Antes de iniciarmos os argumentos seguintes, há obrigação de definirmos o que é portador de deficiência/necessidades especiais.
“Em linhas gerais, portador de deficiência é qualquer indivíduo que apresente uma limitação física ou mental que o traga abaixo do padrão-modelo fixado pelo grupo social.” Vale ressaltar, deficiente é um indivíduo que sofre de debilidade ou incapacidade mental, física ou emocional que faz sua sobrevivência normalmente difícil.
(Assim definiu o prof: Figueiredo, Guilherme José Purvin de – na obra direitos da pessoa portadora de deficiência – Advocacia Pública e Sociedade – ano I, n1 – 1997).
A proteção do deficiente/portador de necessidades especiais, é um tema que se discute a muito tempo, não sendo tratado pela sociedade com todo o merecimento que essas pessoas merecem e precisam.
É fato que temos uma legislação, muito acanhada, quanto aos direitos e deveres do cidadão portador de deficiência/necessidades especiais. Onde se nota a ausência do Estado como tutelador dessa classe social, nega-se o direito à educação, emprego, residência, saúde, vida social, mobilidade, quer nas cidades ou no campo. E tal recusa ocorre somente em decorrência do fato de que o indivíduo é deficiente/portador de necessidades especiais. É certo afirmar que, os governos Federal, do Distrito Federal, Estadual e Municipal, ao longo dos anos não desenvolveram uma política “social”, capaz de atender satisfatoriamente aos direitos e interesses desses indivíduos, colocando-os à margem da própria sorte.
A TUTELA
Tutelar o portador de deficiência/necessidades especiais significa criar para ele um regime jurídico especial e, para a aplicação deste, novos instrumentos de atuação. Criar uma legislação específica e propiciar, não só o ente público, como também a sociedade civil a participar de forma direta e indireta, no bem estar desses indivíduos.
A grande maioria desse grupo social está apta a expressar sua vontade, exercer seus direitos e os quer exercer. Evidente, que nesse grupo estão inseridos aqueles conhecidamente e reconhecidamente incapazes, no entanto, a própria norma legal os classifica como absolutamente incapaz ou incapaz.
O professor Figueiredo, tece quatro considerações para que os fundamentos da tutela sejam observados: “ econômica, politica, moral e jurídica”. Poderíamos acrescer mais uma consideração a “social”, que em tese, complementaria os demais fundamentos.
Diante do quadro posto, indaga-se qual extensão da tutela?
- Abolir qualquer discriminação no emprego, igualdade de salários para aqueles que exercem a mesma atividade e ou profissão;
- Direito à educação de qualidade (especial), gratuita e, de preferência, integrada com o não-deficiente e ou portador de necessidades especiais;
- Direito à saúde (gratuita), pelos entes públicos;
- Direito a acesso a serviços e edifícios públicos, bem como a viver entre a comunidade (sociedade), privada sob as expensas do Estado;
Não é demais lembrar, que o Estado deve proteger o deficiente/portador de necessidades especiais, mediante: “auxílio financeiro direto ou indireto, considerando o núcleo familiar. Auxílio financeiro indireto – com escolas especializadas, centros de formação e reabilitação, assegurando o lazer, moradia, saúde, trabalho e mobilidade, etc.
LEGISLAÇÃO
Com efeito, a Carta Política de 1969 – assegurava aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica. Isso não quer dizer, entretanto, que a problemática do portador de deficiência tenha passado completamente ao largo da preocupação do legislador pátrio.
A atual Carta Magna de 1988, como regra geral, reconhece o grupo de pessoas portadoras de deficiência e lhes dá tutela própria, diferenciada dos outros cidadãos. Tanto o poder-dever de cuidar, como o de legislar, são atribuições concernentes das três (3) esferas estatais – União, Estados e Municípios.
Já a legislação ordinária trata da educação; tributos; trânsito; lazer, construção civil e etc.
O Código Civil, ao dar amparo aos incapazes, reconhece deficiências, mas não tutela os portadores de deficiência como categoria, classe ou mesmo grupo social. Apenas protege o indivíduo.
O Brasil tem uma legislação que aponta para minorar o sofrimento desse grupo social, mas como tudo não passa de “leis inócuas”, e que se perdem no tempo, porque os governantes não têm políticas públicas efetivas.
Nesse sentido, podemos citar a lição de Marcia Pearce, recepcionada na obra citada, que:
“Por diversas razões o Estado continua a excluir, descuidar e abusar dos deficientes. Aqueles com deficiência física, mental ou emocional representam problemas humanos muito complexos para o resto da sociedade, a qual vem respondendo tradicionalmente com um comportamento de o que os olhos não vêem, o coração não sente. Legisladores e órgãos governamentais têm projetado esta visão em métodos e programas arcaicos e desumanos no relacionamento com os deficientes”.
Como demonstrado, não é a falta de ordenamento jurídico que dê norte à assistência social aos portadores de deficiência/necessidades especiais, o que falta são programas de governo efetivos e eficientes.
Na sociedade brasileira, se outros tantos injustiçados estão visíveis a olho desarmado, o portador de deficiência/necessidades especiais é talvez o único que não se mostra o corpo inteiro porque insistimos em escondê-los. Isto porque são diferentes dos demais membros da sociedade ou apenas se mostram assim.
Não se pode admitir qualquer preconceito, intransigência, perseguição e violência, perpetrada contra os portadores de deficiência/necessidades especiais congênitas ou adquiridas.
No campo do trabalho, com o advento da Revolução Industrial, uma legião de deficientes veio a surgir: sejam pelas condições inadequadas de trabalho, que provocam mutilações de todas as espécies, lesões sensoriais, doenças mentais, invalidez parcial e permanentes e até mortes.
Considerando que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. A igualdade preconizada pelo constitucionalismo moderno tem como escopo a igualdade real e efetiva perante os bens da vida. Consiste no uso equilibrado desses mesmos bens e serviços. Para tanto, as diferenças biológicas, culturais, físicas e psicológicas entre pessoas e grupos são consideradas valores e devem ser prestigiadas de tal forma a permitir às mesmas iguais oportunidades.
Dr. Cicero Muniz Florêncio é advogado do SINTRABOR
Fonte: Boletim Sintrabor