Pesquisadores da Rede de Pesquisa Solidária apontam regras excludentes, centralização e estratégia digital como principais problemas de implementação.

As cenas de aglomerações e longas filas registradas nas portas das agências da Caixa Econômica Federal nas últimas semanas foram um dos efeitos das decisões do governo Bolsonaro na implementação do auxílio emergencial para trabalhadores afetados financeiramente pela pandemia de covid-19. O governo optou por um modelo centralizado e totalmente digitalizado que gerou gargalos na implementação. Também estabeleceu regras que deixam mais de 30 milhões de trabalhadores elegíveis fora do programa Renda Básica Emergencial.

A avaliação é dos pesquisadores que assinam a Nota Técnica 5 da Rede de Pesquisa Solidária, divulgada na sexta-feira passada (8). Eles calculam que as principais limitações de cobertura do programa deixarão 6,1 milhões de pessoas sem receber o benefício devido a uma regra que limita o recebimento a apenas dois beneficiários por domicílio. Além delas, outros 26 milhões de trabalhadores de renda média que não têm acesso ao seguro-desemprego não serão cobertos pelo programa se perderem seus empregos.

Os cientistas sociais utilizaram microdados da PNAD Contínua Anual de 2019, do IBGE, para calcular o perfil dos elegíveis ao auxílio emergencial e quantificar quantas pessoas deixarão de receber os R$ 600 mensais devido às características de implementação do programa. Como os dados não capturam os efeitos do novo coronavírus sobre a economia, os números futuros poderão divergir com as estimativas. Isso é verdade principalmente para os elegíveis que moram com outros beneficiários do programa. “É importante registrar que esse número se refere a um cenário anterior à pandemia e deve crescer à medida que a renda comece a ser diretamente afetada, o que aumenta o número de elegíveis por domicílio”, escrevem os pesquisadores.

Quanto às decisões de implementação, a nota técnica explica que o governo tinha duas possibilidades de desenho da política pública. Uma envolvia a implementação quase inteiramente centralizada; a outra dependeria de maior articulação federativa para aproveitar a estrutura da rede de proteção social que foi construída no País ao longo das últimas décadas. Segundo os pesquisadores, ao optar pela primeira possibilidade, de maior centralização, o governo Bolsonaro sinalizou que gostaria de garantir seu controle sobre o processo de concessão dos benefícios, minimizar eventuais problemas de coordenação com estados e municípios e evitar repartir com adversários políticos os créditos eleitorais obtidos a partir do programa.

Porém, ao evitar uma maior articulação com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e apostar em uma opção de implementação totalmente digital, via Caixa Econômica Federal, o governo acabou criando dificuldades para parte importante do público-alvo, que não conta com acesso à internet em casa ou tem pouca familiaridade com smartphones e computadores. “Essa é a realidade mais frequente entre os menos escolarizados e mais pobres, exatamente aqueles que constituem a parte fundamental do público-alvo do programa”, diz a nota técnica da Rede de Pesquisa Solidária.

Um total de 7,4 milhões de pessoas elegíveis ao auxílio emergencial que precisam ou precisaram acessar o aplicativo da Caixa para requisitar o auxílio vivem em domicílios que não têm acesso à internet.

Perfil dos elegíveis

Segundos os pesquisadores, 29,1% da população brasileira é elegível ao benefício emergencial. Em números absolutos, são 60 milhões de indivíduos. Destes, 29,7% já eram beneficiários do Bolsa Família quando se iniciou a implementação da Renda Básica Emergencial, em 7 de abril. São eles os únicos que puderam contar com a inscrição automática para receber o auxílio.

Outros 52,4% dos elegíveis ao auxílio emergencial se enquadram no perfil do Cadastro Único, mesmo quando não são beneficiários de nenhum programa social. Há, ainda, 17,9% das pessoas elegíveis que não se enquadram no perfil do Cadastro Único. A informação sobre inscrição no Cadastro Único não é coletada pela PNAD Contínua e foi ponderada a partir de dados sobre as famílias beneficiárias do Bolsa Família, os indivíduos beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e as famílias com renda mensal per capita de fontes formais com valor menor ou igual a meio salário mínimo.

A grande maioria dos elegíveis à Renda Básica Emergencial se concentra entre as famílias de baixa renda e entre os trabalhadores historicamente mais vulneráveis — os informais. Entre os menos vulneráveis e os “novos vulneráveis” (grupo de trabalhadores formalizados que correm risco de desemprego ou perda de renda em função da pandemia), apenas uma pequena fração é elegível ao auxílio emergencial.

Fonte: Portal Vermelho