“O Eduardo Bolsonaro tem um assessor chamado Paulo Eduardo, conhecido como Paulo Chuchu, que fazia parte dessa rede. Ele registrou, por exemplo, um site que era um site teoricamente de notícias independentes, mas que na verdade era pró-Bolsonaro. Ele é um dos coordenadores da Aliança, o partido que o Bolsonaro está tentando formar", afirma Luiza Bandeira, chefe para a América Latina do DFRLab. "Ele é um dos coordenadores da Aliança em São Bernardo do Campo. Então, eles tinham um grupo no Facebook também, que faziam se passar por notícias independentes, por jornalismo independente, quando, na verdade, é um esforço de propaganda ligado, nesse caso, a um assessor do Eduardo Bolsonaro.”
Mensagens dessa rede de apoio com perfis falsos ligada ao presidente Jair Bolsonaro começaram a ser divulgadas antes da eleição presidencial de 2018. Contudo, se intensificaram muito do fim de 2019, quando foram feitos sistemáticos ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e outras autoridades classificadas como adversários políticos do presidente. Essa rede se manteve ativa mesmo depois da instalação da CPI das fake news e da abertura dos inquéritos pelo STF.
“É uma rede antiga, tem páginas que são bem antigas, bem antes da eleição, mas a atividade principal que a gente vê delas foi no final de 2019, início de 2020. Então, tem muitas coisas relacionadas à Covid-19. Tem muitas coisas como eu falei sobre o Congresso, sobre o STF, o que está acontecendo no Brasil agora, então essa rede estava atuando com muita força agora até ela ser retirada do ar pelo Facebook”, destaca Luiza.
"A gente vê, todo brasileiro sabe disso, a gente vê no WhatsApp, tem muitos ataques às pessoas, a gente vê no Twitter, então não é só isso, a informação está sempre conectada. Então, o que se estava tentando fazer ali era criar uma narrativa e uma ideia de que aquelas pessoas eram pessoas que deveriam ser desqualificadas por vários motivos distintos."
A relatora da CPMI das fake news, deputada Lídice da Mata, do PSB, disse que a retirada dos perfis ligados ao presidente Bolsonaro comprovam o que já mostraram as investigações do Congresso.
A remoção das contas foi anunciada nesta quarta (8) pelo Facebook e a medida também foi aplicada a perfis e contas de outros países.
Veja o que o Facebook divulgou sobre a ação no Brasil:
Foram apagadas 35 contas, 14 páginas e 1 grupo no Facebook, além de 38 contas no Instagram;
Cerca de 883 mil pessoas seguiam uma ou mais dessas páginas no Facebook;
Em torno de 917 mil seguiam contas do grupo no Instagram;
O grupo removido reunia cerca de 350 pessoas;
Foram gastos US$ 1,5 mil em anúncios por essas páginas, pagos em real.
A rede social não divulgou a relação dos perfis e do grupo removidos, mas, em imagens usadas pelo Facebook como exemplo dos conteúdos derrubados, é possível ver as páginas "Jogo Político" e "Bolsonaro News", no Facebook.
Mesmo com os responsáveis tentando ocultar suas identidades, as investigações da rede social encontraram ligações de pessoas associadas ao PSL e a alguns dos funcionários nos gabinetes do deputado federal Eduardo Bolsonaro, do senador Flávio Bolsonaro, do presidente Jair Bolsonaro, e também de Anderson Moraes e Alana Passos, ambos deputados estaduais pelo PSL no Rio de Janeiro.
O Facebook afirmou que chegou ao grupo a partir de notícias na imprensa e por meio de referências durante audiência no Congresso brasileiro.
"A atividade incluiu a criação de pessoas fictícias fingindo ser repórteres, publicação de conteúdo e gerenciamento de páginas fingindo ser veículos de notícias", disse o Facebook em comunicado.
