No segundo trimestre, participação feminina no mercado despencou para 46,3%
Pela primeira vez nos últimos 30 anos, a maioria das mulheres brasileiras está fora do mercado de trabalho. A crise econômica brasileira, agravada com os retrocessos do governo Jair Bolsonaro e a pandemia de Covid-19, aumentou o desemprego dos trabalhadores em geral – mas das trabalhadoras em particular. No segundo trimestre deste ano, a participação feminina no mercado despencou para 46,3%.
Esse indicador considera mulheres com mais de 14 anos que trabalham ou estão procurando emprego, na comparação com o universo total do gênero. Após bater recordes nos governos Lula e Dilma, o índice recuou no rastro da recessão, do golpe de 2016 e da chegada de Bolsonaro ao poder.
A pandemia piorou a situação das mulheres trabalhadoras, com empresas fechando postos de trabalho, escolas operando a distância e idosos precisando de cuidados extras. Conforme demonstra o IBGE, os hábitos e a cultura da sociedade têm impedido muitas mulheres não só de trabalhar – mas até de procurar emprego. E, dentro de casa, elas ficaram (ainda mais) sobrecarregadas.
Desde 1991, o número de mulheres no mercado de trabalho não caía abaixo dos 50% – e desde 1990 não atingia valor tão baixo, quando ficou em 44,2%. Mas, afinal, por que a participação feminina agora encolheu até 46,3%?
A obrigação que recai sobre as mães trabalhadoras de cuidar dos filhos é um dos motivos. Entre as mulheres que têm criança de até 10 anos em casa, esse recuo foi de 7,7 pontos porcentuais entre o segundo trimestre de 2019 e o mesmo período deste ano. Já entre as mulheres em geral, a redução foi de 7,1 pontos porcentuais e, entre os homens, de 6,3 pontos porcentuais.
“Com a pandemia, muita gente deixou de procurar trabalho. Ficou arriscado sair de casa para isso e o mercado não está receptivo”, diz o economista Marcos Hecksher, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). “No caso das mulheres, o problema foi agravado porque os cuidados com a casa costumam recair mais sobre elas.”
Antes da Covid-19, as mulheres já dedicavam, em média, 10,4 horas por semana a mais em tarefas domésticas. Em 2019, o tempo médio gasto pelas mulheres com esses afazeres foi de 21,4 horas semanais, enquanto o dos homens foi de 11 horas, conforme o IBGE. Com a pandemia, segundo pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz, 26,4% das mulheres afirmaram que o trabalho doméstico aumentou muito. Entre os homens, o índice é de 13%. O levantamento indica ainda que as mulheres estão proporcionalmente mais tristes e deprimidas (50%) que os homens (30%).
O auxílio emergencial dobrado para mães solteiras também fez com que um maior número de mulheres deixasse o mercado de trabalho. O problema é que, quando a ajuda do governo acabar definitivamente, muitas dessas mulheres terão de procurar um emprego novamente e não deverão encontrar.
Por não estarem procurando tanto uma ocupação, as mulheres não registraram um aumento tão significativo na taxa de desemprego. Entre abril e junho, o índice atingiu 14,9%, com uma alta de 0,8 ponto porcentual na comparação com o mesmo período de 2019. Entre os homens, o aumento foi de 1,7 ponto e a taxa chegou a 12%.
Combater a exclusão
Há medidas que podem ser tomadas sobretudo pelo governo federal – mas também pelos estaduais e municipais – para combater a crescente exclusão feminina no mercado de trabalho. A professora universitária e pesquisadora Lucilene Morandi, propõe o aumento de vagas em escolas e creches, além de projetos que recebam idosos durante o dia. Segundo ela, seria um modo de amenizar a situação das mulheres e permitir que elas voltem à ativa.
“A sociedade entende que a pessoa responsável por cuidar de doentes, idosos e filhos é a mulher, que fica sobrecarregada. Isso é histórico e cultural”, afirma Lucilene, que coordena o Núcleo de Estudos de Gênero e Economia da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF). “A solução passa por política pública – desde a questão de creche até estrutura de assistência ao idoso.”
Lucilene destaca a importância de haver creches e escolas em período integral. “Hoje, as creches não são pensadas para ser também um apoio para as mães. Enquanto elas funcionam das 7h30 às 11h30, ajudam no máximo a mãe a ir ao mercado, a tomar banho ou a fazer coisas que uma mulher não consegue com uma criança no colo.”
Sem medidas específicas, a tendência é que as mulheres continuem trabalhando menos horas por dia do que gostariam. Segundo dados do IBGE compilados pela Tendências Consultoria, a taxa de subutilização da força de trabalho entre as mulheres ficou em 34,1% no segundo trimestre deste ano. Entre os homens, foi de 24,9%.
Para a economista Regina Madalozzo, coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero do Centro de Estudos em Negócios do Insper, também é preciso um trabalho mais ativo das empresas em busca da igualdade de gênero. “Na pandemia, homens e mulheres estão trabalhando mais – a carga é penosa para todos”, diz. “Mas, para quem tem uma carga adicional com o serviço de casa, acaba sendo insuportável. Os gestores estão prestando atenção a isso?”
No caso das mulheres impelidas a pedirem demissão, não dá para saber se suas carreiras serão recompostas no futuro. Segundo Regina, “dependendo de como foi a saída, pode ser possível continuar do nível que parou. Mas, dependendo do tempo de afastamento, fica complicado – com o agravante de que hoje as coisas mudam muito rápido”.
Marisa Cesar, presidente do Grupo Mulheres do Brasil, afirma que capacitação e acesso a microcrédito também podem ajudar as trabalhadoras, já que a profundidade da crise obrigará muitas a criarem pequenos negócios. “Não estamos pensando na possibilidade de elas juntarem muito dinheiro, mas de poderem sair da vulnerabilidade”, diz a dirigente do grupo criado por Luiza Trajano.
De acordo com Marisa, vários estados e municípios até têm programas de apoio às mulheres, mas a divulgação é tão precária que a maior parte do público que poderia ser beneficiado não fica nem sabendo. “Tem parcela de investimento mal utilizada. Não estou nem falando que tem pouca verba, mas a comunicação é mal feita”, afirma “Tem programas, sim – mas talvez não na proporção que dê para atender a todas.”
O economista Marcos Hecksher, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), defende a desoneração temporária da folha de pagamentos para novas admissões. Contratos de até 20 horas de trabalho por semana ficariam isentos de contribuição previdenciária patronal. A alíquota aumentaria em quatro pontos porcentuais para cada quatro horas a mais incluídas no contrato, até o limite de 36 horas por semana.
Essa desoneração, conforme Hecksher, estimularia as empresas a contratar um maior número de funcionários, ainda que cada um acabe trabalhando menos do que gostaria. A ideia é fazer com que mais trabalhadores tenham acesso a um cargo e, assim, a uma renda. “Mulheres tenderiam a ser mais beneficiadas”, diz o economista. “Elas já são mais frequentemente contratadas com jornadas parciais.”
Fonte: Portal Vermelho