Carol Solberg é advertida pelo STJD por gritar “Fora Bolsonaro” e pode receber punição mais grave caso se manifeste novamente. A história mostra como o posicionamento dos atletas é relevante
A atleta de vôlei de praia Carol Solberg foi julgada nesta terça-feira (13) no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) por se manifestar politicamente durante a cerimônia de premiação no Circuito Nacional de vôlei. A atleta recebeu uma advertência pelo ato e está liberada a participar das próximas etapas do circuito junto à sua parceira Talita. O episódio não é o primeiro a gerar intensa polêmica no mundo esportivo e provocou ampla solidariedade à atleta.
No último dia 20 de setembro, Carol gritou “Fora Bolsonaro” durante entrevista ao vivo ao canal SporTV2 depois da conquista da medalha de bronze. Foi então que o Subprocurador Geral do STJD, Wagner Dantas, encaminhou uma denúncia para a secretaria do órgão. O julgamento estava marcado inicialmente para o dia 6 de outubro, mas foi adiado em uma semana após a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) solicitarem participação no processo.
A denúncia se baseou em dois artigos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) e em um termo assinado pelos atletas antes da competição. O artigo 258, o qual afirma que o atleta não pode “assumir qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva não tipificada pelas demais regras do código”, foi descartado pela Comissão Disciplinar do STJD para julgar o caso.
O ato foi avaliado a partir do artigo 191 do CBJD que estipula multa ao atleta que “deixar de cumprir, ou dificultar o cumprimento de regulamento, geral ou especial, de competição”. Em relação ao termo assinado pelos jogadores antes da competição, foi discutido o item 3.3 , no qual “o jogador se compromete a não divulgar, através dos meios de comunicação, sua opinião pessoal ou informação que reflita críticas ou possa, direta ou indiretamente, prejudicar ou denegrir a imagem da CBV e/ou os patrocinadores e parceiros comerciais das Competições”.
Durante o julgamento, a comissão não conseguiu estabelecer claramente quais quesitos do regulamento foram desrespeitados pela atleta (artigo 191), assim como não apontou prejuízos concretos à imagem da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) ou de patrocinadores e parceiros. Diante dos fatos, o STJD optou pela advertência à jogadora e a avisou que em um novo caso poderá sofrer uma punição mais severa. “Acho que medida educativa, pedagógica, pode ser alcançada. Se ela futuramente repetir as expressões dentro de quadra de outra forma que não seja aquela direcionada ao esporte, ela pode ser punida com uma pena pior”, afirmou no julgamento o presidente da Comissão, Otacílio Araújo.
A punição máxima estipulada pela denúncia era de R$100 mil reais e suspensão de seis competições. A defesa da atleta foi feita pelos advogados Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e Leonardo Andreotti, ex-presidente do próprio STJD, a convite do movimento Esporte pela Democracia. Em nota, os advogados afirmaram: “Restou bem demonstrado e acatado pelos auditores que a pena originalmente prevista na denúncia apresentada era desproporcional e injustificada.”
Filha da ex-jogadora de vôlei Isabel Salgado, Carol Solberg pratica o esporte desde os nove anos e representou o Brasil pela primeira vez em competições quando tinha 15 anos. A atleta justificou seus atos durante o julgamento. “Estava muito, muito feliz de ter ganhado o bronze e na hora de dar minha entrevista não consegui não pensar em tudo que está acontecendo no Brasil e me veio um grito totalmente espontâneo de tristeza e insatisfação com o que está acontecendo.” Carol ainda afirmou que não se arrepende da manifestação. “Não me sinto nem um pouco arrependida. Só manifestei minha opinião. Da mesma forma que vejo que os meninos da seleção de vôlei de quadra manifestaram a opinião deles, uma opinião contrária à minha, do futebol também. Não me arrependo”, completou.
Como visto, Carol Solberg menciona o caso em que jogadores da seleção de vôlei de quadra masculina expressaram apoio ao então candidato da República Jair Bolsonaro em 2018. Na época, os jogadores Wallace e Maurício Souza posaram para uma foto gesticulando o número 17, o código de Bolsonaro nas urnas. A fotografia foi postada nas redes sociais da CBV e nenhuma atitude legal foi tomada apesar das reclamações de vários setores.