Segundo a empresa, os conteúdos publicados eram sobre notícias e eventos locais, incluindo política e eleições, meme políticos, críticas à oposição, organizações de mídia e jornalistas, e também sobre a pandemia de coronavírus.
Ainda de acordo com a rede social, o grupo usava uma combinação de contas duplicadas e contas falsas para evitar a aplicação de políticas da plataforma.
O Facebook afirmou que quando investiga e remove esse tipo de operação se concentra mais "no comportamento, e não no conteúdo – independentemente de quem esteja por trás dessas redes, qual conteúdo elas compartilhem, ou se elas são estrangeiras ou domésticas."
Alguns dos conteúdos publicados por essa rede foram removidos automaticamente por terem violado a política interna da rede social, inclusive por discurso de ódio.
Outro lado
O G1 procurou as assessorias dos parlamentares citados pelo Facebook e a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), órgão da Presidência da República. Veja abaixo as respostas recebidas até a última atualização desta reportagem.
Nota do PSL
"A respeito da informação que trata da suspensão de contas do Facebook de alguns políticos no Brasil, não é verdadeira a informação de que sejam contas relacionadas a assessores do PSL, e sim de assessores parlamentares dos respectivos gabinetes, sob responsabilidade direta de cada parlamentar, não havendo qualquer relação com o partido.
Ainda, o partido esclarece que os políticos citados, na prática, já se afastaram do PSL há alguns meses com a intenção de criar um outro partido, inclusive, tendo muitos deles sido suspensos por infidelidade partidária. Ainda, tem sido o próprio PSL um dos principais alvos de fake news proferidos por este grupo."
Nota da assessoria do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos -RJ)
"O governo Bolsonaro foi eleito com forte apoio popular nas ruas e nas redes sociais e, por isso, é possível encontrar milhares de perfis de apoio. Até onde se sabe, todos eles são livres e independentes.
Pelo relatório do Facebook, é impossível avaliar que tipo de perfil foi banido e se a plataforma ultrapassou ou não os limites da censura.
Julgamentos que não permitem o contraditório e a ampla defesa não condizem com a nossa democracia, são armas que podem destruir reputações e vidas."
Eduardo Bolsonaro, deputado federal (PSL-SP)
Em uma rede social, o deputado Eduardo Bolsobaro escreveu que, mesmo sem definição do que seja crime de ódio, a rede de Mark Zuckerberg excluiu diversos perfis conservadores no Facebook e no Instagram.
Nota da assessoria da deputada Alana Passos (PSL-RJ)
"Em nenhum momento fui notificada pelo Facebook sobre qualquer irregularidade ou violação de regras das minhas contas, que são verificadas e uso para divulgar minha atuação como parlamentar e posições políticas. Quanto a perfis de pessoas que trabalharam no meu gabinete, não posso responder pelo conteúdo publicado. Nenhum funcionário teve a rede bloqueada por qualquer suposta irregularidade. Estou à disposição para prestar qualquer esclarecimento, pois nunca orientei sobre criação de perfil falso e nunca incentivei a disseminação de discursos de ódio".
Nota da assessoria do deputado Anderson Moraes (PSL-RJ)
"Tenho um perfil verificado, que não sofreu bloqueio ou qualquer aviso de ter violado qualquer regra da rede. Mas excluíram a conta de uma pessoa que trabalha no gabinete, uma pessoa com perfil real, não é falsa. A remoção da conta foi absurda e arbitrária, porque postava de acordo com ideologia e aquilo que acreditava.
O Facebook em nenhum momento apontou o que estava em desacordo com as regras. Qual motivo excluíram? Falam em disseminação de ódio, mas será que também vão deletar perfis de quem desejou a morte do presidente?
O governo Bolsonaro foi eleito com forte apoio nas redes sociais, perfis livres. Querem tolher a principal ferramenta da direita de fazer política. Estão atentando contra a liberdade de expressão e isso contraria princípios democráticos."
Fonte: G1