País registrou o equivalente a 13 internações de motociclistas por hora em 2021. Para especialista, situação é de 'carnificina' e retrato de situação social e econômica de vítimas.
O Ministério da Saúde divulgou nesta quinta-feira (27) boletim em que aponta que o aumento na frota e de "serviços de tele-entregas, em sistemas de trabalhos precarizados e sem nenhuma garantia ou direito ao trabalhador" levou ao crescimento nos acidentes de trânsito com motociclistas em todo o país.
Segundo o documento, entre 2011 e 2021, o número de internações envolvendo motociclistas acidentados cresceu de 70.508 para 115.709 - o equivalente a 13 internações por hora. Só em 2021, o custo destas internações para o SUS foi de R$ 167 milhões.
O boletim mostra que as mortes em acidentes de trânsito caíram no período, de 43.256 para 31.468. Mas entre os motociclistas o número permaneceu estável, passando de 11.485 para 11.115 -- o que elevou a participação dos motociclistas nos óbitos de 26,6 para 35,3%.
Para o ministério, uma questão relevante para o problema envolve o aumento no tamanho da frota de motocicletas, que cresceu de 18,4 milhões em 2011 para 30,3 milhões em 2021. E o aumento da frota, segundo a Saúde, está ligado a novas condições de trabalho, principalmente após a pandemia de Covid.
"Esta tendência, que se agravou após a pandemia em 2020, guarda relação com crises estruturais do transporte público, demandas por serviços de tele-entregas, em sistemas de trabalhos precarizados e sem nenhuma garantia ou direito ao trabalhador, somada às vantagens que estes veículos apresentam, do ponto de vista individual (tráfego fácil, estacionamento, baixos custos de aquisição e manutenção)", diz o documento.
Questão social
Segundo as estatísticas do ministério, 88,1% das vítimas fatais dos acidentes em 2021 eram homens, 64,9% eram negros e cerca de 40% tinham menos de 30 anos.
Os dados também mostram uma situação de desigualdade regional na mortalidade dos acidentes. Enquanto a taxa nacional foi de 5,7 mortes/100 mil habitantes em 2021, o Piauí registrou uma taxa de 17,6, com Mato Grosso (14,7) e Tocantins (13,8) completando os estados com as piores taxas.
José Montal, médico de tráfego e diretor da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego) diz que a situação é uma "carnificina". "Não é um Brasil só: tem um Brasil mais pobre, que é onde este público, essas vítimas preferenciais estão", diz ele, que vê na questão social um fator relevante e que não pode ser desprezado.
"Por ocasião da pandemia, o motofretista virou um herói. Ele é que nos provia de alimentos, notícias, documentos, de vida. Eles se tornaram imprescindíveis, circulavam onde a presença do automóvel foi reduzida drasticamente e o ganho dele está relacionado à pressa e à velocidade. E a velocidade é o maior vilão do trânsito, que não só causa o acidente como agrava o acidente.", explica Montal.
Estratégias de comunicação
O médico destaca que nestas populações mais vulneráveis é mais comum a circulação sem capacete e sem habilitação, o que torna fundamental a forma como o tema é tratado pelo governo.
"A comunicação do MS [Ministério da Saúde] precisa ter uma expertise nesse sentido de atingir esse público-alvo que está morrendo muito forte. Precisa do ponto de vista de identificar o discurso, o público-alvo, como alcança. Sem conversar com eles fica difícil de achar uma maneira de convencê-los a ter um comportamento diferente", avalia.
No boletim, o ministério também destaca a relevância da questão. Algumas das recomendações do estudo são:
- ações que "regulem as atividades profissionais de motociclistas considerando a adoção de jornadas de trabalho adequadas";
- "incluir ações que fortaleçam o uso de capacete conforme disposto em legislação específica";
- "aprimorar campanhas para identificar segmentos preferenciais a serem abordados, aprofundar a análise sobre seus comportamentos e universos de valores, elencando o modo mais eficaz de comunicar riscos a grupos mais vulneráveis à essas lesões, jovens, de menor escolaridade, homens, trabalhadores e motociclistas."
Fonte: G1