A pandemia do novo coronavírus teve impacto profundo na vida dos trabalhadores, com desemprego, inatividade, perda de renda, precarização, entre outras mazelas que atingiram milhões em todo o planeta. Muitos continuaram trabalhando no setor da saúde e nas atividades essenciais, colocando em risco sua vida e de seus familiares.
Criaram-se ou expandiram atividades econômicas, como os entregadores, e com elas postos de trabalho precários e inseguros. O uso da tecnologia de comunicação se difundiu e o home office e o teletrabalho se espalharam. Esses fenômenos intensificaram os movimentos antes em curso de mudanças no sistema produtivo e ampliaram as transformações no mundo do trabalho. Quase 5 milhões morreram!
A proteção laboral, social, previdenciária e sindical, gravemente atacada e delapidada nos últimos anos pelo movimento neoliberal de desregulação do trabalho, também foi atingida. Se mecanismos de proteção de renda e emprego foram implantados em países, inclusive no Brasil, ao mesmo tempo iniciativas para ampliar a desregulação e desproteção continuaram sendo promovidas. Muitas mortes teriam sido evitadas se a proteção estivesse no centro das políticas públicas e da ação dos governos.
A CSI (Confederação Sindical Internacional) –maior confederação sindical mundial, presente em mais de 150 países– realizou, em junho deste ano, uma pesquisa em 10 países –Austrália, Brasil, Estados Unidos, França, Grã Bretanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão e México–, entrevistando mais de 12 mil trabalhadores sobre sua opinião e visão em relação à importância de 7 direitos trabalhistas e sindicais na realidade e vida pós pandemia da covid-19, comparando com a situação anterior à crise sanitária (eis a íntegra do estudo – 577 KB).
Para 73% dos entrevistados, os direitos trabalhistas e sindicais sempre foram importantes ou agora são ainda mais importantes. Na visão agregada dos entrevistados nos 10 países, a importância desses direitos segue a seguinte ordem: acessibilidade aos cuidados de saúde (82%); direito a um salário mínimo digno (79%); licença médica paga (78%); seguro desemprego (77%); direito à negociação coletiva para conquistar condições laborais e salários mais justos (74%); direito de filiação sindical (64%); direito de greve (56%). Esses resultados são semelhantes no recorte por gênero e por idade.
O Brasil aparece sempre entre os 3 países que deram maior ênfase às respostas que indicam ser mais importante ou continuar sendo importante cada um dos direitos pesquisados.
Alguns apontamentos para possíveis interpretações sobre os resultados para o Brasil:
Os brasileiros são os que mais destacaram a importância do salário mínimo (89%). É provável reconhecimento do impacto que teve a política de valorização do salário mínimo que promoveu um aumento real de mais de 70%. De outro lado, a constatação de como é baixa a base salarial no Brasil e de quanto o incremento do salário mínimo atua sua elevação e na proteção das renda do trabalho não assalariado.
Também foi no Brasil que o seguro desemprego mais se destacou (90%). De um lado, porque diante do desemprego altíssimo e de longa duração, o problema adquire caráter de urgência; de outro, a existência do seguro desemprego demonstra a sua importância para a proteção. As medidas de proteção dos empregos e salários durante a pandemia indicaram a relevância de um programa permanente de proteção dos empregos.
O Brasil foi o 2º país que mais destacou a licença médica paga (87%), mais uma vez confirmando a pertinência dessa política para os trabalhadores enfrentarem os problemas com proteção da vida, da saúde, da renda e dos empregos.
Para 87% dos brasileiros, o direito de greve sempre foi ou é mais importante agora, colocando o país como o 2º que mais valoriza esse direito. Uma evidência da disposição presente entre os trabalhadores para a mobilização e para a luta sindical que busca melhores condições de salário e de trabalho, proteção social, previdenciária e trabalhista.
O direito de filiar-se a um sindicato é destacado por 64% dos brasileiros. Um indicativo claro de espaço para o trabalho de base de sindicalização, de mobilização e de organização para as lutas por melhorias trabalhistas, assim como reconhecimento do papel que os sindicatos desempenham na proteção dos trabalhadores. Ainda assim, 29% não consideram esse direito importante, opinião que precisa ser analisada e enfrentada pelo sindicalismo.
Para 82% dos respondentes brasileiros, o direito de negociação sempre foi ou é ainda mais importante. Isso coloca em destaque o papel dos sindicatos, na atribuição de representar, organizar e mobilizar a classe trabalhadora para conquistar com lutas e negociação os direitos que distribuem o resultado do trabalho de todos por meio dos salários, das condições de trabalho e da proteção laboral, social e previdenciária.
A acessibilidade aos cuidados de saúde é destacada por 64% dos respondentes brasileiros. De um lado, destaca-se o papel do SUS (Sistema Único de Saúde) na proteção de saúde. De outro, os 29% que afirmam não ser importante esse direito podem estar associados àqueles que têm planos de saúde privados, direito que é comprado por quem pode pagar.
Há nessa pesquisa insumos valiosos que devem incentivar o movimento sindical a conduzir sua reestruturação para ampliar a representação, agregar força e promover unidade. De outro, indicam à sociedade a compreensão do papel central que cumprem as entidades sindicais. Por fim, está destacado o papel das políticas públicas universais de proteção e promoção laboral e social, assim como se destaca uma agenda de futuro na qual o Estado cumpre papel estratégico.
Clemente Ganz Lúcio é assessor do Fórum das Centrais Sindicais, membro do NAPP da FPA e ex-diretor técnico do DIEESE
Fonte: Publicado no site Poder360