Por Eric A. Gordon
Há tempos de despertar no teatro! Na semana que passou eu vi uma peça sobre as mulheres da Revolução Francesa, incluindo uma Marianne haitiana exigindo o fim da escravidão nas colônias e a independência de Santo Domingo. E a próxima noite (3 de junho), um musical sobre a república de Palmares, que resistiu aos portugueses no Nordeste do Brasil por quase um século (1605-1694). Aceitem isso, seus negacionistas fascistas, bandeiras e censores!
Vamos visita-los cronologicamente – o Brasil hoje, Paris amanhã.
Décadas atrás, o historiador comunista Herbert Aptheker estava entre os primeiros a documentar que onde há escravidão, vai haver resistência – rebelião, fuga, sabotagem e, em muitos casos, o estabelecimento de comunidades livres, frequentemente em pântanos difíceis de alcançar, córregos e redutos de montanhas. Tais lugares existiam através de toda as Américas – Norte, Sul, e o Caribe.
Palmares foi historicamente um desses lugares que durou mais tempo em existência, incisivamente chamando a si mesmo de uma “república”, lembrando uma forma de democracia do mundo antigo, mesmo antes da primeira república ter sido declarada (França, 1792). Essa república tinha seu grande guerreiro Rei Ganga Zumba.
A incerteza política ajudou a erguer o assentamento de Palmares. Por um tempo, o governo português no Nordeste brasileiro, então a parte mais desenvolvida de um vasto subcontinente ainda amplamente inexplorado por invasores europeus, foi desafiado pelos holandeses. Então, enquanto as forças portuguesas estavam distraídas, uma parte da população escravizada africana, principalmente engajados na produção de açúcar nas regiões costeiras, viu sua oportunidade de fugir. Eventualmente, a república que eles construíram, seu paraíso selvagem de Palmares, compreendia um território maior que o próprio Portugal, jurando lealdade a coroa portuguesa que tinha trazido para eles apenas exílio, o chicote e as correntes.
Como uma sociedade livre de escravidão bem-sucedida, economicamente produtiva e bem organizada, Palmares atraiu não apenas africanos fugitivos, mas também indígenas da região, pessoas de identidade racial mista, e mesmo alguns brancos, como soldados portugueses que tinham como causa comum a república. A combinação de conhecimento sobre plantações, uso de terra, comércios de construção, defesa, criação animal, indústria e comércio, feita por uma sociedade totalmente funcional, na qual um novo modelo de felicidade humana floresceu, embora sob constante ameaça dos portugueses.
Em 1675, quando a peça se passa, cerca de 30.000 homens e mulheres livres estavam vivendo em sua nação Palmares. Seus filhos nasciam livres da maldição da escravidão. Uma vez que os holandeses foram derrotados e expulsos, os portugueses redobraram seus esforços para conquistar e subjugar a república.
Comparações com a história moderna são inevitáveis: que tipo de exemplo para o mundo uma não alinhada Cuba, ou Chile, ou Venezuela dão? – Ou Vietnã, ou Líbia, ou Granada? Tais símbolos de resistência a opressão imperialista devem ser destruídos!
Os portugueses são persistentes. Apesar dos seus esforços em autodefesa, os habitantes de Palmares não são sempre capazes de monitorar a entrada de espiões e traidores em seu meio. (Um personagem na peça é o capitão Bush, um homem negro que caça pessoas de sua própria espécie para resgate). Os portugueses estão conscientes de que o Rei Ganga Zumba está ficando velho e cansado agora. Ele gostaria de fazer a paz e evitar lutar uma guerra sangrenta e talvez suicida. Seus sinais anteriores de misericórdia, libertando prisioneiros portugueses, são interpretados como sinais de fraqueza. Ele também gostaria de acreditar que os portugueses esgotaram seu tesouro e agora estão procurando por paz.
O governador português no Recife, a principal cidade costeira e capital de Pernambuco, oferece um tratado de paz em troca do retorno dos fugitivos para uma fértil plantação chamada Cacau, perto da costa e mais perto das autoridades. Lá, embora dados uma autonomia local limitada, eles vão mais uma vez cair sob a égide da coroa portuguesa (e, com o tempo, tendo perdido sua independência, talvez sejam efetivamente escravizados novamente – a escravidão no Brasil não foi abolida até 1888).
