"Não é questão de mandar o avião vir para apagar o fogo", diz representante do Ministério Público.
A ação do governo para conter os danos à Floresta Amazônica em Altamira (PA), município com maior índice de crescimento de desmatamento, evidencia um colapso que vai do sistema de fiscalização à preservação do meio ambiente. Há deficiência de efetivo e equipamentos.
Órgãos aos quais cabe o trabalho de fiscalização ao longo do ano contam com poucos funcionários, como o Ibama, que tem apenas três pessoas em seu quadro - duas do administrativo e um fiscal -, ou o Incra, com dois.
Com a decisão do governo federal de disponibilizar a Força Nacional para estados que precisam de assistência, o reforço começou a chegar nesta semana, mas não a logística, segundo relatos feitos ao HuffPost pelas próprias autoridades que coordenarão os trabalhos.
No momento, não tem como combater o fogo, que se alastra pelo município há pelo menos um mês. Ao HuffPost Brasil, o sub-tenente Farias, do 51° BIS em Altamira, um dos responsáveis pelo treinamento com o Exército, afirmou que o combate aos focos de incêndio deve começar somente na próxima semana. “Os homens estão chegando, mas os aviões, carros e barcos ainda estão a caminho.”
Para o delegado da Polícia Federal de Altamira Mário Sérgio Nery, o decreto do presidente que determinou a atuação nas regiões foi feito de forma “atabalhoada”. “Parece jogo de cena. Nunca vi nada acontecer dessa forma. Mandam as pessoas para cá, mas não tem o que usar. Aqui [a delegacia da PF de Altamira] não é uma Superintendência com recursos. Preciso aguardar chegarem os suprimentos para então dar início aos trabalhos”, desabafou.
Desde segunda-feira (26), têm sido feitas reuniões para organizar a distribuição das equipes que chegam para o reforço. A ideia é realizar força-tarefas com a atuação de todos os órgãos.
O Ministério Público, por exemplo, investiga os casos, enquanto o Exército faz a segurança, inclusive na mata, com animais. Já o Ibama, lavra os autos de infração ambiental e apreende eventuais mercadorias. A Polícia Federal, prende possíveis infratores e também apreende objetos. Também a Polícia Rodoviária Federal, em caso de operação nas estradas, pode atuar na prisão e apreensão.
“O Exército não pode chegar lá sozinho. Cada um tem um papel. Não sabemos o que vamos encontrar atrás do fogo”, explica o sub-tenente Farias.
Ação do governo contra o fogo na Amazônia expõe colapso na fiscalização em
Ausência de Estado
A procuradora da República Thais Santi, do Ministério Público Federal em Altamira, defende as ações conjuntas, mas ressalta a importância de atacar a “origem do problema”, que é fundiário e econômico, em sua visão.
Porém, ela chama a atenção para uma questão mais profunda. “Não é questão de mandar o avião vir para apagar o fogo”, diz a procuradora. Para ela, é preciso “estruturar o estado” de forma geral. Uma das razões citadas pelo Ministério Público no Pará para o “colapso” é a ausência do Estado.
De imediato, ela diz não restar dúvidas sobre o fato de os incêndios que têm tomado a Amazônia - “e não só neste ano”, ressalta - serem de origem criminosa. A procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, determinou a investigação do que ficou conhecido como “dia do fogo”, com o argumento de haver indícios de uma “ação orquestrada” no início do mês, na beirada da BR-163.
Para o delegado Mário Sérgio Nery, “a prova da materialidade [dos incêndios] não é difícil”. No entanto, mais uma vez, volta-se a esbarrar no problema estrutural.
A PF de Altamira atende o próprio município - e por isso vai investigar, de forma conjunta com a polícia de outras regiões, o que se deu no “dia do fogo” -, mas também as cidades de Anapú, Pacajá, SenadorJosé Porfírio, Brasil Novo, Medicilândia, Porto de Moz e Vitória do Xingu.
Altamira se estende do meio do estado do Pará até a fronteira com Mato Grosso - tem mais de 159 mil quilômetros quadrados. Segundo o delegados da PF Mário Sérgio Nery, se fosse um estado, seria o 17º maior. Para atravessar de uma ponta a outra, pode ser necessário viajar até dois dias devido às condições adversas das estradas que cortam a região, além dos perigos das travessias à noite.
“Cachoeira da Serra, que é dentro do município de Altamira, fica a 1,2 mil km daqui. Além disso, não são áreas urbanas. É gasto de tempo, pessoal, material. Não temos efetivo pra uma demanda tão grande que a região exige”, afirma o delegado da PF.
A PF de Altamira nem sequer começou a investigar o “dia do fogo” ainda. “Não pude mandar efetivo para lá [Castelo dos Sonhos]. Somos apenas 25 pessoas aqui [delegacia de Altamira]. Agora chegaram mais 25. Vamos nos dividir esta semana e planejar operações. Quem sabe aproveitar o que já está sendo tocado pela Polícia Civil de lá a respeito”, disse à reportagem.
De acordo com o delegado, além da distância, é necessário destacar também as peculiaridades da região. Altamira é conhecida pelos inúmeros conflitos de terras com grileiros, madeireiros e indígenas, além de abrigar a majestosa hidrelétrica de Belo Monte, que ampliou todas as questões que já existiam então.
Quem também sofre com o abandono do estado é a Polícia Rodoviária Federal (PRF), que admitiu ao HuffPost não fiscalizar as estradas de forma adequada. “Ideal seria pelo menos quatro pessoas [no posto de fiscalização por dia] pelas condições adversas que enfrentamos aqui, de perigo”, disse o policial Ítalo Carneiro. Contudo, eles trabalham normalmente em duplas. O policial conta que encontram, muitas vezes, dezenas de pessoas fazendo transportes ilegais de cargas, especialmente de madeiras ilegais e, entre elas, há inclusive quem esteja armado. Só quando recebem reforços conseguem montar operações maiores e, aí sim, abranger áreas mais distantes.
De acordo com Carneiro, madeireiros, pra levar carga pro Nordeste, conseguem desviar por alguns locais que os policias rodoviários federais conhecem. Mas a ausência de efetivo deixa, mais uma vez, a irregularidade passar. “Quando estamos em três pessoas aqui [no posto da PRF], fica um aqui, o que já é perigoso nessa região, e vão dois. Nunca saímos sozinhos.”
Governo diz que fogo é alarde
A situação de Altamira é um exemplo de como está a área de Floresta Amazônica no País. Na contramão do que dizem as autoridades locais, o Ministério da Defesa e o presidente Jair Bolsonaro dizem que o fogo está sob controle.
“Tem se alardeado um pouco de que a situação está fora de controle. Não está mesmo. Já tivemos picos de queimadas em outros anos muitos maiores”, disse o ministro da Defesa, Azevedo e Silva, na segunda (26). “A situação não é simples, mas ela está sob controle e já arrefecendo bem”, completou.
De acordo com ele, foram mobilizados aproximadamente 2.500 militares para combater as chamas. Até o momento, sete estados já acionaram o governo federal por ajuda para conter os focos de incêndio. Foram liberados também R$ 38 milhões para custear a ação.
Fonte: https://www.huffpostbrasil.com