O subprocurador geral Wagner Dantas, que apresentou denúncia contra Carol, afirmou no tribunal que os casos eram incomparáveis, pois o gesto ocorreu durante o Mundial, em outra jurisdição. Ainda em 2018, após a repercussão negativa, a CBV excluiu a postagem e publicou uma nota na qual “repudia qualquer tipo de manifestação discriminatória, seja em qualquer esfera, e também não compactua com manifestação política. Porém, a entidade acredita na liberdade de expressão e, por isso, não se permite controlar as redes sociais pessoais dos atletas”.
A discussão se manifestações políticas devem ser excluídas do mundo esportivo é recorrente. Afinal, o status que o atleta tem na sociedade é atingido por meio do mérito esportivo e, a princípio, não se relaciona com a atuação política. Por outro lado, argumenta-se que o esporte não pode estar alienado das questões políticas em que está inserido. Além disso, um posicionamento pessoal não equivale ao posicionamento de uma categoria inteira ou uma verdade absoluta.
Manifestações políticas no esporte
Na história, há exemplos grandiosos de intervenções políticas de atletas que aproveitaram o momento de destaque para pautar questões relevantes. E no presente também, ainda bem.
Em 1967, o dono do título mundial nos pesos pesados e com nove defesas de cinturão bem-sucedidas, Mohammed Ali se recusou a lutar na Guerra do Vietnã e fez o seguinte questionamento: “Por que eles deveriam me pedir para colocar um uniforme, ir a dez mil milhas de casa e atirar bombas e balas nas pessoas marrons no Vietnã enquanto as pessoas chamadas de ‘nigger’ em Louisville são tratadas como cachorros e negadas de direitos humanos básicos?”
Um ano depois, os velocistas americanos Tommie Smith, medalha de ouro, e John Carlos, de bronze, entraram para a história com um protesto silencioso durante a premiação nos Jogos Olímpicos na Cidade do México. Os dois ergueram o punho fechado com uma luva preta, uma saudação consagrada pelos Panteras Negras, um grupo de combate à discriminação nos EUA. Por causa do ato, foram expulsos da Vila Olímpica.
Em 1995, Nelson Mandela enxergou no esporte uma oportunidade de união. Primeiro presidente eleito após o fim do regime de Apartheid, Mandela valorizou o Mundial de Rugbi sediado na África do Sul e incentivou publicamente a seleção, tradicionalmente apoiada apenas pelos habitantes brancos da nação. A campanha vitoriosa elevou o esporte as graças de toda a nação e ajudou a combater a segregação racial. O episódio foi retratado no filme Invictus.
Um exemplo em solos brasileiros ocorreu em 1981, com a chamada Democracia Corinthiana. Ainda sob a Ditadura Militar, jogadores do Corinthians se organizaram para obter mais participação nas decisões administrativas e futebolísticas da equipe. O clube chegou a estampar incentivos à participação popular na primeira votação para o governo estadual em 17 anos. Os principais expoentes foram Sócrates, Casagrande e Wladimir, que mantinham diálogo com outros setores da sociedade acerca da redemocratização do Brasil. O filme Democracia em Preto e Branco ilustra o movimento.
De volta ao presente, um movimento emblemático de 2020 invadiu as quadras e gramados esportivos. O Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) surgiu após a morte do americano George Floyd por força policial desnecessária em maio deste ano e repercutiu em praticamente todos os esportes. Foram muitas homenagens e manifestações, especialmente no basquete em que a maioria dos jogadores são negros.
O esporte e a política estão historicamente conectados, pois os atletas são seres humanos que estão inseridos na sociedade e sujeitos a injustiças. Como cada um percebe a realidade de sua maneira particular, a depender de fatores familiares, sociais e econômicos, as manifestações são diversas, individuais e legítimas. É apenas humano extravasar o sentimento reprimido quando alcança a glória.
