Despacho do presidente do órgão envolve autuações notificadas por edital, o que corresponde a 60% de 66 mil multas aplicadas entre 2008 e 2019

 

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) deve anular multas ambientais que podem chegar a R$ 16,2 bilhões. A estimativa é do próprio instituto, que calculou o valor em resposta a um pedido pela Lei de Acesso à Informação (LAI) feito pelo UOL.

O presidente do Ibama, Eduardo Bim, que assumiu o cargo por indicação do ex-ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), publicou em 21 de março um despacho anulando as multas ambientais aplicadas entre 2008 e 2019 que utilizaram edital para avisar os infratores sobre a necessidade de apresentarem sua defesa no final do processo.

Segundo reportagem de Wanderley Preite Sobrinho no UOL, o Ibama informou por LAI que seus fiscais notificaram por edital 60% das 66 mil multas aplicadas no período, um valor estimado em R$ 16,2 bilhões.

Os processos, que precisam ser anulados um a um pelos servidores, vão de desmatamento e queimadas a transporte ilegal de madeira. A reportagem não corrigiu o valor pela inflação porque o Ibama não indicou individualmente as multas expedidas em diferentes datas entre 2008 e 2019 “pois à época, as notificações por edital não eram registradas devidamente”.

O número exato de multas anuladas não é conhecido. Segundo o despacho do Ibama, a autuação ainda poderá ser levada adiante caso o processo não tenha ficado mais de três anos parado, caso contrário, deverá ser anulado. O órgão, porém, não sabe informar o número de ações que se enquadra nesse critério por “falta de dados consolidados”. Mas como já faz três anos que a lei proibindo o uso de edital mudou, os processos que não foram movimentados desde então acabarão anulados de qualquer forma.

 

Notificação por edital

Depois de passadas todas as fases do processo, o Ibama avisa o infrator ambiental que ele tem dez dias para apresentar sua defesa definitiva. Um decreto de 2008 autorizava o Ibama a fazer esse aviso por edital, um documento publicado no site do instituto e disponibilizado em sua sede administrativa. A partir de agora, esse aviso precisa ser feito pelo correio.

“Quase todas as notificações eram por edital naquela época”, afirmou ao UOL a advogada Suely Araújo, especialista em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama no governo Michel Temer (MDB).

“Isso nunca foi problema porque os autuados e seus advogados estavam acostumados com essa regra e acompanhavam as movimentações das diferentes etapas do processo sancionador. Muitos advogados inclusive contratam serviços de acompanhamento processual”, afirma Suely.

Para a ex-presidente do instituto, “essa decisão é como um terremoto que desmonta todo o processo fiscalizatório”. “Joga todo o trabalho dos fiscais no lixo e estimula novas infrações.”

 

Banco Santander

Além de perder arrecadação, ela afirma que o despacho também pode causar um desfalque aos cofres públicos.

“Se os infratores convocados por edital chegaram a pagar a multa, eles podem entrar na Justiça ou mesmo administrativamente, no Ibama, e pedir o dinheiro de volta alegando que a modalidade de convocação por edital foi anulada”, diz.

Uma das multas milionárias que serão anuladas envolve o banco Santander, que em outubro de 2016 foi autuado em R$ 47,5 milhões por financiar a produção de grãos em área de proteção ambiental na Amazônia. Em valores atualizados, a multa equivale hoje a R$ 64 milhões.

Com dinheiro do banco, milhares de toneladas de milho e soja foram semeados em 572 hectares em regiões embargadas pela fiscalização justamente em razão de plantações irregulares registradas anteriormente nas cidades de Porto dos Gaúchos, Feliz Natal e Gaúcha do Norte, em Mato Grosso.

“O Santander esclarece que sempre atua em conformidade com todas as normas ambientais em suas operações”, afirmou a instituição em nota. “O banco recorreu contra a autuação mencionada (…) por entender que foram cumpridos todos os requisitos vigentes à época da concessão do empréstimo.”

“[O Santander] vem elevando voluntariamente os padrões de avaliação de financiamentos para além dos requisitos legais”, afirma.

 

Fonte: Rede Brasil Atual