Guerra na Ucrânia fez disparar preços do desjejum do brasileiro. Café dobra, leite sobe 26% e pão francês tem alta de 14% em um ano, aponta consultoria
Nem mesmo o pingado e pão na chapa, ou com ovo, escaparam. O clássico café da manhã de balcão de padaria, que um dia foi menos de R$ 5, hoje, oscila entre R$ 8 e R$ 15 das grandes capitais. Nas casas mais sofisticadas, o expresso chega a custar R$ 9 e o combo passa facilmente dos R$ 20.
A cesta básica de desjejum do brasileiro encareceu no último ano e disparou de março para cá, um reflexo da guerra entre Rússia e Ucrânia. Além de os dois países serem grandes produtores de trigo, o conflito prejudica indiretamente o abastecimento global de outros grãos. A inflação está acima de 11% em 12 meses, segundo dados divulgados nesta quinta-feira.
Uma pesquisa realizada com exclusividade para O GLOBO pela Horus Inteligência de Mercado a partir da consulta de 35 milhões de notas fiscais no país mostra que o quilo do pãozinho francês beira R$ 15 (alta de 14% em 12 meses) e o de forma, R$ 23. Já o leite, pelo qual o consumidor pagava uma média de R$ 4,31 o litro há um ano, agora sai por volta de R$ 5,45, alta de 26%.
Jornada reduzida: Reino Unido começa a testar semana de quatro dias de trabalho. Veja outros países que já têm ou terão jornada mais curta
Para a diarista Maria Celina Pereira da Silva, de 58 anos, que gosta de começar o dia com um café com leite e pão com queijo, estes números são percebidos a cada saída de casa.
— Tudo aumentou, até o ovo que é base. Eu pesquiso e acompanho as promoções para as compras maiores. No dia a dia, vou comprando aqui e ali. O pão, por exemplo, acho mais em conta na padaria.
Não é somente impressão dela. Os ovos brancos que custavam em torno de R$ 7,85, a dúzia, estão na casa dos R$ 9,34. E o café é o item mais caro da primeira refeição do dia: saltou de R$ 22,25 para R$ 43,34, o quilo — quase o dobro, segundo a consultoria, que também acompanhada mensalmente os preços de itens básicos da cesta do brasileiro, parceria com a FGV/Ibre.
Baguete mais cara que carne
Em alguns locais na Zona Sul do Rio, o quilo do pão chega a custar mais que o da carne. Caso de um mercado cujo preço da baguete, de R$ 36,90, supera o da carne moída de Acem (R$ 32,99/kg) e o de filé de peito de frango (25,99/kg). E em uma delicatessen, com o francesinho a R$ 23 o quilo, cada unidade fica torno de R$ 1,30.
Se considerar percentualmente, em 12 meses, o pão subiu 13%, o leite quase 24%, o café uns 68% e o ovo, 17,7%, segundo a inflação oficial do país, o IPCA, calculado pelo IBGE.
Destaque para o pão, que em abril de 2022 registou variação de preço mensal de IPCA de 4,52% — a maior em 16 anos. No acumulado do ano, não se via aumento como o de agora (de 9,72%) desde dezembro de 2015, quando fora de 12,05%.
Ainda que o Brasil importe a maior parte de sua farinha de trigo da América, principalmente da Argentina, não tem como fugir do impacto global.
Luiza Zacharias, diretora de Novos Negócios da Horus, acrescenta que a quebra na safra de grãos como café, soja e milho agravam o cenário já limitado pelo conflito no Leste Europeu.
— O preço do pão vem subindo fortemente nos últimos meses, principalmente por causa do aumento do trigo, por causa da guerra. Assim que eclodiu, o trigo subiu 30% e vai na escalada de inflação. No caso do café, a redução da oferta no mercado internacional e valorização do dólar tornam a exportação mais atrativa e o preço sobe internamente — resume a estatística.
Paulo Menegueli, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (Abip), considera que a guerra agravou fatores que já pressionavam o setor.
— Na pandemia, tivemos um aumento muito grande de embalagens e os insumos começaram a subir desde aquela época. A energia também subiu e o combustível dobrou de valor.
Ele continua:
— Temos orientado as entidades a repassar só o que for necessário, mas o que estamos vendo é um desespero geral. O valor de US$ 500 (R$ 2.397) numa tonelada de trigo é histórico.
Padarias e fábricas
O aumento destes produtos reverbera por toda a cadeia e empresários tentam equilibrar as contas. A dona da rede de padarias que leva o seu sobrenome Patricia Cardin, por exemplo, aplicou reajuste nos pães recheados e segurou os da minibaguete, que é seu produto mais básico, para ganhar no volume de vendas.
O consumo nas lojas está mais contido, sem compras por impulso, explica:
— Está difícil até de repassar para o consumidor. Fiz um reajuste em novembro e outro em maio de 5% em cada. Não tinha mais como segurar.
A Bimbo, detentora das marcas Pullman, Plusvita, AnaMaria e outras, diz que está buscando melhorar processos para reduzir custo e lançar produtos direcionados para minimizar os impactos.
— Toda nossa cadeia de suprimentos sofre impactos causados pela inflação, e estamos de olho no perfil de consumo que pode ser afetado. A redução no poder de compra de algumas categorias acaba pressionando ainda mais o posicionamento da indústria — explica Afonso Argudín, diretor geral da Bimbo Brasil.
Fonte e Foto: O Globo