Jorge Souto Maior cita como um dos exemplos do entrave o lobby empresarial, que tenta barrar o avanço dos direitos trabalhistas
Em dezembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a omissão legislativa sobre a regulamentação do direito à licença-paternidade e estabeleceu um prazo de 18 meses para que o Congresso Nacional altere a lei. Caso as mudanças não sejam realizadas, o STF definirá o novo período da licença.
A licença-paternidade está prevista na Constituição Federal de 1988, no inciso XIX do art. 7º. No Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – segmento da Constituição que estabelece medidas temporárias –, estabeleceu-se que: até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da Constituição, o prazo da licença-paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias; 36 anos depois, ainda não houve uma regulamentação da licença. No entanto, não se pode falar de licença-paternidade sem antes dar destaque à ação que lhe deu origem, a licença-maternidade.
Histórico da licença-maternidade
Antes da Constituição em vigor – e antes de receber esse nome – a licença-maternidade foi instituída em 1932 como um direito das trabalhadoras, a partir do Decreto nº 21.417-A/32. De acordo com Jorge Luiz Souto Maior, jurista e professor do Departamento do Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP, o novo dispositivo previa, na verdade, uma proibição de trabalho para a mulher no horário noturno e em várias atividades e locais, assim como no período “de quatro semanas, antes do parto e quatro semanas depois”, que podia ser aumentado para seis semanas, antes e depois, mediante atestado médico.
Com a edição da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, a proibição prevista 11 anos antes foi estendida para seis semanas antes e depois do parto, e poderia ser estendida para oito semanas caso fosse apresentado um atestado médico. “Na previsão da CLT (art. 393), o pagamento do salário passou a ser integral nesse período, considerando a média também dos últimos seis meses, e seria efetuado pelo empregador, sem prejuízo do eventual recebimento de benefício instituído pela Previdência Social”, acrescenta Maior. Nos dois documentos, o professor afirma que já se previa a impossibilidade de dispensa da gestante desde o momento em que se encontrava em estado de gravidez.
Anos depois, em 1967, por previsão de um novo decreto, o período de afastamento foi alterado: quatro semanas antes e oito semanas depois, totalizando o cálculo de 84 dias. O salário, de acordo com o professor, deveria ser pago integralmente pelo empregador, considerando a média dos últimos seis meses. Em 1977, mais uma mudança aconteceu; agora, o salário maternidade passaria a integrar o rol de benefícios previdenciários. “Se previa uma contribuição empresarial específica para o respectivo custeio e também a possibilidade de o empregador descontar o valor líquido pago à trabalhadora do montante mensal que devia à Previdência Social”, exemplifica Maior. Foi só em 1988, na Constituição em vigor atualmente, que o prazo de afastamento passou de 84 para 120 dias.
Demora na implementação
Segundo o professor, uma das explicações para a demora na legislação da licença-paternidade pode ser explicada pelo lobby empresarial, que tenta barrar o avanço dos direitos trabalhistas. Além disso, questões sociais e culturais também impactam a discussão sobre o tema. Sem a regulação, há um entendimento de que o salário paternidade não seria um benefício previdenciário e sim um direito trabalhista custeado diretamente pelo empregador. “Uma eventual ampliação do prazo implicaria um maior custo de produção, a não ser que se assuma esse direito como um benefício previdenciário”, exemplifica.
Se esse benefício fosse implementado, Maior acredita que seria necessária a fixação de um custeio específico, que provavelmente seria pago pela sociedade. Além de aceitar o pagamento, a população teria que assumir que a licença-paternidade não diz respeito apenas a um direito subjetivo do trabalhador.
Para Maior, a dificuldade na aceitação de mudanças – como no cenário de implementação do benefício previdenciário – está no machismo e patriarcalismo da sociedade, que não conseguem aceitar que os cuidados com a prole devem ser partilhados entre o pai e a mãe da criança. “Ou seja, os 35 anos de omissão do legislador reforçam, na verdade, essa completa despreocupação da maioria dos homens nos espaços de poder, e mesmo das organizações sindicais, com relação ao tempo, porque a alteração desse aspecto resultaria em um abalo dessa estrutura patriarcal e machista e imporia também aos homens essa atividade, essa obrigação de cuidados”, exemplifica.
Mudanças
De acordo com o professor, ainda que o STF reconheça a omissão legislativa, a decisão de estabelecer um prazo de 18 meses – ou seja, um ano e meio – demonstra que o Supremo não assumiu a gravidade e seriedade da situação, que precisa ser resolvida com urgência. “A reforma trabalhista, por exemplo, que alterou mais de 200 dispositivos da CLT, foi promovida em menos de seis meses. Então, 18 meses para resolver uma única questão, que está há 35 anos em atraso, parece um caso bastante excessivo”, aponta.
Fonte: Jornal da USP