Governo vai repor apenas inflação do ano no reajuste da remuneração básica, que chegará a 1.040 reais. Só militares terão possibilidade de alta
Em 2020 não haverá aumento real do salário mínimo no Brasil nem reajuste para servidores, com exceção de militares. Tampouco haverá concursos públicos. Foi o que decidiu o Governo Jair Bolsonaro ao formalizar o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano que vem a ser enviado ao Congresso. A série de recados em nome da austeridade dividiram holofotes, no entanto, com o revés sofrido pelo Governo na tramitação da reforma da Previdência, considerada a pauta mais importante para deter o rombo nas contas públicas. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara não atendeu o Planalto e prevê deixar a primeira votação sobre as mudanças na aposentadoria para depois da Páscoa.
A mudança mais significativa e com potencial de provocar reações é a do salário mínimo, cujo valor do ano que vem deve apenas repor as perdas inflacionárias, e não mais considerar o crescimento da economia do país, como vinha acontecendo desde 2011. O motivo é que a lei que determinava a regra de considerar também a variação do PIB expirou— tratava-se de uma fórmula dos anos petistas pensada para garantir aumento real (acima da inflação), ainda que nem sempre tenha sido exitosa— e agora o Governo tem a chance de mudá-la. Sendo assim, a escolha da equipe de Paulo Guedes foi propor algo mais modesto, a correção da remuneração básica apenas pela inflação medida pelo índice INPC no ano anterior. Pelo novo cálculo, o valor ficará, até agora, em 1.040 reais.
A cifra não é definitiva. Trata-se de uma previsão que pode ser mudada caso a inflação suba mais, por exemplo, ou por decisão de Bolsonaro por meio do decreto presidencial que fixa o mínimo, em geral no final do ano. Pode mudar também a depender do clima político. Ciente da delicadeza do tema, o próprio secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, deixou aberta a possibilidade de mudança ao afirmar que a proposta ainda não representa uma nova definição formal de política para o salário mínimo. “Estamos colocando esse valor como uma previsão, não é uma política do salário mínimo, o Governo tem até dezembro deste ano para apresentar qual será sua política de salário mínimo e assim o faremos”, disse em coletiva de imprensa, conforme registrou a agência Reuters.
A regra do mínimo já era motivo de debate, que deve voltar com força agora. O aumento real da remuneração nos últimos anos é apontado por especialistas como um dos responsáveis pela queda da pobreza no país — enquanto outro grupo de economistas criticava a fórmula por representar um peso nas contas públicas (como os benefícios da Previdência seguem o mínimo, também havia aumento real no déficit). A cada 1 real de elevação no salário mínimo, as despesas sobem 298,2 milhões de reais, segundo a equipe econômica.
Tesouras do Governo, Previdência e Petrobras
Pelo projeto de orçamento, o Governo admite esperar um déficit primário de 124,1 bilhões de reais para o Governo central (o arrecadado menos o gasto por Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social) em 2020. É um número pior do que o rombo de 110 bilhões de reais prevista pela gestão Michel Temer.
Fica formalizada também a intenção declarada equipe de Guedes de reduzir o Estado. A LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) não prevê concursos públicos nos órgãos da administração federal ou reajuste para servidores. A exceção possível são os militares, cuja reforma da Previdência embute uma plano de reestruturação de carreira com aumento de remuneração.
O agrado apenas à base do presidente Bolsonaro deve provocar ainda mais ruídos no Congresso, um ambiente em que o Planalto tem tido dificuldades para navegar. Nesta segunda, um acordo entre vários partidos na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara acabou jogando apenas para a semana que vem a primeira votação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) da Previdência. Os governistas não tiveram como se impor e a CCJ decidiu aprovar, de maneira simbólica, o chamado orçamento impositivo (que obriga o Governo a garantir recursos para parte das em emendas de parlamentares).
O Planalto mal terá tempo para digerir o revés, porque a previsão é de agenda cheia. Há a expectativa de que o Governo se pronuncie sobre o impasse em relação à política de preços dos combustíveis da estatal Petrobras. Na semana passada, Bolsonaro provocou um terremoto na Bolsa de Valores ao impedir a empresa de aumentar o preço do diesel em alinhamento ao mercado internacional. Na sexta-feira, o Planalto preferiu acalmar outra base importante, a dos caminhoneiros, que ameaça parar se não houver compensações. Após a Petrobras dizer nesta segunda que não está disposta a ceder, espera-se nesta terça que fique mais claro qual tipo de aceno Bolsonaro está disposto a dar para tirar a categoria da rota das tesouras do Governo.
Fonte: El País