Comidas e bebidas estão entre os três itens que mais pesaram o orçamento no mês de julho
A divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta semana, confirmou que o preço dos alimentos segue em tendência de alta cada vez mais acelerada no Brasil.
Em julho, o IPCA subiu 0,96%, índice superior ao registrado no mês anterior, quando o resultado ficou em 0,53%. Isso quer dizer que os custos do consumo estão crescendo mais e de maneira mais rápida.
A variação do mês passado é a maior para o período em quase vinte anos e foi impulsionada principalmente pelos preços da energia elétrica, do transporte e dos alimentos. A comida representou o terceiro maior fator para aumento da inflação.
Segundo o IBGE, para o grupo Alimentos e Bebidas, a alta foi de 0,60% contra 0,43% em junho. Comer ficou 0,78% mais caro em casa e 0,14% na rua. Há alta de preços no tomate (18,65%), no frango em pedaços (4,28%), no leite longa vida (3,71%) e nas carnes (0,77%).
Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) apontam que o custo médio da cesta básica subiu em 15 capitais no mês de julho. Para quem ganha um salário mínimo foi preciso comprometer mais de metade da renda com alimentação.
Nas poucas vezes em que fez algum comentário sobre a situação, o presidente Jair Bolsonaro colocou a alta dos preços na conta do consumo. Em algumas ocasiões, ele chegou a afirmar que o auxílio emergencial estava estimulando a demanda e a inflação.
Onde tudo começa
O economista Caio Vilela, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e diretor do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento, aponta que as explicações de Bolsonaro não não refletem a realidade.
"É importante entender como a gente chegou nesse ponto, para desmentir essa coisa de que o auxílio emergencial foi pago e, por isso, as pessoas estão comendo mais e, por isso, o preço dos alimentos sobe. É uma falsa questão", alerta Caio.
Segundo o economista, mesmo se esse fosse o ponto central, as decisões políticas ainda seriam insuficientes, "Se esse fosse o problema, as pessoas estariam matando a fome. Se você não consegue manter uma estabilidade de preços, você tem que desenvolver o sistema para ser capaz de atender a demanda. Mas nem é esse o caso", explica.
"Os alimentos que nós consumimos costumavam, historicamente, ser controlados pela Conab - uma instituição aliada ao Ministério da Agricultura - e tinha, até 2014, uma política muito forte de estoque regulador. Armazenávamos grãos em armazéns, que eram doados e também serviam de insumos para pequenos agricultores", completa.
Caio se refere à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), estatal que vem perdendo armazéns desde o início do governo Bolsonaro. Somente em 2019, foram vendidas 27 unidades. Este ano, foram colocados para estudo de venda e concessão 180 armazéns e 25 imóveis.
O professor aponta que isso gerou uma queda de controle sobre os alimentos no Brasil. "Quando a gente reduz a capacidade de estocar alimentos, a gente abre uma frente para ficar vulnerável a choques de custo para os agricultores e também nos impede de oferecer alimentos para quem está em situação de vulnerabilidade".
Até onde vai?
Um exemplo de consequência intensificada pela falta de estoque regulador é a ligação direta da alta do dólar com o aumento do preço de alimentos no Brasil. O câmbio é vantajoso para exportações, que estão crescendo, o que diminui a oferta interna.
Recentemente, o Banco Central baixou a taxa de juros, o que pode refletir no valor da moeda estadunidense. No entanto, para a coordenadora do Coletivo Arroz, Feijão e Economia (iniciativa para popularização da economia), Clara Mendonça Saliba, a medida é uma "maneira muito indireta" de controlar a situação.
"A decisão de comer passa por um sistema econômico, político e social que envolve muitas variáveis. Entre elas, a política alimentar é central. A decisão do governo brasileiro de não realizar políticas alimentares é uma omissão governamental que influencia muito na comida do trabalhador", afirma.
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Alguns pontos devem ser levados em consideração para tentar entender até onde a situação pode chegar. O país vem registrando recordes de desemprego e crescimento do subemprego, a renda está mais baixa, o auxílio emergencial está próximo do fim e a produção ficou mais cara por conta dos preços da energia e do combustível.
Segundo Clara, a reação do poder público não é adequada. "A gente tem um governo ruralista, que coloca como prioridade o crescimento do agronegócio pelo crescimento, não pela alimentação das pessoas. A prova disso é que 50% da população está passando por insegurança alimentar e o agronegócio está com crescimento recorde".
Sem expectativas de controle da insegurança alimentar no curto prazo, a dieta do brasileiro segue por um caminho preocupante. Há aumento no consumo de ultraprocessados e diminuição da presença de comida in natura, principalmente na mesa de famílias de baixa renda.
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O consumo excessivo de industrializados está associado ao aumento de problemas como obesidade, má nutrição, diabetes, hipertensão, câncer, e até mesmo depressão. Também há impactos no desenvolvimento cognitivo, principalmente para crianças.
Diante de riscos tão altos, Clara ressalta que é preciso não pode ter a ilusão de que o mercado vai resolver a política de alimentação. "O tal do 'ponto ótimo', onde oferta encontra demanda, é um ponto que não está nem aí para quanto as pessoas estão comendo por dia. Nada me garante que as leis do mercado não vão arranjar um equilíbrio em que metade da população não come", completa.
Fonte: Brasil de Fato