O perigo é quando instituições param de se preocupar com o esporte, com os atletas e com os fãs e monopolizam a expressão política do segmento. No mesmo dia em que Carol Solberg foi advertida por manifestação política, o jogo da seleção brasileira de futebol masculino foi transmitido em uma rede de televisão pública com direito a propaganda do governo no intervalo e abraço ao presidente durante a transmissão.
O debate se estendeu pela sociedade, com manifestações de vários setores.
Liberdade de expressão
Na imprensa tradicional, a defesa pelo direito da jogadora de se expressar foi extensa. Cid Benjamin, jornalista e vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), — a qual entrou com pedido de participação no julgamento — falou sobre o assunto em entrevista ao podcast Faixa Livre no dia 9 de outubro. “Ao longo da história, a ABI sempre esteve do lado certo, do lado progressista, da defesa da democracia, dos direitos humanos. (…). O direito de expressão é um direito constitucional assegurado a qualquer cidadão. Seja ele atleta, seja ele quem for. De forma que a Carol tem o direito de dizer ‘Fora Bolsonaro’”.
Juca Kfouri, um expoente do jornalismo esportivo, colocou em perspectiva o ato da atleta em uma introdução sobre o assunto no Momento Esportivo na rádio CBN no dia 6 de outubro. “Carol Solberg não matou, não roubou, não estuprou, não cometeu nenhum ato racista ou homofóbico. Carol Solberg também não queimou mata alguma, não derrubou nenhuma árvore, não poluiu o mar nem poluiu nenhum rio. Carol Solberg nem sequer ultrapassou pelo acostamento, desrespeitou o sinal vermelho, atravessou fora da faixa ou jogou papel no chão. A atleta Carol Solberg não xingou o juiz ou jogou a bola na torcida. A cidadã Carol Solberg apenas disse em alto e bom som ‘Fora Bolsonaro’.”
Nas instituições de voleibol, a crítica prevaleceu. A Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) e a Comissão Nacional de Atletas Vôlei de Praia — departamento ligado aos atletas da área, comandado pelo ex-jogador e ex-Secretário no governo Bolsonaro, Emanuel Rego — publicaram nota de repúdio à manifestação política da atleta em que afirmam que o gesto de Carol “em nada condiz com a atitude ética que os atletas devem sempre zelar” e que “lutaremos ao máximo para este tipo de situação não aconteça novamente”.
Redes sociais
A jogadora de vôlei Fabiana Claudino, ex-capitã da seleção brasileira: “Desde que elas não sejam ofensivas, criminosas ou que faltem com respeito. Temos que ter muito cuidado com a censura ou flerte com a volta dela, precisamos estar atentos aos nossos direitos enquanto cidadãos. Portanto, não foi muito feliz a nota escrita pela CBV…”
Deputada Federal Jandira Feghali (PCdoB): “Carol Solberg levou, no fim, advertência formal da CBV e não poderá repetir o FORA, BOLSONARO nas quadras. Carol, saiba que o seu grito de protesto é o grito de milhões de brasileiros!! O silêncio jamais vingará depois de tudo isso. #ForaBolsonaro”
Ex-presidente Lula (PT): “No mundo inteiro estamos vendo atletas cada vez mais se posicionarem contra injustiças sociais. No Brasil de Bolsonaro estão querendo perseguir quem faz isso. Minha solidariedade à Carol Solberg.”
A Campanha Nacional Fora Bolsonaro também apoiou a atleta por meio de nota.
“A Campanha Nacional Fora Bolsonaro vem a público manifestar sua solidariedade a jogadora de vôlei Carol Solberg, que foi advertida pelo STJD e criticada pela CBV, por ter usado o seu livre direito de expressão enquanto cidadã brasileira e gritado Fora Bolsonaro.
Ela não fez mais do que manifestar sua indignação e de parcela significativa da população brasileira que não agüenta mais o desgoverno do Presidente Bolsonaro frente à crise sanitária que mata milhares de brasileiros, ao crescimento do desemprego e da fome, ao desrespeito ao meio ambiente e a subserviência ao imperialismo norte americano.
Nossa solidariedade a Carol Solberg.
Viva a luta das Mulheres!
Fonte: Portal Vermelho