Com imperdoável atraso, justificado pelo clima eleitoral tenso, nada será como antes se Milton Nascimento, um dos oitentões mais importantes da música popular brasileira, não for homenageado. O compositor que mais difundiu a música regional mineira, mesclada com nossas raízes culturais negras, com jazz, Beatles, bossa nova, sons latinos diversos, música sacra, além de grandes nomes como Violeta Parra, Bob Dylan, The Platters, Silvio Rodrigues.
Como se vê, a singularidade de Milton Nascimento consiste na síntese improvável de sons distintos, constituindo uma música intrinsecamente casada com as letras dele (algumas) e de outros grandes poetas (a maior parte).
Cedo perdeu a mãe, uma empregada doméstica, e foi morar com a avó. Depois, acabou adotado por um casal de mineiros. Lilian Silva Campos (professora de música) e Josino Campos (dono de uma rádio em Três Pontas), percebendo a tristeza do garoto, resolveram adotá-lo. A avó só exigiu que não lhe tirassem o sobrenome da mãe.
Parece que a força do destino deu esse empurrãozinho no que se tornaria um dos maiores talentos da música popular brasileira, que está entre aqueles que fizeram surgir o termo MPB, ao lado de Gilberto Gil e Caetano Veloso, outros oitentões, e de Chico Buarque, também a caminho dos 80.
“Todos os dias é um vai e vem” e assim “a vida se repete na estação” porque “tem gente que chega pra ficar” e “tem gente que vai pra nunca mais” (Encontros e Despedidas, dele com Fernando Brant/1946-2015). É a vida de todo lugar.
Em seu espetacular texto, publicado [no Portal Vermelho] na data certa do aniversário desse gigante da MPB, nesta quinta-feira (26), com o título “Milton Nascimento, ‘a voz de Deus’, completa 80 anos”, Bárbara Luz ressalta as facetas de um dos maiores cantores do mundo. E, para este modesto jornalista, o maior cantor brasileiro de todos os tempos.
Ela destaca também a sua importância como um dos mais importantes compositores do país com canções eternizadas no imaginário popular de todas as pessoas que amam a música de qualidade. E como ele se aposenta dos palcos neste ano, deixa-nos a missão de ouvir suas interpretações e suas canções.
Ao cantar que “a pulsação do mundo é o coração da gente” e dialeticamente “o coração do mundo é A pulsação da gente” e com isso “ninguém nos pode impor, meu irmão, o que é melhor pra gente”, em De Magia, de Dança e Pés, parceria com Fernando Brant). Mais transparente impossível. O que é melhor pra gente neste momento?
Porque “todo artista tem que ir aonde o povo está” e assim “cantando me disfarço e não me canso de viver nem de cantar” (Nos Bailes da Vida, de Milton e Fernando Brant). Só para deixar claro que Os Pássaros Trazem as Notícias do Brasil, que nunca dão “no rádio, no jornal ou na televisão” ao anunciar a novidade de que “o Brasil não é só litoral/É muito mais é muito mais que qualquer Zona Sul/Tem gente boa espalhada por esse Brasil/Que vai fazer desse lugar um bom país” (também com Fernando Brant, seu principal parceiro). Essa música define bem a sua obra carregada de vida, amor e poesia.
A novidade profetizada está na luta deste povo para superar o monstro do fascismo, representado pelo atual desgoverno, a ser sepultado no domingo (30) com a bem provável vitória do presidente Lula, para o povo um dia se juntar e mostrar que é “bem mais sábio que quem o quer governar”.
O legado de Milton pode ser apreciado na homenagem prestada pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), que “realizou um levantamento sobre as músicas do artista. De acordo com a instituição, Milton Nascimento possui 401 obras musicais e 1.191 gravações cadastradas no banco de dados da gestão coletiva da música no Brasil”, aponta Bárbara em sua reportagem.
Sente-se a influência do canto desse gigante da MPB em autores tão díspares como Criolo e Emicida, entre outros. Os álbuns Clube da Esquina 1 e 2 sintetizam a força desse canto de Minas Gerais para o mundo estão entre os mais importantes feitos no país.
Feliz de uma nação que pode comemorar os 80 anos de um artista tão peculiar com um talento inigualável. Milton Nascimento mostra que os sonhos nunca envelhecem se estiverem em consonância com a vida concreta carregada de utopia, afinal o sonho nunca acaba.
O que seria da vida sem música e poesia? O que seria de nós sem a voz e o canto de Milton Nascimento? Em seus 80 anos, a obra desse artista marca a vida de todas as pessoas que creem num futuro diferente e melhor. A MPB nunca mais foi a mesma depois dele.
Marcos Ruy é jornalista
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