Rei Ganga Zumba e sua comitiva são convidados ao Recife, onde as pessoas se alinham nas ruas para testemunhar sua chegada. Eles bebem vinho e jantam, honrados e festejados como forças iguais aos portugueses, e é prometido a eles um futuro de paz e conforto. O governador Almeida é de uma vez sedutor, lisonjeiro e ameaçador, enquanto ele coloca sua última e melhor oferta perante o rei.
Mas o general Zumbi do rei, nascido em Palmares e mais novo e ousado, conhece os portugueses e vê através de sua armadilha enganosa. Parte do acordo do governador é “cheia de perdão pelo seu povo, ” mas qual crime eles cometeram? O tratado proposto também afirma que Cacau deve retornar todos os fugitivos para seus mestres. Zumbi prefere continuar defendendo a república de Palmares, acreditando que os portugueses estão oferecendo nada que seus cidadãos já não tenham. Se os portugueses verdadeiramente querem paz, eles devem apenas deixar Palmares para lá! Na verdade, mesmo no Brasil como um todo, os escravos nas plantações superam em número os brancos em quatro a um, então se alguma coisa, com a liderança certa, toda a terra poderia ao invés se tornar parte de uma grande Palmares.
Uma luta de poder entre dois grandes líderes lança um tipo de guerra civil, e nos tempos incertos que seguem, com parte da população decampando para Cacau e o resto permanecendo para lutar até a morte, sua unidade é quebrada. Eventualmente, o estado independente é destruído.
Tudo isso é contado com as bênçãos e encantamentos dos espíritos africanos, e dança animada, música, tambores, e movimentos típicos do candomblé brasileiro, comparáveis a santeria ou vodu, em outras expressões no hemisfério ocidental da cultura africana da diáspora. A capoeira, altamente evoluída em uma dança emocionante e atlética forma sem disfarçar suas raízes como uma arte marcial, é bastante exibida entre os destaques no espetáculo de 90 minutos.
Palmares é parte do Hollywood Fringe Festival de 2023. Concebido anos atrás em outra forma e agora desfrutando de sua última elaboração, ela foi escrita por Vayabobo em uma história por ele mesmo, Maurice Shaw, e Amen Santo, e dirigida por Shaw e Vayabobo. Produzida por Nayla Santo e Earl Cole, ela é apresentada pela Brasil Brasil Cultural Center, uma organização de artes brasileiras em L.A. A coreógrafa é Ashley Monique Blanchard, e o diretor musical é George Karpasitis. O design de som é por Karpasitis e Amen Santo. Os figurinos são por Sanni Diesner. O coordenador de acrobacias críticas é Phillipos Haile.
O elenco inclui Ashley Monique Blanchard, Eurico Senna, Evan Cristo, Felicia “Onyi” Richards, Jelani Lateef, Amen Santo (como Ganga Zumba), Marquisha Walker, Maurice Shaw, Melvin Dawyan Oliver, Oshunde Shango Oshun, Phillipos Haile (como Zumbi), Rick T. Johnson, Gulu Monteiro, Singa Diesner e Tulani Simone. Em sua única cena como o duplicado governador Almeida, o contribuinte do People’s World, Peter Lownds, o aplaudido tradutor do revolucionário romance de Urariano Mota, A Mais Longa Duração da Juventude (International Publishers), faz uma virada especialmente insinuante.
Palmares é uma história convincente de um povo lutando para preservar sua liberdade contra o imperialismo de seu tempo, contada do modo mais acessível e exuberante possível. Essa história verdadeira é a substância da qual as lendas são feitas.
Se você viajar para o Sul de Recife hoje, no estado de Pernambuco, você vai passar na cidade dos dias atuais de Palmares, e então cruzar no pequeno estado de Alagoas, cuja cidade capital é Maceió. A partir de dezembro de 1999, o aeroporto internacional lá (MCZ), tem o nome em homenagem a Zumbi dos Palmares (1645-1695), nacionalmente reconhecido entre os pioneiros da resistência a escravidão no Brasil.
Palmares está em cartaz no Broadwater (Palco Principal), 1076 Lillian Way, em Hollywood, perto da esquina sul de Santa Monica Blvd. Performances adicionais acontecem no sábado, 10 de junho, às 20h; sexta, 16 de junho 18h30; sábado, 17 de junho, 0h30; e domingo, 25 de junho, 1h.
Eric A. Gordon, editor cultural do People’s World, escreveu uma biografia do compositor radical americano Marc Blitzstein, e foi coautor da autobiografia do compositor Earl Robinson.
Fonte: People´s World
Tradução: Luciama Cristina Ruy