A obra de estreia de Lazaro Ramos na direção ri para não chorar da pasmaceira que virou o Brasil com um não-presidente na Presidência

 

O futuro está logo ali. Ou não. Depende da postura no presente e do conhecimento que se tem do passado. Essa lição se depreende do filme “Medida Provisória” (2020), em cartaz nos cinemas. Muito bom poder ir ao cinema após tanto tempo de impedimento. E valeu muito a pena assistir o badalado “Medida Provisória”.

Mesmo acreditando que as plataformas de streaming podem, e muito, ajudar a indústria cinematográfica, exibindo filmes já não mais em cartaz ou até produzindo obras, ir ao cinema é outra história. Outro ritual.

Inspirado na peça de teatro “Namíbia, Não!” (2011), de Aldri Assunção, o filme explode na telona e com humor retrata uma realidade cruel aos olhos de quem sofre os preconceitos. Por isso, a obra de estreia de Lazaro Ramos na direção ri para não chorar da pasmaceira que virou o Brasil com um não-presidente na Presidência. Com o tema do racismo no cerne do filme finalizado em 2020, mas só conseguiu estrear dois anos depois por infortúnios da Agência Nacional do Cinema, como se pudessem impedir de fluir a arte, a inteligência e a vida.

Aí está a graça e a inteligência que só uma obra de arte pode ter. Ao imaginar um futuro distópico, mostra o conservadorismo, o racismo e o individualismo (no pior dos sentidos) que infelizmente domina a sociedade brasileira.

O encadeamento da obra cativa o público numa linguagem fílmica muito próxima do grande público e isso, muito provavelmente, explique o seu sucesso de bilheteria. Parece uma linha do cinema nacional em mesclar estéticas e falar da alma do Brasil de uma forma a atingir as consciências do maior número possível de pessoas.

A peça foi encenada no primeiro governo de Dilma Rousseff e o filme estreia no, muito provável, último ano do atual desgoverno. Muita água rolou nesse período e Lázaro Ramos soube fazer a adaptação ligando com os acontecimentos dos últimos três e poucos anos de uma tragicomédia sem graça nenhuma.

Racismo é o tema central. A obra expõe a bizarrice do desejo de uma parcela da população branca, tanto quanto se pode ser branco num país miscigenado como o Brasil. Começa com a decisão congressual de reparar uma negra pela escravidão. Reparação negada.

O desgoverno na telona (qualquer semelhança com o atual desgoverno brasileiro será mera coincidência?) aprova uma medida provisória (e já é um escracho a possibilidade de se governar por meio de medidas provisórias) com a “reparação” de enviar todas as pessoas de “melanina acentuada” de volta para a África.

Claro que a intenção de deportar os negros brasileiros para a África nem sempre foi uma brincadeira de cinema. No Brasil pós-Abolição, isso foi pensado com a predominância da tese de branqueamento da sociedade. E não há como negar que os quatro séculos de escravidão negra forjaram um racismo que se recicla através dos tempos e se mantém impedindo a civilização de avançar.

Precisamos de mais filmes como “Medida Provisória” para balançar o conservadorismo predominante e levar as pessoas a refletir sobre a perversidade do racismo e de todo tipo de preconceito, velado ou não. E o papel da mídia patronal nisso tudo, sempre contra os interesses populares. Deturpando, omitindo, mentindo.

O filme mostra a polícia agindo como capitão do mato ou bandeirante caçando negros como animais para serem deportados para a África, assim como foram capturados e trazidos para cá contra a sua vontade.

Também há um questionamento muito importante sobre as cotas raciais nas universidades. Lembrando que neste ano, o Congresso decide se as cotas continuam. Por isso, se faz necessário afirmar a necessidade das cotas para que o futuro tenha mais igualdade.

Para denunciar a ideologia racista e o ridículo daqueles que se julgam “elite” e só o são internamente, porque no país dos sonhos dessa gente, os Estados Unidos, brasileiro não passa de “cucaracha” (barata em espanhol).

Afinal, quem são nossos heróis? Zumbi ou Jorge Velho? Machado de Assis ou Olavo de Carvalho? Ruth de Souza ou Regina Duarte? Gilberto Gil ou Mário Frias? Enfim a lista pode ser quase infindável, mas é importante se posicionar na atual conjuntura, principalmente no dia 2 de outubro para decidir qual futuro queremos para o Brasil. O da morte ou o da vida?

Como se vê, o cinema pode cumprir um papel importante para mudar o Brasil e o mundo. Porque “se a gente falasse menos, talvez compreendesse mais”, como canta Luiz Melodia.

 

Fonte: O Vermelho

 

 

Por Marcos Aurélio Ruy