Trabalhadores de serviços de entrega consideram histórico ato organizado nesta 4ª, mas discutem estratégia para evitar punição das empresas.
Entregadores de aplicativos que participaram da onda de paralisações em todo o País nesta quarta-feira (1º) agora traçam uma estratégia para lidar com uma possível retaliação das empresas, o que eles chamam de “bloqueio branco”. A maneira como os bloqueios são feitos hoje nos aplicativos é, inclusive, uma das reclamações da categoria.
Com o avanço da pandemia e a imposição do isolamento social para conter o novo coronavírus, o serviço dos entregadores se tornou essencial. Porém, em vez de assistir à valorização de sua atividade, eles afirmam que ocorreu o oposto. Pesquisa feita pela Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista sustenta a queixa: antes da covid-19, a maioria dos entregadores (60%) recebia entre R$ 261 e R$ 1.041. Hoje, apenas um terço recebe essa faixa de valores.
A mudança do cenário, em meio à pandemia, trouxe ainda outros obstáculos aos entregadores. Eles passaram a se preocupar com cuidados extras de higiene — muitas vezes, alegam, sem amparo das empresas. Ainda segundo a pesquisa, mais de 90% dos entregadores usam máscara e álcool em gel para limpar as mãos, mas apenas 43% recebem algumas ajuda das companhias para adquirir esses itens.
Em abril, o HuffPost conversou com Diego, 24 anos, que trabalhava de 9 a 10 horas por dia para 3 aplicativos: Uber Eats, Rappi e Ifood. À época, ele afirmou que a rotina tinha mudado muito de antes para depois da pandemia, que a demanda tinha aumentado, mas que não tinha refletido no bolso. O que mais o angustiava, no entanto, era o medo de ser infectado. “Tô com medo e tá todo mundo com medo. Estou ficando neurótico com limpar as mãos, evitar colocar no rosto, mas é difícil”, disse.
Os entregadores pedem das empresas auxílio aos colegas que forem contaminados pelo vírus, além de aumento das taxas pagas por entrega, como a taxa mínima, e o fim dos bloqueios “injustos”. A cada bloqueio os entregadores ficam algumas horas sem receber chamados.
Nos termos de uso dos aplicativos, em geral, a possibilidade de impedimento está prevista sem explicação. O Rappi, por exemplo, diz que “a operadora poderá unilateralmente revogar a autorização de uso em qualquer momento e, se assim o desejar, desabilitar o entregador”.
Foi um “bloqueio injusto” um dos catalisadores do movimento que tomou as ruas de cidades como São Paulo e Brasília na quarta. Paulo Mello, 31 anos, foi bloqueado por algumas horas no dia do seu aniversário, em 21 de março, pelo Uber Eats por não conseguir conversar com o robô do bate-papo da empresa. Depois disso, ele criou uma petição na Change.org para cobrar amparo com equipamentos de proteção por causa da pandemia e alimentação.
Ao HuffPost Brasil, depois da paralisação nesta quarta, ele afirmou que foi “um dia histórico”, mas ainda sem resposta das empresas. “Foi o início da uma coisa maravilhosa que está por vir”, definiu. Os grevistas, que temem retaliação, agora, buscam estratégia para lidar com as consequências que podem vir pela frente. “Estamos discutindo como operar se ocorrer um bloqueio branco”, afirmou.
Quando conversou com a reportagem, Paulo Mello ainda estava em busca do número de colegas que tinham aderido à paralisação. É ele o autor da frase que viralizou sobre a realidade do trabalho dos entregadores: “Vocês sabem o que é ter que trabalhar o dia inteiro carregando comida para as pessoas, sentindo o cheiro, e estar com fome? Eu e meus colegas sabemos e passamos por isso todos os dias”.
Junto com a paralisação, os manifestantes entregaram ao Ministério Público do Trabalho (MPT), em São Paulo, uma carta com o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício entre os motoboys e os aplicativos. O MPT tem feito recomendações no sentido de proteger os trabalhadores de serviços de entregas, como a determinação do fornecimento de kit de higienização. As empresas, no entanto, têm evitado comentar as orientações tanto do MPT quanto decisões da Justiça do Trabalho.
O que dizem os apps
Aplicativos como Rappi e iFood informaram nesta quarta-feira que não pretendem punir ou desativar os grevistas. Questionada, a Uber Eats não respondeu à reportagem. Tanto Rappi quanto iFood informaram ainda que apoiam a liberdade de expressão e de manifestação.
O Rappi afirmou que o valor das corridas varia, que leva em conta fatores como clima, dia da semana, horário, complexidade e distância percorrida. Acrescentou que há a possibilidade de gorjeta, dada pelo passageiro, e que, desde o ano passado, há um seguro em caso de acidentes. Disse também que apoiará financeiramente os entregadores parceiros com sintomas ou diagnóstico de covid-19 pelo período de 15 dias.
O iFood ― única empresa que se posicionou após a paralisação ― disse que, por causa da greve, foi preciso acionar um plano para manter as operações em andamento. “Reconhecemos que podemos melhorar nossa relação com os entregadores. (…) Também estamos ampliando a escuta de suas demandas, mas desde sempre nos empenhamos em fazer o melhor. Junto com eles, passamos por um processo de aprendizado e seguimos evoluindo no modelo de parceria dentro de uma nova economia”, diz nota da empresa.
Assim como o Rappi, o iFood esclarece que oferece seguro em caso de acidente para os motoboys. Afirma que a taxa tem valor mínimo de R$ 5, mas que a média paga é superior; fica entre R$ 8 e R$ 9. Em relação aos bloqueios, disse que há regras claras e que a palavra final é dada por uma pessoa e não um robô.
De acordo com o Meio&Mensagem, um levantamento do Instituto Food Service Brasil (IFB) indica que o volume das entregas e o share de delivery cresceu de 9% em abril de 2019 para 32% em abril deste ano.
Fonte: www.huffpostbrasil.com